terça-feira, 23 de dezembro de 2008

O caminho, a verdade e a vida.

Ao cometer o primeiro pecado, o homem saiu do caminho traçado por Deus. Isso significa que uma estrada asfaltada com o orgulho e a soberba humana começava a ser construída. Diz as escrituras que os homens ante diluvianos eram grandes pecadores “o meu espírito não agirá para sempre no homem, pois este é carnal... viu o SENHOR que a maldade do homem se havia multiplicado na terra e que era continuamente mau todo o desígnio do seu coração” (Gn 6.2, 5). Os homens pós diluvianos não eram melhores, pois Deus afirma: “não tornarei a amaldiçoar a terra por causa do homem, porque é mau o desígnio intimo do homem desde a sua mocidade” (Gn 8:21). A humanidade continuou audaciosa e soberba: “Vinde, edifiquemos para nós uma torre cujo tope seja o céu” (Gn 11:4). E assim continua a história da humanidade marcada por uma profunda incerteza do caminho certo.
O filosofo grego Protágoras disse “o homem é a medida de todas as coisas”. Em outras palavras as necessidades do homem estão em primeiro lugar. Assim sendo, o homem continuava sua viagem rumo ao desconhecido e incerto. O mundo moderno está afundado em guerras, fomes, desastres naturais, crises financeiras, mesmo assim alega está em pleno controle das nossas vidas.
No inicio do século passado a filosofia e a teologia deram as mãos para solucionar os problemas da humanidade e a conclusão a que chegaram era que o que faltava ao homem era educação ‘acadêmica’. Eles acharam que a religião deveria ser abolida, pois atrasava o progresso, deixava as pessoas presas a crenças que não podem ser explicadas: milagres. O homem moderno deve se livrar qualquer forma de barbárie. Um grande avanço foi dado para educar o homem; a ciência nunca foi tão longe na busca de novos conhecimentos: a invenção e aprimoramento do avião, armas, navios, a viagem para o espaço. Contudo, esse homem educado, fez as maiores guerras da história da humanidade.
Todos reconhecem o mau caminho do homem moderno, mas as propostas são todas falíveis, pois começam no homem e não em Deus. Quando o mundo procura um caminho Jesus se apresenta como O CAMINHO.

O problema humano de perder o caminho é viver uma mentira. A vida da maioria das pessoas não passa de uma ilusão. Casamentos em que o cônjuge trai, engana e mente, uma aparência; famílias onde os filhos não obedecem aos pais, os pais não amam os filhos, não respeitam os mais velhos; ‘felicidade momentânea’ é uma opção para os artificiais; igrejas minadas pela mentira produzem animação e entretenimento que anestesia as tristezas e necessidades espirituais do homem.
A mentira leva a pessoa para o inferno: “Vós sois do diabo, que é vosso pai e quereis satisfazer-lhes os desejos. Ele foi homicida desde o principio e jamais se firmou na verdade, porque nele não há verdade. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é MENTIROSO e pai da MENTIRA” João 8:44. O grande conflito pelas nossas almas é entre a verdade e a mentira. Quem vai para o inferno é porque acreditou numa mentira, assim como quem vai para o céu é porque acreditou na verdade.
Quando o mundo procura criar suas verdades, Jesus se apresenta como A VERDADE.

Viver uma mentira produz morte. Não apenas morte física, mas também a morte física e emocional. Centenas e centenas de pessoas estão fisicamente vivas, aparentemente ativas, contudo estão emocionalmente mortas, i.e. perderam a razão de viver; algo muito traumático bloqueou tal pessoa impedindo de continuar a crescer, a viver e ser feliz. Uma grande decepção ou uma tragédia costumam travar a vida emocional das pessoas. Mas não é somente mortas emocionalmente que as pessoas se encontram elas estão mortas espiritualmente, ou seja, elas não podem ter acesso a Deus. Nós não podemos buscar a única pessoa que poderia resolver nossos mais profundos anseios, pois estamos mortos “Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados” Ef. 2:1.
Quando o mundo procura viver, mesmo estando mortos, Jesus se apresenta como A VIDA.

Até aqui apresentei o cenário do mundo: A falta de direção, a mentira e morte que os homens estão. Agora, chamo a sua atenção para a solução de Deus. O Todo-Poderoso vendo a situação do homem resolveu mandar Jesus para conduzir o homem para o caminho certo, para a verdade e para experimentar a vida.
Dentro dos EU SOU’s de Jesus encontramos em João 14:1-15 (1-7) O CAMINHO, A VERDADE E A VIDA.

Postado por Pr. Francimar.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

SÁTIRA AOS NOVOS (DES)VALORES DA CULTURA CRISTÃ

INTRODUÇÃO

O cristianismo resistiu a muitos ataques ao longo de sua história, travou verdadeiras batalhas com poderes políticos, correntes filosóficas e outras religiões e permaneceu inabalável. Debalde, o rei, o filósofo e o sacerdote tentaram aniquilar a doutrina cristã. Depois de tantas lutas sangrentas, cujo número dos adversários seria impossível precisar, o cristianismo está ameaçado por um inimigo terrivelmente poderoso. Esse adversário, semelhante a um animal enfurecido, demonstra que só aplacará a sua fúria quando pisar as cinzas da doutrina cristã. O poder destrutivo desse inimigo sobrepuja o poder do rei, supera em muito a força do filósofo e a violência do sacerdote. Mesmo estes três poderes conjugados não podem fazer frente ao novo inimigo do cristianismo. Como se vê, o novo opositor não é oriundo dos decretos políticos, não procede dos tratados filosóficos e muito menos do fervor mórbido dos cultos pagãos. Qual a origem desse inimigo? Ele procede da igreja, é sustentado pelas pregações, dogmatizado pelos manuais de teologia e seguido pelo pastor e pelo fiel. Parece absurdo mais o terrível inimigo do cristianismo é o próprio cristianismo. Para ser mais preciso, um cristianismo maldosamente disfarçado de ortodoxo. A arma desse inimigo é uma espécie de transvalorização dos valores cristãos. Nesse artigo, esse termo será atribuído à mudança de um (des)valor em valor.

1. O (DES)VALOR DA COVARDIA INTELECTUAL

Por covardia intelectual deve ser entendido o medo de estabelecer o diálogo entre a doutrina cristã e a cultura e conhecimento extra-bíblicos. Toda covardia é fruto da ilusão, fato que se aplica à covardia intelectual. Essa apostasia perniciosa baseia-se na falsa idéia de que qualquer formação intelectual mais elevada é um apelo à negação da fé. Por esta razão, os chamados “cristãos covardes” anatematizam e pregam o ódio mortífero ao conhecimento extra-bíblico, desprezam qualquer conhecimento que não esteja respaldado por sua teologia de vermes.
Estão completamente equivocados aqueles que pensam que a coragem não é uma virtude cristã. É preciso ser extremamente corajoso para aceitar a doutrina do Mestre e não soçobrar diante da grande responsabilidade que isto representa. Só um corajoso é capaz de colocar a sua própria vida como instrumento de autenticação de sua fé. Para se conhecer também é necessário coragem, principalmente quando o novo conhecimento não coincide com aquilo em que acreditamos. O estranho desperta o assombro, assombro que precede a covardia. Por isso, é preciso coragem, tudo que esta faltando a “nova cultura cristã”. Nas páginas do Novo Testamento, os cristãos são identificados por várias metáforas: ovelha, luz, sal, pedra, águia, árvore, só para alistar alguns exemplos. Não obstante, em nenhuma de suas paginas, a Santa Escritura compara os crentes a tartarugas. Essa figura se aplica muito bem a esses “cristãos covardes”, que vivem escondidos em sua carapaça doutrinária.

Assim, o cristianismo está sendo ameaçado pelo próprio cristianismo: o cristianismo covarde. Estes ditos cristãos temem confrontar a sua fé com a cultura ao seu redor, acreditam que um crente jamais poderá ler uma obra de Paulo Coelho sem se deixar seduzir pelo espiritismo; Harry Potter, então, é uma tentação diabólica; um irmão que ousar ler o Anticristo de Nietzsche poderá até ser disciplinado na igreja; aqueles que ousarem estudar filosofia serão motivos de escândalo para muitos. Afinal, de contas, como dizem alguns, a conversão significa um completo desprezo à cultura mundana e a sabedoria humana afasta o homem de Deus. Curiosamente, foi criado um novo Index librorum prohibitorum[1], agora, pelos protestantes.

2. O (DES)VALOR DA DESONESTIDADE INTELECTUAL


Desonestidade intelectual: eis mais um insulto, mais uma blasfêmia à doutrina do Mestre, mais um (des)valor da cultura cristã atual. Trata-se do desprezo a tudo que é cultura extra-bíblica sem nenhum conhecimento a priori. Em certo sentido, a desonestidade é fruto da covardia. Ao se esconderem em suas carapaças, como tartarugas desprezíveis, esses sepulcros caiados só são capazes de julgar àquilo que é exterior a eles movidos pelo preconceito e pela hipocrisia. Para empregar um pouco de ironia, um pregador diz que a obra de Freud é diabólica sem nunca ter lido um único prefácio do pensador vienense, um outro chama Descartes de anticristo sem saber se o autor do Discurso do método nasceu na França ou nas Guianas holandesas. Esses fraudadores intelectuais, semelhantes a víboras destilando a sua teologia peçonhenta, quando encontram alguém que se diz ateu sem nunca ter lido a Bíblia, ainda têm a petulância de argumentar que tal pessoa está errada ao descartar a fé cristã antes mesmo de conhecê-la. Criticam Nietzsche por ter julgado a doutrina cristã sem um conhecimento a fundo da mesma, mas cometem o mesmo preconceito, a mesma improbidade intelectual em relação ao pensamento do existencialista alemão.

Ah! Como faria bem a esses falsificadores do Evangelho uma pequena dose de cristianismo bíblico! Descobririam espantados que Cristo nunca pregou o ódio ao conhecimento, que essa desonestidade vil nunca foi contada entre as virtudes cristãs. Mas eles que, ao mesmo tempo ostentam uma luz superior, que se vangloriam por serem portadores de revelações sublimes, estão embrutecidos, perdidos no escuro sem fim da indiferença, cegos pelo véu asqueroso da hipocrisia. Julgam-se os únicos cristãos do mundo, mas estão tão distantes de Cristo, e isso justifica a sua desonestidade intelectual.

3. O (DES)VALOR DA ALIENAÇÃO INTELECTUAL

O termo alienação comporta muitos sentidos, principalmente quando analisado em termos filosóficos. No presente artigo este vocábulo será empregado para marcar a atitude radical de fechamento em relação à cultura extra-bíblica. A alienação é o estágio final no processo de transvalorização. Tanto o covarde quanto o desonesto sabem que existe cultura e conhecimento exteriores a ele. Isso pode ser comprovado pelo modo como eles enfrentam essa realidade. O primeiro emprega a arma da fuga e o segundo a arma do disfarce. O alienado, no entanto, perdeu a capacidade de perceber esta exterioridade. Em seu fechamento, ele tornou-se um prisioneiro daquele que considera o único conhecimento que existe.

Em muitos cursos de teologia, se for indagado a um seminarista se ele conhece Dostoievsky, esse estudante perguntará qual o ano do uísque em questão, se quiserem saber a sua opinião sobre Tolstoi, é possível que ele pergunte se o prato é doce ou salgado, se perguntarem se ele já leu alguma obra de Bocage, ele chegará ao cúmulo de confundir o poeta português com uma marca de roupa. Para empregar um neologismo, ele conhece uma única linguagem: o “teologuês. Como se não bastasse, ainda se orgulha de sua segregação cultural, considerando essa apostasia prova de espiritualidade e santidade. Olha para si mesmo como um ser privilegiado, dono de uma sabedoria inefável, acha-se capaz de desvendar todos os mistérios, seja do mundo material ou do mundo espiritual. Os que ousarem romper com o seu paradigma e desprezarem essa infame alienação serão considerados apóstatas, porcos que se deleitam com as alfarrobas do mundo.

CONCLUSÃO

Já é hora de alguém deixar de lado o receio e falar a esses farsantes que são eles os verdadeiros apóstatas da fé cristã, que são eles os inimigos da sã doutrina, os anticristos de quem fala o apóstolo[2]. Já é hora de alguém pisar os seus ovos funestos, antes que eles concebam víboras peçonhentas. Já é hora de destruir esse terrível inimigo e impedir a abominável transvalorização dos valores cristãos. É hora de se proclamar em todos os lugares o desprezo a essa paródia indecente do cristianismo. Mas aquele que ousar realizar tal feito deverá está preparado para enfrentar a fúria de uma multidão de cristãos, de cristãos que conhecem tanto de Cristo quanto um louco conhece as faculdades lógicas.

Notas:

1. “Lista de livros proibidos”. Recurso usado pelo tribunal da Inquisição com a finalidade de deter o avanço do protestantismo.

2. I João 2:18.


Postado por J. Marques

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

DISCURSO SOBRE A AMIZADE III: DO PRINCÍPIO DA MODERAÇÃO

Não sejas freqüente na casa do teu próximo, para que não se enfade de ti e te aborreça[1].

Os escritores clássicos denominavam esse princípio temperança e consideravam-no uma das mais importantes virtudes, conforme pode ser atestado pelo testemunho de Platão. Segundo o filósofo grego, “nenhuma cidade, tenha ela as leis que tiver, poderá viver tranqüila, quando os seus cidadãos consideram de bom aviso gastar dessa maneira e não ocupar-se com mais nada a não ser comer e beber à farta, só pensando nos prazeres do amor”[2]. Marco Aurélio, por sua vez, coloca este princípio, juntamente com a justiça, a coragem e a verdade, entre os bens mais preciosos da existência humana[3]. Horácio acrescenta que “não é sábio o sábio, nem justo o justo, se seu amor à virtude é exagerado”[4]. Um provérbio medieval afirma que “aquele que vende a temperança, compra a morte”[5]. Até mesmo Epicuro, considerado o fundador da filosofia hedonista, era taxativo em prevenir os seus compatriotas acerca dos perigos da intemperança. Tentando corrigir falsas interpretações acerca de seu pensamento, assim ele combate à falta de moderação:

Quando dizemos, então, que o prazer é o fim, não queremos referir-nos aos prazeres dos intemperantes ou aos produzidos pela sensualidade, como crêem certos ignorantes, que se encontram em desacordo conosco ou não nos compreendem, mas ao prazer de nos acharmos livres de sofrimentos do corpo e de perturbações da alma[6].

O termo grego empregado para temperança pode ser traduzido como moderação, sobriedade, juízo equilibrado, prudência, etc. A principal razão que justificava a importância dada pelos escritores antigos à temperança estava no fato de que ela capacitava o homem a experimentar os prazeres de forma equilibrada, ela prevenia a ocorrência de excessos. Como Demócrito costumava exortar seus compatriotas, “desejar algo violentamente cega a alma para o restante”[7]. Aristóteles considerava a temperança um meio termo entre dois vícios: a insensibilidade e a intemperança. Segundo ele, o homem virtuoso não era aquele que desfrutava de todos os prazeres e nem aquele que se abstinha de todos os prazeres, mas aquele que sabia selecionar os prazeres e experimentá-los de forma equilibrada[8]. Em um provérbio anterior ao citado acima, Salomão afirma: “Achaste mel? Come apenas o que te basta, para que não te fartes dele e venhas a vomitá-lo”. Com a figura do mel, o sábio introduz a discussão acerca da moderação. Este alimento tão saboroso, capaz de produzir em nós uma prazerosa sensação gustativa, quando consumido sem moderação, torna-se algo extremamente indesejável, capaz de gerar em nós o mais incontrolável dos repúdios: o vômito.

De fato, não há como negar a importância da moderação até mesmo para que haja um perfeito exercício das outras virtudes. Sem ela, os outros princípios morais perdem a sua essência. Sem a dosagem da temperança, a justiça transforma-se em crueldade, a coragem é convertida em temeridade, o conhecimento cede aos apelos da soberba, a esperança cede espaço à apatia e a própria amizade é levada a vestir a máscara hipócrita da cumplicidade. A Bíblia reconhece claramente a relevância dessa virtude. Para fazer uma citação livre de uma passagem do próprio Salomão, “o homem não deve ser nem demasiadamente justo, nem demasiadamente sábio”[9]. Obviamente, o sábio não está incentivando a injustiça e muito menos legitimando a ignorância. Ele não está dizendo que não devemos ser justos, muito menos que não devemos ser sábios. O que ele está desaprovando é o exercício desequilibrado dessas virtudes. O sábio está certo que qualquer virtude, quando desacompanhada da moderação, perde a sua característica original. Somente após estas considerações podemos discutir o texto onde Salomão aplica o princípio da moderação à amizade.

A Bíblia recomenda a amizade, mas não a amizade sem moderação. O relacionamento entre amigos é também marcado pela troca de afeto. Contudo, no homem, nada é tão tendencioso à intemperança como o seu componente afetivo. É no terreno escorregadio das emoções que ele é mais facilmente atraído pelo excesso. Para proteger-se contra esse perigo, ele precisa estar protegido pela armadura da moderação. Essa parece ser a preocupação de Salomão ao afirmar que o amigo não deve ser freqüente na casa do seu companheiro. Certamente, o sábio não está sugerindo que os amigos não devem se visitar entre si. O seu cuidado é no sentido de que isso seja feito com moderação a fim de que a amizade não seja desvirtuada. Na segunda parte do provérbio, o sábio deixa claro que uma amizade sem moderação representa um perigo sério para o exercício dessa forma de amor. A falta de moderação pode transformar um relacionamento marcado pela afeição e pela empatia em motivo de aborrecimento e rejeição, violando assim a essência da verdadeira amizade. Dito de outro modo, uma amizade marcada pela intemperança e pelo desequilíbrio não demorará muito tempo para converter-se em inimizade. Não sem razão os antigos gregos afirmavam que “o amigo de hoje do intemperante será o seu inimigo de amanhã”[10]. Com isso pode ser percebido que a falta de moderação afeta um outro princípio fundamental da amizade: a constância.

Além disso, a amizade é “uma relação entre mentes livres”[11], para citar mais uma vez as palavras de C. S. Lewis. Não obstante, quando não há moderação, a liberdade, um dos traços mais distintivos da amizade, é completamente violada. O eros é um tipo de amor que possui a exclusividade em sua essência, fato que não ocorre em relação à amizade. “Razão porque os amantes são representados frente a frente, mas os amigos lado a lado”[12]. Aquele que já tem um amigo fica ainda mais feliz em estabelecer novas amizades. O fato é que se A e B resolverem estabelecer uma amizade, A precisa está ciente de que B poderá ter inúmeros outros amigos e vice-versa. Cada um deve saber que não é o único amigo do outro e ambos precisam de tempo para dedicar aos outros amigos e de tempo para dedicar a si mesmo. Nenhum amigo tem o direito de reivindicar dedicação exclusiva do outro. Se isso acontecer, essa relação pode receber qualquer outro nome, menos amizade. A exclusividade não é própria dessa forma de amor. A partir do momento em que um amigo se torna refém do outro, o seu relacionamento está ameaçado. Esse princípio parece bastante elementar e repetitivo. Contudo, ele sempre é violado pela intemperança que frequentemente afeta o relacionamento entre amigos.

Quando a falta de moderação atinge um relacionamento entre amigos, a tendência é que se desenvolva entre ambos um espírito de possessividade, ciúme e dependência, fato que viola o caráter autônomo da amizade. Nesse ponto, temos que concordar com C. S. Lewis quando defende que nada é tão contrário à amizade como o ciúme.

A essa altura, não seria o caso de indagarmos a respeito daqueles pobres cristãos sinceros que por duas vezes já tiveram que reduzir a sua lista de amigos? Se agora eles avaliassem os amigos que restaram, não se veriam obrigados a fazer uma terceira redução? Mas esses pobres cristãos, em sua sinceridade, querem fazer amigos verdadeiros. Contudo, eles estão ficando cada vez mais angustiados, pois sua lista tem sofrido reduções drásticas. O que eles deverão fazer? Se desejam aumentar a lista de amigos, eles precisarão libertar alguns reféns, e, quanto menos reféns eles tiverem, maior será a sua lista de amigos. A libertação é necessária, ainda que a cela fique completamente vazia e todos os reféns ganhem a sua liberdade para depois se tornarem verdadeiros amigos. Por fim, cabe acrescentar que a cela deverá ser queimada com fogo inextinguível, a fim de que os amigos nunca mais possam se sentir presos.

Notas:

1. Provérbios 25:17.

2. PLATÃO. Fedro, Cartas, O primeiro Alcibíades. In: Diálogos Vol. V. Belém: EDUFPA, 1975. p. 139.

3. MARCO AURÉLIO. Meditações. In: Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973. p. 281.

4. HORÁCIO apud MONTAGNE, Michel de. Ensaios. In: Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1972. p. 101.

5. LLULL, Ramon. O livro dos mil provérbios. Disponível em <www.ricardocosta.com/grupos/proverbi.htm> (Acessado em 10 de maio de 2008). Não paginado.

6. EPICURO. Antologia de textos. In: Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973. p. 30.

7. DEMÓCRITO. Pré-socráticos I. In: Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973. p. 134.

8. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2001. passim.

9. Eclesiastes 7:16.

10. Ad. Tempora.

11. LEWIS, C. S. Os quatro amores. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 82. 100.

12. LEWIS, C. S. op. cit. p. 94.



Postado por J. Marques


terça-feira, 18 de novembro de 2008

Os significados de Amor na Bíblia (Parte 1)

O amor na Bíblia, como no nosso uso diário, pode ser dirigido de pessoa à pessoa ou de uma pessoa a coisas. Quando dirigido em direção a coisas, o amor significa gostar ou tomar o prazer naquelas coisas. O amor em direção a pessoas é mais complexo. Como com coisas, amando pessoas pode significar simplesmente gostar delas e tomar o prazer nas suas personalidades, aparências, realizações, etc. Mas há outro aspecto do amor interpessoal que é muito importante na Bíblia. Há aspecto do amor por pessoas que não são atraentes ou virtuosas ou produtivas. Neste caso, o amor não é um prazer em que uma pessoa é, mas um compromisso profundamente sentido à ajudá-lo a ser o que ela deveria ser. Como veremos, o amor por coisas e ambas as dimensões do amor por pessoas são ricamente ilustrados na Bíblia.

Quando examinamos o Antigo Testamento e o Novo Testamento à sua vez, o nosso foco estará no amor de Deus, depois no amor do homem por Deus, o amor do homem pelo homem e o amor do homem pelas coisas.

O Amor no Antigo Testamento

Jesus disse que o maior mandamento no Antigo Testamento era: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma” (Mt 22:37; Dt 6:5). O segundo mandamento era: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22:39; Lv 18:19). Depois Ele disse: “Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas” (Mt 22:40). Isto deve significar que se uma pessoa entendeu e obedeceu estes dois mandamentos, ela compreenderia e cumpriria o que todo o Antigo Testamento estava tentando ensinar. Tudo no Antigo Testamento, quando propriamente entendido, almeja basicamente a transformação de homens e mulheres em pessoas que fervorosamente amam a Deus e ao seu próximo.

O Amor de Deus

Você pode dizer o que uma pessoa ama, por aquilo que ela mais se dedica apaixonadamente. O que uma pessoa valoriza mais é refletido nas suas ações e motivações. É evidente no Antigo Testamento que o que Deus mais valoriza, mais ama, é o Seu próprio nome. Do início da história de Israel ao fim da era do Antigo Testamento, Deus foi movido por este grande amor. Ele diz através de Isaías que Ele criou Israel “para Sua glória” (Is 43:7); “Tu és o meu servo, és Israel, por quem hei de ser glorificado” (Is 49:3).

Deste modo quando Deus livrou Israel da escravidão no Egito e os preservou no deserto, foi porque Ele estava agindo por causa do Seu próprio nome, “O que fiz, porém, foi por amor do meu nome, para que não fosse profanado diante das nações” (Ez 20:9, 14, 22; Cf Ex 14:4). E quando Deus expulsou outras nações da Terra Prometida de Canaão, Ele estava “fazendo para si mesmo um nome” (2 Sm 7:23). Então finalmente no fim da era do Antigo Testamento, depois que Israel tinha sido levado para cativeiro na Babilônia, Deus planeja apiedar-se e salvar Seu povo. Ele diz: “Por amor do meu nome, retardarei a minha ira e por causa da minha honra me conterei para contigo... Por amor de mim, por amor de mim, é que faço isto; porque como seria profanado o meu nome? A minha glória, não a dou a outrem.” (Is 48:9, 11 Cf. Ez 36:22, 23, 32). Por estes textos nós podemos ver o quanto Deus ama Sua própria glória e quão profundamente está comprometido em preservar a honra de Seu nome.

Isto não é algo mau da parte de Deus. Ao contrário, a Sua própria retidão depende na Sua manutenção de uma plena lealdade ao valor infinito de Sua honra. Isto é visto nas frases paralelas de Sl 143:11, “Vivifica-me, SENHOR, por amor do teu nome; por amor da tua justiça, tira da tribulação a minha alma”. Deus cessaria de ser justo se Ele cessasse de amar Sua própria glória sobre a qual Seu povo deposita toda sua esperança.

Uma vez que Deus se compraz tão intensamente em Sua glória – a beleza de Sua perfeição moral – é de se esperar que se compraza nas reflexões desta glória no mundo. Ele ama a retidão e a Justiça (Sl 11:7; 33:5; 37:28; 45:7; 99:4; Is 61:8); “Eis que te comprazes na verdade no íntimo” (Sl 51:6); Ele ama Seu santuário onde é adorado (Ml 2:11) e Sião, “a cidade de Deus” (Sl 87:2, 3).

Todavia, sobre todas as coisas no Antigo Testamento, o amor de Deus por Sua própria glória O envolve num compromisso eterno com o povo de Israel. A razão que isto é desta forma: é que um aspecto essencial da honra de Deus é a sua liberdade soberana na escolha de abençoar o indigno. Tendo escolhido livremente estabelecer uma aliança com Israel, Deus glorifica-Se na manutenção de um compromisso de amor para com este povo. A relação entre o amor de Deus e a Sua eleição do povo de Israel é visto nos seguintes textos:

Quando Moisés quis ver a glória de Deus, Deus respondeu que proclamaria Seu glorioso nome à ele. Um aspecto essencial do nome de Deus, Sua identidade, foi então dada nas palavras: “terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia e me compadecerei de quem eu me compadecer.” (Ex 33:18, 19). Em outras palavras, a liberdade soberana de Deus em dispensar misericórdia sobre quem lhe apraz é integral ao Seu ser como Deus. É importante agarrar esta auto-identificação porque ela é a base da aliança estabelecida com Israel no Monte o Sinai. O amor de Deus por Israel não é uma resposta divina respeitosa à uma aliança; pelo contrário, a aliança é uma expressão gratuita e soberana de misericórdia ou amor divino. Lemos em Êxodo 34:6-7, como Deus plenamente se identifica antes de confirma a aliança (Ex 34:10): “E, passando o SENHOR ... clamou: SENHOR, SENHOR Deus compassivo, clemente e longânimo e grande em misericórdia e fidelidade; que guarda a misericórdia em mil gerações, que perdoa a iniqüidade, a transgressão e o pecado...”

Assim a aliança Mosaica, na qualidade de juramento de Deus com os primeiros patriarcas (Dt 4:37; 10:15), foi arraigado no amor gratuito e gracioso de Deus. É errado, portanto, dizer que a Lei Mosaica é algo mais contrário a graça e a fé do que são as ordens do Novo Testamento. A Lei Mosaica exigiu um estilo de vida compatível com a aliança misericordiosa que Deus tinha estabelecido, mas isto também providenciou perdão de pecados e assim não colocou o homem sob uma maldição por causa de uma única falta. A relação que Deus estabeleceu com a nação de Israel e o amor que Ele tinha por ela foi comparado como aquele entre um marido e esposa. “Passando eu por junto de ti, vi-te, e eis que o teu tempo era tempo de amores; estendi sobre ti as abas do meu manto e cobri a tua nudez; dei-te juramento e entrei em aliança contigo, diz o SENHOR Deus; e passaste a ser minha” (Ez 16:8).

Isto é o porquê a idolatria que a nação de Israel comete mais tarde é chamada de adultério, pois ela foi após outros deuses (Ez 23; 16:15; Os 3:1). Mas apesar das repetidas infidelidades de Israel para com Deus, Ele declara: “Com amor eterno eu te amei; por isso, com benignidade te atraí” (Jr 31:3; Cf. Os 2:16-20; Is 54:8).

Outras vezes, o amor de Deus pelo Seu povo é comparado a de um pai pelo filho ou de uma mãe por sua criança: “guiá-los-ei aos ribeiros de águas, por caminho reto em que não tropeçarão; porque sou pai para Israel, e Efraim é o meu primogênito” (Jr 31:9, 20). “Acaso, pode uma mulher esquecer-se do filho que ainda mama, de sorte que não se compadeça do filho do seu ventre? Mas ainda que esta viesse a se esquecer dele, eu, todavia, não me esquecerei de ti” (Is 49:15, 66:13).

No entanto, o amor de Deus pela nação de Israel não exclue severo julgamento sobre a mesma quando esta caiu na incredulidade. A destruição do Reino do Norte pela Assíria em 722 a.C (2 Rs 18:9, 10) e o cativeiro do Reino do Sul na Babilônia nos anos seguintes a 586 a.C (2 Rs 25:8-11) mostram que Deus não toleraria a infidelidade de Seu povo. “Porque o SENHOR repreende a quem ama, assim como o pai, ao filho a quem quer bem” (Pv 3:12). De fato, o Antigo Testamento encerra-se com muitas das promessas de Deus não cumpridas. A pergunta de como o amor imortal de Deus por Israel se expressará no futuro é buscada no Novo Testamento por Paulo. Veja especialmente Romanos 11.

A relação de Deus para com Israel como nação, não significava que Ele não tinha lidado com indivíduos, nem Seu tratamento da nação como um todo O preveniu de fazer distinções entre indivíduos. Paulo ensinou em Romanos 9:6-13 e 11:2-10, que já no Antigo Testamento “nem todos os de Israel são, de fato, israelitas”. Em outras palavras, as promessas do amor de Deus a Israel não se aplicaram sem distinção a todos os indivíduos israelitas. Isto nos ajudará entender os seguintes textos: “O caminho do perverso é abominação ao SENHOR, mas Este ama o que segue a justiça” (Pv 15:9). “O Senhor ama aqueles que odeiam o mal” (Sl 97:10). “o SENHOR ama os justos” (Sl 146:8). “Não faz caso da força do cavalo, nem se compraz nos músculos do guerreiro. Agrada-se o SENHOR dos que O temem e dos que esperam no Seu constante amor” (Sl 147:10, 11; 113:13).

Nestes textos, o amor de Deus não é direcionado igualmente à todos. Em seu pleno efeito salvífico, o amor de Deus é desfrutado por “aqueles que esperam no Seu constante amor”. Isto não significa que o amor de Deus não seja grátis e imerecido. Pois de um lado, a própria disposição de temer a Deus e obedientemente esperar nEle é um dom de Deus (Dt 29:4; Sl 119:36) e de outro lado, o apelo do santo que espera em Deus não é ao seu próprio mérito, mas à fidelidade de Deus ao fraco que não tem forças e só pode confiar na misericórdia (Sl 143:28, 11). Portanto, no Novo Testamento (Jo 14:21, 23; 16:27), o pleno desfrutar do amor de Deus é condicional sobre uma atitude apropriada para recebê-lo, isto é, uma confiança humilde na misericórdia de Dele: “Entrega o teu caminho ao SENHOR, confia nele, e o mais ele fará” (Sl 37:5).

Daqui a algumas semanas postaremos a segunda parte, deste artigo de John Piper, que falará do Amor do homem para com Deus e do Amor do homem para com o homem.

Tradução: Elias Lima
Fonte: http://www.desiringgod.org/

terça-feira, 11 de novembro de 2008

DISCURSO SOBRE A AMIZADE II: DO PRINCÍPIO DA FRANQUEZA

É melhor a repreensão franca do que o amor encoberto. Leais são as feridas feitas pelo que ama, mas os beijos de quem odeia são enganosos”[1].

A franqueza no relacionamento entre amigos foi outro princípio bastante apreciado entre os escritores antigos. Já no século VII a. C., o poeta lírico Focílides de Mileto recomendava que “os amigos deveriam tratar um com outro dos rumores que corriam entre os concidadãos”[2]. Recomendação semelhante pode ser encontrada no fragmento de Teognis seguinte:

Não sejas meu amigo de palavras e tenhas teus pensamentos em outro parte. Ou ama-me com vontade sincera ou rompe comigo e sê meu inimigo abertamente. O que tem uma língua e dois corações é um companheiro perigoso, cuja inimizade é preferível à sua amizade[3].

Cícero acrescenta que “a única ocasião em que não devemos deixar de ofender um amigo, é quando se trata de lhe dizer a verdade e de lhe provar assim a nossa fidelidade”[4]. Como pode ser observado, os escritores antigos não concebiam a verdadeira amizade como dissociada da franqueza. De fato, esse princípio é conseqüência de uma outra idéia bastante comum entre eles: a idéia de que a amizade era uma relação baseada na virtude[5].

Mas em que consiste a franqueza? Esse princípio pode ser definido como a expressão da verdade que deve marcar o relacionamento entre amigos. O provérbio de Salomão citado acima apresenta um princípio geral sobre ética social, mas que pode ser aplicado ao relacionamento entre amigos. Salomão emprega uma antítese bastante sugestiva para falar do princípio da franqueza. No entender do sábio, a ferida sincera é preferível ao beijo hipócrita, e a repreensão franca é mais valiosa do que o falso elogio. A figura de linguagem empregada pelo sábio pode ser explorada um pouco mais. A razão do princípio da franqueza ser comparado a uma ferida é muito simples. Às vezes, a verdade produz uma dor momentânea. Isso acontece porque ela contraria a vontade daquele que está no erro e, quem está no exercício de sua vontade, não gosta de vê-la contrariada, ainda que seja pelo mais íntimo dos amigos. Mas essa dor é momentânea, pois o amigo, se pode ser considerado com tal, logo perceberá que a ferida da verdade carrega dentro de si mesma o bálsamo cicatrizante que restaura a amizade à sua harmonia inicial. A hipocrisia e a falsidade, o oposto da franqueza e da verdade, são comparadas a um beijo. O beijo, enquanto contato corporal, produz uma determinada sensação de prazer. Mas esta agradável sensação dura apenas enquanto os objetos sensíveis estão em contato. Quando eles se separam, ela logo desaparece. Assim, é o prazer gerado pela falsidade. A sua duração é bastante curta e seu fim é sempre o oposto do pretendido: o desprazer. Para resumir a figura em poucas palavras, a franqueza produz um desprazer momentâneo seguido de um prazer durável, enquanto que a falsidade gera um prazer momentâneo acompanhado por um desprazer durável.

Um estudo mais detalhado sobre a franqueza irá revelar que ela acomoda vários outros princípios. Nesse tópico serão analisados aqueles três considerados mais essenciais. Em primeiro lugar, a franqueza envolve uma intenção sincera no estabelecimento da amizade. Aquele que pretende fazer amigos deve fazê-lo porque tem o desejo sincero de vivenciar a amizade em toda a sua dimensão. Ele deve ter a capacidade de ver o relacionamento amistoso não apenas como um meio, mas como um fim. É verdade que a amizade, em virtude de sua própria natureza, é um tipo de relacionamento que acarreta vantagens para os seus participantes, mas isto não significa que devemos procurar fazer amigos simplesmente pensando em obter vantagens pessoais. Infelizmente, sabendo que a amizade é um relacionamento de identificação, muitos são aqueles que procuram desenvolver essa forma de amor com motivos interesseiros. Querem ser amigos de determinadas pessoas, simplesmente porque isso lhes trará determinadas vantagens, seja um objeto valioso, fama, posição social, etc. Esse problema foi constatado pelo próprio Salomão. Nas suas palavras, “ao generoso, muitos o adulam, e todos são amigos do que dá presentes”[6]. Nessa passagem o sábio denuncia os motivos interesseiros que movem certas amizades. Além disso, o texto deixa implícito que a amizade que começa dessa forma, em bem pouco tempo, será transformada em adulação. No sentido mais rigoroso do termo, alguém que procura estabelecer uma amizade visando unicamente angariar vantagens pessoais, nem pode ser classificado como amigo, mas como um adulador, uma espécie de sanguessuga que não pensa em outra coisa a não ser em satisfazer a sua natureza de parasita. Um ser semelhante à raposa que aparece das fábulas de Esopo, que tem todos por amigos, somente até conquistar os seus desejos mais egoístas. Mas o seu final é sempre bastante melancólico. Ela sempre termina sem nenhum amigo, entregue a solidão gerada por seu egoísmo. No fundo este é sempre o destino dos interesseiros. Sempre que os seus reais intentos são descobertos, não restará ninguém que queira ser seu amigo. Para repetir um adágio empregado pelos antigos gregos, “até mesmo o homem que vive na mais completa solidão, desfruta mais da amizade do que aquele que vive cercado de amigos, com a única finalidade de explorá-los”[7]. A razão do interesseiro sempre terminar dessa forma é lógica, embora seja trágica. Ele não conquista amigos porque, não está em busca de amizades. De fato, ele está em busca de determinados benefícios e encontra na amizade apenas um meio mais seguro para conquistá-los. Quando ele atinge o seu fim, já não precisa mais do meio, descarta-o como algo irrelevante. Ele está sem amigos porque, no fundo, não queria amigos. Por fim, é verdade que toda amizade traz vantagens para aqueles que dela participam. O interesseiro, não obstante, deixa de considerar que essas vantagens devem ser comuns a ambos os participantes. Do contrário, a amizade tem a sua verdadeira natureza suprimida. Essa questão será melhor discutida no princípio de reciprocidade.

Em segundo lugar, a franqueza implica na confrontação do amigo com a verdade quando a situação assim o requer. Isso significa que o amigo não está autorizado a mentir em nome da amizade. Mas o que dizer daqueles amigos que não suportam a verdade? O amigo que não é capaz de assimilar uma verdade, embora ela seja a princípio dolorosa, é porque a sua própria amizade é uma mentira. É somente quem vive na mentira que sente prazer nela e fica incomodado com a verdade. Em geral, a verdade não separa amizades verdadeiras. Tudo que ela faz é denunciar as falsas. “O que encobre a transgressão, adquire amor, mas o que traz o assunto a baila separa os maiores amigos”[8]. Com esse texto o sábio não está defendendo uma atitude de conivência em relação ao erro. Na verdade, ele está perfeitamente de acordo com o seu tom crítico, às vezes satírico, em relação às falsas amizades. Além disso, em um outro provérbio, o sábio aconselha: “Pleiteia a tua causa diretamente com o teu próximo, e não descubra o segredo de outrem”[9]. No fundo, o que ele deseja é demonstrar que, alguns considerados amigos, logo abandonam seu companheiro quando são confrontados com a verdade. Quando ele afirma que quem encobre a transgressão adquire amor, é impossível não perceber a sua veia irônica. O que ele dispensa é um falso amor, movido unicamente pela conveniência. Um relacionamento dessa natureza, não pode ser classificado como amizade. O amigo está aberto à verdade, ainda que essa verdade contrarie a sua vontade. A nosso ver, ou estamos falando de conceitos bem distintos, ou C. S. Lewis está completamente equivocado ao afirmar que a amizade pode ser considerada uma escola do vício. Parece absurdo que o mais primordial dos amores contenha, em sua essência, uma inclinação para o vício. A não ser que o pensador irlandês esteja falando das falsas amizades. Mas estas são tão desvirtuadas, tão corrompidas, que nem merecem ser classificadas como tal.

Por fim, o princípio da franqueza implica em uma atitude de fidelidade entre os amigos. Toda amizade verdadeira é um pacto, uma aliança entre duas ou mais pessoas. Essa aliança exige a dedicação sincera dos amigos entre si. Essa fidelidade, entretanto não significa que uma das partes tenha que compactuar com os erros do seu companheiro. Para citar as palavras de Cícero, “a primeira lei da amizade é não pedir nem conceder nada de vergonhoso”[10]. Assim, constitui-se em um erro crasso empregar a fidelidade para justificar os atos mais baixos entre os amigos. A fidelidade é uma das principais virtudes cristãs. Contudo, em nenhum código de ética, a virtude tem comunhão com o vício. É verdade que alguns, ditos amigos, empregam o princípio da fidelidade para justificar o erro. Não obstante, essa tendência perniciosa é fruto da confusão entre fidelidade e cumplicidade. O exemplo abaixo, embora seja hipotético, ilustra bem essa confusão.

Uma jovem A tem uma amiga B cuja fidelidade ela considera acima de qualquer suspeita. A amiga A confia todos os seus segredos à amiga B, tendo-a como sua confidente. Em um belo dia a amiga A descobre que está grávida de seu namorado. Desesperada e temendo a reação dos familiares, ela resolve seguir o conselho do namorado e abortar o bebê. Antes de abortar, como sempre, ela conta todo o caso à amiga B e pede que ela mantenha sigilo absoluto acerca do assunto. A amiga A confia inteiramente na fidelidade da amiga B e sabe que ela jamais revelará o segredo. Surge, então, o questionamento: diante de uma situação como esta, o que significa ser fiel? Para a amiga A ser fiel significa guardar o segredo a qualquer custo, pensamento compartilhado pela amiga B. Contudo, ambas estão igualmente equivocadas. Entre as supostas amigas não há fidelidade, mas apenas a falsificação mais barata e grotesca desse princípio: a cumplicidade. A fidelidade é um princípio cristão. Trata-se da dedicação incondicional, mas consciente a uma determinada pessoa. A cumplicidade, por sua vez transmite a idéia da participação em uma situação moralmente injustificável por conta do apego a outrem. Do ponto de vista jurídico, o cúmplice que é alguém que, mesmo não participando diretamente, torna-se culpado de determinado crime. Espiritualmente falando, trata-se da participação em pecados de outras pessoas. É o que pode ser percebido na exortação de Paulo a Timóteo: “Não te tornas cúmplice de pecados de outrem”[11].

Embora a confusão entre fidelidade e cumplicidade seja freqüente em relação à amizade, quando os termos são analisados a fundo, percebe-se a grande oposição entre ambos. A fidelidade é baseada na verdade, a cumplicidade, na mentira, o primeiro é guiado por um sentimento altruísta, o segundo, por um egoísmo cego, um visa o maior bem, o outro uma mera conveniência. Ser fiel a alguém não significa encobrir os seus erros. Não há ninguém mais fiel do que Deus, mas também não há ninguém que mais denuncie o pecado dos homens. Nunca deve ser esquecido que as virtudes cristãs caminham de mãos dadas. No caso da fidelidade, a verdade e a justiça são suas companheiras inseparáveis. Engana-se completamente aquele que acha que assumindo uma postura de cumplicidade está fazendo o bem ao seu amigo. A cumplicidade não torna as pessoas melhores. No fundo ela corrompe ainda mais a sua conduta, já que anula a sua sensibilidade ao erro. Para usar as palavras de Salomão, “o homem que lisonjeia o seu próximo, arma-lhe uma rede aos passos”[12]. Além disso, como pode ser observado no exemplo anterior, ela acaba punindo pessoas inocentes. Já aprendemos com o sábio que a fidelidade pode ser comprovada pela ferida. Não é a ausência de dor que autentica a fidelidade, mas a presença constante da verdade.

A franqueza evita o mexerico, pratica tão nociva à natureza da amizade. Nesse sentido, Pascal está correto ao afirmar em seus Pensamentos que “se todos os homens soubessem o que dizem uns dos outros, não haveria quatro amigos no mundo”[13]. Como pode ser observado, a prática do mexerico, ao violar o princípio da franqueza, destrói o mais primordial dos amores. Disso se conclui que o princípio da franqueza e o princípio da constância estão relacionados.

Para concluir, é extremamente problemático conceber a amizade verdadeira do dissociada da franqueza. Sem esse princípio, duas pessoas podem ser cúmplices, compassas, parceiros, aliados, menos amigos verdadeiros. É até concebível que os falsos amigos possam simular a franqueza, mas é impossível que os verdadeiros não procurem partilhar desse princípio divino. E aqueles cristãos sinceros que, no princípio, tiveram que reduzir sua lista de amigos pela metade? Seria o caso de enfrentarem uma redução ainda mais drástica com este segundo princípio? Se essa redução significar a eliminação dos aduladores e dos cúmplices, que isso lhes seja motivo de regozijo e não de frustração.


Notas:

1. Provérbios 25:5,6.

2. FOCÍLIDES DE MILETO. In: Líricos griegos: elegíacos y yambógrafos. Vol. I. Barcelona: Ediciones Alma Máster S. A., 1956. p. 137.

3. TEOGNIS. In: Líricos griegos: elegíacos y yambógrafos. Vol. II. Barcelona: Ediciones Alma Máster S. A., 1956. p. 174.

4. CÍCERO. Diálogo sobre a amizade. (Versão para ebook). Disponível em <http://www.ebooksbrasil.com/> (Acessado em 15 de novembro de 2007).

5. C. S. Lewis discorda desse ponto de vista. Segundo o pensador cristão, a amizade possui um caráter ambíguo. Ela é tanto uma escola da virtude, como uma escola do vício.

6. Provérbios 19:6.

7. Ad tempora.

8. Provérbios 17:9.

9. Provérbios 25:9.

10. CÍCERO. op. cit. p. 27.

11. I Timóteo 5:22.

12. Provérbios 29:5.

13. PASCAL, Blaise. Pensamentos. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001.


Postado por J. Marques

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

A Obediência na Pregação traz verdadeiras conversões. Jn 3

Uma ênfase exacerbada no evangelismo tem trazido muitos danos a igreja cristã. Há um grande numero de igrejas superlotadas à procura de sinais, milagres, curas, línguas, etc.


A cada ano o IBGE atesta o crescimento da igreja evangélica. Contudo, o que vemos é a ascendência de um grupo de pessoas que abandonaram os princípios essenciais da fé evangélica. A conversão, para esses grupos, não passa de uma experiência mística que deve ser fortalecida a cada semana através de sinais extraordinários. Para outros grupos a conversão é a mudança da vida financeira, a melhora nos problemas pessoais, familiares.


Menos pessoas entendem o que significa a conversão como ensinada nas escrituras. Assim, o que é conversão de pecados? O que é necessário para haver conversão verdadeira?

A obediência do pregador v. 1-3

Após toda a experiência de Jonas, finalmente se reconciliou com Deus. A aflição traz alguns benefícios: nos reduz ao lugar de onde desertamos. Sl 119: 71 “foi-me bom ter passado por aflição, para que aprendesse os teus decretos”. Veja a graça divina trabalhando com a aflição. Veja a responsabilidade de todos aqueles para o qual a palavra de Deus vem. Jonas levantou-se imediatamente e foi pregar em Nínive segundo a palavra de Deus. Os servos de Deus devem ir aonde ele envia.


Jonas não era um pregador conhecido ou poderoso naquele país. O profeta não realizou nenhum sinal grandioso, ou fez milagres para o povo se converter. Nem ao menos citou a profecia que o tinha consagrado e tornado uma pessoa conhecida em seu país. Ao contrário, Jonas chegou em Nínive física e espiritualmente humilhado. Os ácidos gástricos haviam queimado a pele e rosto de Jonas, o que o tornava asqueroso e repelente, não atrativo. O episódio no grande peixe tinha deixado o profeta confiante somente em Deus.


Jonas chegou a contra gosto, pregando uma mensagem que não queria. Devemos lembrar que o profeta não queria que o povo se convertesse, assim temos um pregador falando sem motivação, entusiasmo, e esperança de sucesso nos seus sermões.


Contudo, Jonas foi fiel a mensagem de Deus. Apesar de todas essas contrariedades no coração do profeta, ele foi fiel e anunciou o evangelho. “Levantou-se .... começou a percorrer a cidade.... e pregava” 3-4.


A obediência de Jonas nos lembra o que se requer do despenseiro é que seja achado fiel - 1 Cor 4:2. “ora, além disso, o que se requer dos despenseiros é que cada um deles seja encontrado fiel”. É necessário obediência de ir para levar as boas novas – Rm 10:17. “e como pregarão, não foram enviados? Como está escrito: quão formosos são os pés dos que anunciam coisas boas”. Deus valoriza não a aparência ou poder do pregador, mas sua obediência.

A supremacia da pregação – v. 4-9

Jonas entregou uma mensagem, aparentemente simples: “ainda 40 dias e Nínive será destruída”. Ele foi enviado como um arauto na iminência de uma guerra. Jonas saiu a percorrer uma cidade que era grande e principal do mundo gentílico da época.


Deus já havia mostrado sua graça para cidades pecaminosas como Sodoma e Gomorra, Tiro e Sidom, e agora queria mostrar sua misericórdia a Nínive. Porque Deus escolheu essa cidade e não Társis ou Jope não é dito, apenas devemos obedecer onde Ele mandar. Não devemos encher Deus de perguntas quando não temos como compreender as respostas. Apenas pregue.


O conteúdo da mensagem de Jonas era o mesmo: denunciar a maldade dos homens de Nínive como tendo incomodado tanto Deus que ele desceria para puni-los. Deus não muda, nem a sua palavra.


A demonstração de arrependimento dos ninivitas é até cômica, mas muito sincera: cobrir os animais com as mesmas roupas que eles usariam e nem um deles deveria comer ou beber. Imagine os ninivitas correndo atrás dos animais para que não fossem para os riachos ou comer gramas; uma vez que não havia currais, eles tiveram muito trabalho. A demonstração de fé nos novos convertidos é ao mesmo tempo sincera e engraçada.


Essa atitude era comum em velórios e funerais: roupas desconfortáveis, jejum, sentar-se sobre cinzas – E.g. Jó quando soube das desgraças, das perdas dos filhos e seus bens. Eles queriam comunicar o seguinte: “igual a tristeza de um funeral é a tristeza de saber que nossos pecados estavam causando em Deus”.


Jesus interpreta que os ninivitas serão, um dia, testemunhas contra os que não creram Mateus 12:41 “Ninivitas se levantarão, no Juízo, com esta geração e a condenarão; porque se arrependeram com a pregação de Jonas”.


Os ninivitas clamaram a Deus: “quem sabe se voltará Deus, e se arrependerá, e se apartará do furor da sua ira, de sorte que não pereçamos”. A verdadeira pregação leva o homem a Deus, pois este está perdido, inimigo de Deus.


A pregação que salva continua a mesma dos dias de Jonas: advertir sobre a ira/justiça de Deus e o arrependimento. A pregação não deve ser substituída por gostos modernos – 1 Coríntios 1:18, 21-25. A pregação autêntica traz os verdadeiros frutos – aqueles que são de Deus virão – no livro “alimentando ovelhas ou entretendo bodes” Spurgeon diz: ‘O diabo tem raramente feito alguma coisa mais sagaz do que sugerir à igreja que parte da sua missão consiste em proporcionar entretenimento ao povo, com vistas a ganha-lo... em primeiro lugar nas escrituras é dito que prover divertimento para as pessoas não é função da igreja. Se isso fosse função da igreja, por que Cristo não falou sobre isso?... Deus chamou pastores, missionários, mestres para o ministério. Onde se incluem os que entretêm pessoas?... Se Cristo tivesse introduzido mais elemento festivos e agradáveis à sua missão, ele teria sido mais popular, quando as pessoas se afastavam dEle por causa da natureza perscrutadora e penetrante do seu ensino. Mas eu não O ouço dizendo: ‘corre atrás destas pessoas, Pedro, e diga a elas que teremos um estilo de culto diferente amanhã, algo mais breve e atrativo, com pouca pregação...’ Jesus se compadecia dos pecadores, preocupava-se e chorava por eles, mas nunca procurou diverti-los’.

Misericórdia de Deus - v. 10

Deus viu o arrependimento dos ninivitas e então se arrependeu do mal que disse que faria. Não quer dizer que Deus mudou no seu ser. A bíblia afirma que Deus é imutável. Deus é imutável no seu ser: Nm 23:19 “Deus não é homem para que minta; nem filho do homem para que se arrependa”. Deus é imutável nos seus planos: Jó 23: 13-14; “pois ele cumprirá o que está ordenado a meu respeito e muitas coisas como estas ainda tem consigo” 42:2; “Bem sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos pode ser frustrado”. Pv 19: 21. Deus é imutável nas suas promessas: 2 Tm 2:13 “Se somos infiéis, ele permanece fiel, pois de modo nenhum pode negar-se a si mesmo”. Deus é imutável nos seus atributos: Amor – Jr. 31:3; “de longe se me deixou ver o Senhor, dizendo: com amor eterno eu te amei; por isso, com benignidade te atraí”. Verdade – Sl 119: 89; “Para sempre ó Senhor, está firmada a tua palavra no céu” Lc 21: 33; Misericórdia – Ml 3:6 “Porque eu, o Senhor, não mudo; por isso, vós, ó filhos de Jacó, não sois consumidos”.


A Bíblia afirma que Deus é móvel, i.e. não uma estátua. Deus resolve tomar uma de duas decisões se suas criaturas seguirem determinado caminho. Deus muda quando suas promessas ou ameaças são condicionadas à obediência do homem. “Se” 2 Crônicas 7:14 “Se o meu povo que se chama pelo meu nome, se humilhar, e orar e me buscar, e se converter dos seus maus caminhos, então, eu ouvirei do céus, perdoarei os seus pecados e sararei a sua terra”. Deuteronômio 28: 2, 15 “Se ouvires a voz do Senhor, teu Deus, virão sobre ti e te alcançarão todas estas bênçãos .... Se porém não deres ouvidos à voz do Senhor, teu Deus, .... então virão todas estas maldições sobre ti e te alcançarão...”. Não é uma mudança no ser de Deus, mas uma escolha que Ele dá ao homem, e baseado nessa escolha Ele toma sua decisão. Ele dá oportunidade do homem escolher entre a sua justiça e a sua misericórdia.



Postado por Francimar Lima

terça-feira, 28 de outubro de 2008

ORAÇÃO E MISSÕES: Tornando a Oração um Meio Eficaz de Fazer Missões - Parte 1

E percorria Jesus todas as cidades e povoados, ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino e curando toda sorte de doenças e enfermidades. Vendo ele as multidões, compadeceu-se delas, porque estavam aflitas e exaustas como ovelhas que não têm pastor. E, então, se dirigiu a seus discípulos: A seara, na verdade, é grande, mas os trabalhadores são poucos. Rogai, pois, ao Senhor da seara que mande trabalhadores para a sua seara. Mateus 9.35-38

INTRODUÇÃO

Tem sido dito que os três principais meios de fazer missões, conhecidos praticamente em todos os lugares onde o cristianismo tem se estabelecido, são: “ir”, “dar” e “orar”. A grande maioria dos cristãos diz que não tem o chamado de Deus para estar na linha de frente da batalha, ou seja, para “ir” pessoalmente ao campo missionário. Uma boa parte alega que não é munida de recursos financeiros suficientes para “contribuir” com a obra de missões. E muitos se apegam ao meio, segundo eles, mais acessível de fazer missões, que é a “oração”. Fazendo o caminho contrário pode-se dizer que, muitos decidem “orar”, poucos querem “dar”, e a minoria se dispõe a “ir”.

Mas, infelizmente, mesmo que se diz que muitos decidem orar, esta ainda não é a realidade. Pois, atualmente, a falta de oração como um meio de fazer missões tem sido uma das principais causas do fracasso missionário. Durante a história da igreja, a oração serviu de base para muitos avivamentos. E segundo o ensino de Cristo e dos apóstolos, a oração pode ser um meio eficaz de fazer missões. Através de algumas etapas, observe como, então, tornar a oração um meio eficaz de fazer missões.


ORANDO POR OBREIROS

Em Mateus 9.38 (também em Lucas 10.2) encontra-se a mais conhecida e famosa expressão que relaciona a oração com a obra missionária (Rogai, pois, ao Senhor da seara que mande trabalhadores para a sua seara). É importante considerar alguns detalhes deste texto e de seu contexto para sua melhor compreensão. Chama a atenção de qualquer leitor, o fato de Cristo ter se dirigido a seus discípulos com tanta veemência e preocupação, para que eles rogassem por trabalhadores.

Sua preocupação é demonstrada, primeiramente, por ele falar em tom de ordem. A expressão “rogai” usada no texto, por ser um imperativo, indica uma ordem a ser obedecida, uma ordem dada de Senhor para servo, e de Mestre para discípulo. É demonstrada também, pelo significado e a idéia que a expressão “rogai” carrega, que indica uma súplica, uma petição feita por uma pessoa movida por um senso de profunda necessidade.

Jesus demonstra tamanha preocupação, por causa da compaixão, que Ele estava sentido pelas pessoas que via nas cidades e povoados, por onde passava, “ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino e curando toda sorte de doenças e enfermidades”. A palavra compaixão indica que Jesus ficou tão emocionado com a situação daquelas pessoas, que as suas entranhas se moveram.

O porquê da compaixão de Jesus é fornecido pelo próprio texto. Ele se compadece por ver que aquelas pessoas “estavam aflitas e exaustas como ovelhas que não têm pastor”. Cristo descreve a situação daquelas pessoas, através de uma ilustração tirada do contexto rural. Ele as compara a ovelhas que se dispersam e se perdem do rebanho, e por estarem perdidas e sem a presença do seu pastor, ficam aflitas, e a sua aflição faz com que elas percam o sentido de direção, e fiquem cada vez mais perdidas e distantes do rebanho, e as muitas tentativas de voltar, perdendo-se mais ainda, por causa da aflição, resulta em exaustão, que faz com que elas se lancem ao chão, profundamente desesperadas e sem esperança. Com esta descrição, Cristo mostra que a maior necessidade daquelas pessoas não era cura, integração social, acabar com a fome, e etc., mas, a salvação. Geralmente, Cristo usa a ilustração da relação entre ovelha e pastor ou vice versa, para falar de salvação, e neste caso, da necessidade de salvação.

É importante, neste ponto, voltar à ordem dada por Cristo a seus discípulos. Como foi dito, a palavra “rogai” expressa a idéia de clamar, ou orar com súplicas insistentes em caráter de urgência. A ilustração que Cristo usa ao dar a ordem revela o porquê da urgência. Esta ilustração é diferente, mas, o contexto e o propósito são iguais aos da anterior, que mostra a necessidade das pessoas terem um relacionamento de salvação com Deus. Contudo, esta última ilustração acrescenta a informação de que os obreiros sãos os meios pelos quais estas pessoas podem ter esse relacionamento com Deus. É exatamente neste ponto que estar a urgência que Cristo exige de seus discípulos, ao orar por obreiros. Observe os motivos porque este ponto revela urgência.

Primeiramente, porque a seara é grande. Antes mesmo de ordenar a oração urgente, Cristo declara que a seara é grande, na verdade, a expressão “pois” usada logo em seguida à expressão “Rogai” (Rogai, pois...), indica que a ordem é uma conseqüência da declaração de que a seara é grande, dita anteriormente. Quanto maior a seara, maior é a necessidade, e quanto maior a necessidade, maior a urgência.

Além disso, Jesus mostra que, a quantidade de trabalhadores é incompatível com o tamanho da seara. E, portanto, para que os frutos da seara cheguem urgentemente ao Senhor é necessário uma quantidade maior de trabalhadores. A quantidade de pessoas perdidas neste mundo é muito maior do que a quantidade de obreiros pregando o evangelho. E o único meio pelo qual estas pessoas podem desenvolver um relacionamento de salvação com Deus é por meio do evangelho, pregado pelos obreiros. Deus é quem, na verdade, envia os obreiros à seara, por isso, deve-se rogar em caráter de urgência para que ele mande mais obreiros para a sua seara.

O mundo estar perdido, o mundo precisa de Deus, o mundo só pode ter a Deus através do evangelho, o evangelho só pode chegar ao mundo através da pregação dos obreiros, os obreiros só podem pregar se forem enviados (Rm 10:15), só Deus pode enviá-los, mas todos podem rogar para que Deus os envie. Por esta causa, a oração é um meio eficaz de fazer missões.

Entretanto, há muitos cristãos, que não estão dispostos a “ir”, não desejam “contribuir”, e nem se dedicam a “orar”. E, a causa desta falta de envolvimento com a obra missionária dar-se pelos três seguintes motivos: (1) falta de visão da situação das pessoas, não percebem a perdição e necessidade das pessoas; (2) falta de compaixão pela situação das pessoas, estão endurecidos e preocupados consigo mesmos; e (3) falta de identificação com a situação das pessoas, acham que não é problema seu. Contudo, Jesus leva seus seguidores a contemplarem, a se compadecerem e se importarem com a situação calamitosa em que as pessoas se encontram, e sobre tudo, ordena a rogarem para que Deus providencie o meio para a resolução desta situação.

CONCLUSÃO

Finalmente, quando se roga a Deus por obreiros, os principais meios de fazer missões estão envolvidos, pois, um tem que “orar” para outro “ir”, e Deus move outro a “contribuir” para poder enviar. Muitos avivamentos poderiam ser citados como exemplos da eficácia da oração em missões. Muitos outros obreiros foram enviados por Deus quando oravam para Deus enviar. Portanto, comece orando, e Deus pode fazer com que logo esteja intensamente trabalhando. Faça de sua oração um meio eficaz de fazer missões.
Por J. S. Figueiredo

terça-feira, 21 de outubro de 2008

A Justiça de Deus em Habacuque

O que pensamos sobre Deus quando uma série de injustiças acontece? Por que existe tanta corrupção em nosso país? Por que Deus não intervém nesta situação? Deus não está vendo a impunidade crescendo? Por que Deus não intervém na violência que há no Rio de Janeiro? Onde está Deus? Ele não vê tudo isto?

O profeta Habacuque, há mais de 2600 anos atrás, já tinha na ponta da língua estas perguntas. Onde está Deus para julgar a maldade, injustiças e corrupção? Por que Ele, que é justo, não julga a nação de Judá pelo seu pecado?
Texto: Hc.1:1-4 O oráculo que o profeta Habacuque viu. Até quando Senhor, clamarei eu, e tu não escutarás? ou gritarei a ti: Violência! e não salvarás? Por que razão me fazes ver a iniqüidade, e a opressão? Pois a destruição e a violência estão diante de mim; há também contendas, e o litígio é suscitado. Por esta causa a lei se afrouxa, e a justiça nunca se manifesta; porque o ímpio cerca o justo, de sorte que a justiça é pervertida.”

Habacuque, primeiro queixa-se da demora de Deus em ouvi-lo. (vs.2- “Até quando...?”) Nesta queixa, ele mostra que a violência é notória. Por que Deus não intervém em socorro ao seu profeta quando este clamar em meio a tanta violência?
Sua queixa é: por que Deus não o poupa de tanta opressão, destruição, contendas e litígio, agindo justamente contra os responsáveis por estes males? (vs.3 )

O profeta se queixa também do aumento da pecaminosidade por causa do enfraquecimento da lei, tendo em vista a justiça não prevalecer em seus dias. “A justiça nunca se manifesta”. Se a justiça não vence, os homens continuarão a cometer injustiças, pois nada poderá detê-los. Podemos entender isto quando vemos alguém realmente culpado por um delito sendo inocentado pelo que deveria ser justiça. Quanta decepção sentimos quando vemos políticos verdadeiramente corruptos não serem condenados pelos seus atos. Quando os demais políticos virem que a justiça não lhes alcança, a corrupção se torna ainda pior, e o país num caos total.
Será que Deus não julga as injustiças? Como pode um Deus justo permitir a injustiça?

I - Habacuque lamenta que seu Deus justo não castiga o pecado em Judá.

Será que Deus não castiga mesmo todo pecado? Deixaria Deus o seu profeta duvidando de Sua justiça?

II - Deus responde à queixa do profeta, afirmando que punirá, através dos babilônios, os pecados de seu povo (1:5-6). (Deus fará justiça a Judá através dos babilônios )

Esta obra divina parecerá impossível para muitos- “...vós não crereis, quando vos for contada”
Deus, como Soberano, levanta e abate as nações (vs.6). Todas estão sob o seu governo. Os caldeus serão a vara da disciplina de Deus ao Seu povo.

Habacuque reconhece a soberania divina (1:12 ), mas não entende outra coisa:

III- Como um Deus justo usa a Babilônia ímpia e ateísta, para punir uma nação mais justa, como Judá? (vs. 13). “...por que, pois, toleras os que procedem perfidamente e te calas quando o perverso devora aquele que é mais justo do que ele?”

Diferente de sua impaciência na primeira pergunta, Habacuque agora espera diligentemente, como um vigia, pela resposta divina ( 2:1).

Deus responde ao profeta, dizendo que (IV) os Babilônios também serão punidos pelos seus pecados 2:2-5. Esta era uma promessa divina, na qual deveriam confiar todos aqueles que a lessem (vs.2-4). “...mas o justo viverá pela sua fé.” (vs.4b)

Cinco “ais”, ou juízos, são pronunciados contra a Babilônia (6-19).

- Ela é condenada por acumular riquezas que não são suas (7, 9).
- Também é condenada pela libertinagem, ou seja, o modo imoral de usufruir da liberdade (15)
- Por último, os caldeus são condenados pela sua idolatria (18-19).
- A mensagem de Habacuque servia de alerta para seus ouvintes em Judá, pois muitos estavam vivendo infielmente, em arrogância e soberba e todo tipo de pecado. Lembre-se que esta foi sua primeira queixa.

- Depois de ouvir a resposta de Deus, o profeta que outrora estava angustiado de ver tantos pecados em sua nação, agora está alarmado em saber que o seu Deus há de intervir naquilo tudo, de uma forma que estava, em primeira instância, distante de sua compreensão. Habacuque ora ao SENHOR, pedindo-lhe mais uma vez que, como na peregrinação dos filhos de Israel pelo deserto, mostre os Seus maravilhosos feitos contra seus inimigos. O profeta vai aguardar em silêncio pelo dia de juízo que virá contra os babilônios (3:16).

- Nesta oração, Habacuque demonstra a sua fé e alegria no SENHOR, quando declara que ainda que as circunstâncias sejam desfavoráveis, ele continuará exultando no Deus de sua salvação.

O que este pequeno livro pode nos ensinar? Grandes lições!

° O diário de Habacuque nos ensina que Deus está atuante na sua criação. Ele não está de olhos fechados para as injustiças que ocorrem. Como um Deus justo, Ele preparou, da sua forma, um meio para punir todos quantos vivem em pecado. Com isto, não há necessidade de desespero quando vemos injustiças, nem muito menos de descrença na atuação divina.

° A segunda lição que este livro nos dá é que devemos ter cuidado com a forma como andamos. Nem os pecados de Judá e nem os da Babilônia passaram despercebidos diante de Deus. Ambos foram punidos. Quando pecamos, devemos buscar o arrependimento e andar em fidelidade com Deus.

° Por fim, aprendemos com Habacuque que, apesar das circunstâncias desfavoráveis, o justo- o que vive pela fé- pode alegrar-se no Deus de sua Salvação (3:18). Da próxima vez que se encontrar em dificuldades, lembre-se desta verdade.

Conclusão: Quem poderia imaginar que um livro de nome tão estranho, Habacuque, pudesse responder a uma pergunta tão conhecida? Deus pune todos quantos vivem na prática do pecado, independentemente do tempo e da forma empregada. Duvida disto? Então, continue vivendo na prática do pecado, e mais cedo ou mais tarde, de uma forma ou de outra, experimentarás a justiça divina.


Postado por José Roberto

terça-feira, 14 de outubro de 2008

O DESAFIO DA PREGAÇÃO NA PÓS-MODERNIDADE (parte 2)

Cedendo lugar ao Experimentalismo

O pressuposto filosófico do catolicismo é que a igreja detém a verdade. Graças a Deus, a Reforma tirou este pressuposto e o colocou na Bíblia, ou seja, a Bíblia detém a verdade, interpretada pelo crente regenerado pelo Espírito Santo. Sendo desta forma, Roma deixou de ter a palavra final em matéria de interpretação. Só que esta postura tem sido mudada pelo experimentalismo, que tem pulverizado a interpretação, colocando a palavra final não mais na Bíblia, mas no crente, isto é, o crente detém a verdade. A qual, não mais vem da Bíblia, e sim, através de sonhos e interpretações na base de “o Senhor me revelou”. Há aqueles que não se importam para o que a Bíblia diz, pois, segundo as mesmas, elas conversam pessoalmente com Jesus. Em seus cultos não há mais espaço para a pregação da palavra, pois cada um tem um “Testemunho” ou uma “revelação” que recebera a noite anterior, e assim se dá mais importância e valor às experiências do que na Palavra de Deus propriamente dita. A diversidade de interpretações, até mesmo aquelas aberrações, partem da seguinte frase: “O Espírito me falou” ou “Deus me revelou”, essas são expressões comuns para que os ouvintes não tenham dúvidas nenhuma de que tal “irmão”, de fato, teve uma revelação. Os que defendem este tipo de comportamento, dizem que Deus ainda se revela a nós da mesma forma como Ele fazia no Novo e Velho Testamento, ou seja, através de sonhos, visões, revelações e até por manifestações miraculosas do Espírito Santo.

Nada nas Escrituras indica que as coisas que aconteceram na era dos profetas e apóstolos deveriam ocorrer em eras subseqüentes. Nem a Bíblia exorta o crente a buscar manifestações miraculosas do Espírito Santo. Em todas as epístolas neotestamentares, há apenas cinco ordens relacionadas aos crentes e ao Espírito Santo, as quais são:

1. “ não apagueis o Espírito” (I Tes. 5:19)
2. “Andai no Espírito” (Gl. 5:25)
3. “Orai no Espírito” (Judas 20)
4. “Enchei-vos do Espírito” (Ef:5:18)
5. “Não entristeçais o Espírito” (Ef. 4:30)

Como se pode ver, não há no Novo Testamento nenhuma ordem para buscar visões, revelações ou milagres miraculosos do Espírito Santo. Não estou dizendo que o Espírito Santo não realiza nenhum feito miraculoso, Ele o faz, e o maior deles é convencer o mundo do pecado, da justiça e do juízo, e fazendo isto, muitas almas têm sido miraculosamente salvas da perdição eterna. É claro que há pessoas que foram e ainda são curadas pelo poder de Deus, mas o que se ver nestes lugares são coisas que vão contrárias a palavra de Deus, e a pregação de Sua palavra está cada vez mais sendo esquecida nos púlpitos das igrejas.

Bem falou Lutero quando escreveu, a quase quinhentos anos atrás: “Quão horrível é ser um pastor e pregador e não pregar a palavra que é o maior e único dever e obrigação. Quão sério será para eles prestar contas por muitas almas que devem perecer pela falta de pregação na igreja”.

Temos que ter muito cuidado para que não caiamos neste perigo: o de dá margem para essas coisas em nossas igrejas em detrimento da Palavra.
Postado por Elias Lima

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

DISCURSO SOBRE A AMIZADE I: DO PRINCÍPIO DA CONSTÂNCIA[1]


“Em todo tempo ama o amigo e na angústia se faz o irmão”[2], afirma o sábio em um dos seus provérbios, ressaltando a importância do princípio da constância para a amizade. A passagem não é uma ordenança para que alguém ame seu amigo, mas uma constatação de que o amigo ama em todo tempo. Em outras palavras, o texto deixa claro que é a constância que caracteriza a verdadeira amizade. Os que são verdadeiramente amigos se comprazem com a perpetuação desse laço que os une. A amizade possui dentro de si o impulso para a durabilidade. Sendo assim, o tempo não representa um problema para ela. Pelo contrário, ele serve para fortalecer e trazer maturidade ao relacionamento. C. S. Lewis tem razão ao afirmar que a amizade é o mais humano dos amores. Entretanto, ele deixou de notar o seu caráter paradoxal. Ao mesmo tempo em que conserva uma vívida dimensão humana, ela também é dotada de um caráter divino. Estranhamente, ela pode ser definida como mais humano e o mais divino dos amores. Por conta desse segundo distintivo, de todos, ela é o que possui maior propensão para a durabilidade. Em outras palavras, a amizade é a forma de amor que mais se relaciona com o princípio da constância. A Afeição, dado o seu caráter simples, é tendencioso a desaparecer diante de amores mais complexos, o Eros está ligado ao apetite sexual, de natureza bastante instável. Além disso, ele não terá lugar na nova criação, fato que pode ser notado em relação à Caridade. Para que a caridade exista é necessário que existam pessoas carentes, algo inconcebível em um mundo renovado e habitado por seres perfeitos.

A relação entre a constância e amizade justifica-se pela própria origem dessa última. Ela é o mais primordial de todos os amores. De fato, não seria exagero afirmar que era um misto de amizade e comunhão que marcava o relacionamento entre as pessoas da Trindade na eternidade. Antes de Deus criar o mundo, essa era a única forma de amor que existia. O amor entre as pessoas da Trindade não poderia ser a Afeição porque essa forma de amor é comumente dispensada a um objeto inferior. Além disso, quem o dispensa, dispensa-o em uma medida inferior aquela que dedica a si mesmo, algo inconcebível para Deus. Também não poderia ser o Eros, uma vez que seria absurdo que Deus fosse dotado de apetite sexual. Além disso, excetuando a encarnação de Cristo, as pessoas da Trindade não possuem corpos materiais. Por fim, esse amor não poderia ser a Caridade, já que este exige um objeto carente, e seria igualmente absurdo que um Deus onipotente tivesse carência de qualquer coisa. Assim, nutrir uma amizade sincera por alguém significa nutrir o mais primordial de todos os amores, o amor que esteve em Deus desde a eternidade, significa se afetado pela única forma de amor que possui uma centelha do infinito dentro de si. Isto não significa que a amizade entre os homens não esteja sujeita aos maiores revezes e conflitos. Deve sempre ser lembrado que é só em um ser infinito que a constância se transforma em imutabilidade. Além disso, são homens imperfeitos vivendo em um mundo marcado pelo pecado que vivenciam esse tipo de amor. Nesse ponto, o conselho deixado por C. S. Lewis é salutar. Nas suas palavras, “a amizade é até mesmo angélica, por assim dizer. Mas o homem precisa estar triplamente protegido pela humildade para comer o pão dos anjos sem risco”[3]. É justamente por ser uma das formas mais elevadas de amor que a amizade possui exigências mais rigorosas. Exigências que só podem ser cumpridas em sua plenitude em um mundo de seres perfeitos. O que não significa que a amizade não deva ser buscada a cada instante neste mundo imperfeito.

O princípio da constância apresentado no provérbio de Salomão nos mostra que a verdadeira amizade resiste ao tempo. Mas também é claro no texto que ela resiste à adversidade. A expressão “na angústia se faz o irmão” parece confirmar esse fato. Novamente, a adversidade não destrói as verdadeiras amizades. Na verdade, o texto deixa explícito que ela serve para fortalecer e intensificar o laço entre amigos. O amigo que participa dos momentos de angústia de outrem se torna mais e mais familiar. É na adversidade que as amizades têm a sua veracidade comprovada. Esse é um ensinamento social antiqüíssimo. “É a tempestade que comprova a resistência dos barcos”, diziam os antigos gregos para se referir à amizade. Um outro adágio de natureza incerta, repetido por Cícero em seu Diálogo, afirmava que “não é possível dizer que duas pessoas são amigas, sem que antes elas tenham comido muitos alqueires de sal”[4].

A importância que os escritores antigos deram à constância na amizade pode ser vista nas inúmeras críticas tecidas aos falsos amigos. Teognis, por exemplo, afirmou que poucos são os amigos que estão dispostos a enfrentar situação de perigo por seu companheiro, e que tenham animo para tomar parte tanto dos seus bens quanto dos seus males[5]. Demócrito acrescenta que, “na fortuna, é fácil encontrar um amigo, mas no infortúnio é a coisa mais difícil”[6]. Epiteto emprega a metáfora de dois cães para criticar a falta de constância nas amizades. Segundo ele, dois cães parecem os melhores amigos do mundo, até que um osso é lançado no meio deles. Assim, é a amizade entre muitas pessoas. Demonstram ser amigas, mas quando surge qualquer motivo de disputa entre elas, transformam-se nos maiores inimigos. “Um pouco de ouro serve para mostrar como é frágil a amizade de alguns”[7], afirma Cícero em seu Diálogo. No livro de Provérbios, a crítica em relação às amizades inconstantes também está presente. Segundo as palavras do sábio, “as riquezas multiplicam os amigos, mas, ao pobre, o seu próprio amigo o deixa”[8]. Embora as críticas sejam diversas, o seu objetivo é apenas um: mostrar a importância do princípio da constância no relacionamento entre amigos.

O sofrimento de um dos amigos torna amizade mais sensível. Não há dúvida que os momentos de alegria servem para estabelecer vínculos de amizade, mas é nos momentos turbulentos que esses laços são postos à prova e fortalecidos. A dor aproxima os amigos. A razão disso é bastante simples. Como a amizade caracteriza-se por uma identificação, os amigos vêem no sofrimento de outrem o seu próprio sofrimento. Como Cícero costumava afirmar, “o verdadeiro amigo vê o outro como uma imagem de si mesmo”[9]. Quando a amizade é sincera, a dor de um amigo sempre afeta seu companheiro. É por esta razão que os verdadeiros amigos, diante da adversidade e do sofrimento, sempre demonstram prontidão para aliviar a dor do seu companheiro. Eles sabem que aliviar a dor do outro, de alguma forma, significa aliviar a sua própria. Mas esse princípio possui uma outra implicação, uma implicação bastante confrontadora. Não é amigo aquele que não sente as fibras nervosas perturbadas, a voz tremular, o peito apertado e a angústia invadindo seu ser diante da adversidade do seu companheiro. Os amigos se encontram um no outro, principalmente no momento da angústia. Certamente, esse princípio tirará o sono de muitos cristãos sinceros. É possível que muitos tenham que reduzir pela metade a sua lista de amigos. Descobrirão com certa frustração que muitos daqueles que eles consideravam amigos íntimos não passam de meros conhecidos, para empregar o sentido coloquial do termo. Assim, o sofrimento funciona como uma espécie de prova para a amizade. Deixar o amigo sozinho na dor é um sinal claro de reprovação. Mas é possível estar com o amigo e não estar com sua dor, é possível estar em sua angústia, mas não estar com sua angústia. Esta é uma reprovação não menos criticável que a anterior. Tanto a fuga quanto a simulação atentam contra a constância da amizade, e, por conseguinte, desvirtuam a essência do mais primordial dos amores.

Certamente, alguns poderão dizer que a incapacidade de fazer amigos representa o maior perigo para a amizade. O próprio Demócrito já afirmava que “não merece viver quem não tem um só amigo”[10]. Contudo, essa opinião admite objeção. É possível afirmar que esse não representa o maior perigo para a amizade. De fato, a incapacidade para fazer amigos nem representa um problema para a amizade, uma vez que esta ainda não existe. Para ser mais preciso, ela representa um problema muito mais para a natureza social do homem do que para a amizade em si. Sendo assim, o maior perigo para a amizade não é a incapacidade para fazer amigos, mas a incapacidade de conservá-los. Certamente, o indivíduo que procura isolar-se do convívio social comete uma atitude digna de censura. Todavia, aquele que não é capaz de manter nenhum amigo, comete um ato não menos desprezível. No fundo, é menos censurável não querer usufruir da amizade do que desfrutá-la sem querer levar em consideração os princípios que a regem. Na república da amizade, o bárbaro afastado é menos danoso do que o cidadão rebelde. Para citar novamente Demócrito, “aquele a quem os amigos a toda sorte não perduram, tem temperamento difícil”[11].

Há pessoas que encontram as justificativas mais banais para finalizar uma amizade. Algumas por que descobriram que o amigo traja roupas diferentes, outras porque perceberam que ele não gosta do seu programa favorito. Levados por essas trivialidades, tais pessoas não conseguem manter um relacionamento por mais de uma semana. Alegam problema de temperamento ou dizem que foram vítimas de intrigas. O fato é que elas desconhecem a natureza da verdadeira amizade. Já foi falado que a amizade possui um caráter paradoxal. Ela é, ao mesmo tempo, o mais humano e o mais divino dos amores. Contudo, ela comporta uma outra ambigüidade. Ela é igualmente marcada pela semelhança e pela diferença. Ela comporta a semelhança porque não é possível existir amizade sem uma identificação entre os amigos. Não obstante, em virtude da natureza individual de cada amigo, ela admite igualmente a diferença. A amizade é, portanto, uma relação de identificação que admite a contrariedade. De fato, na amizade verdadeira, até mesmo a contrariedade gera a harmonia. Os que deixam de considerar esse princípio fundamental são aqueles que não estão preocupados em conservar seus amigos e usam estranhos argumentos para justificar sua falta.


Notas:

1. Esse artigo é uma adaptação de uma monografia intitulada Considerações sobre a amizade em Provérbios. Foram selecionados os pontos essenciais desse trabalho, que serão publicados em quatro postagens no blog ARETE5.

2. Pv. 17:17.

3. LEWIS, C. S. Os quatro amores. São Paulo: Martins Fontes, 2005. 123.

4. CÍCERO. Diálogo sobre a amizade. (Versão para ebook). Disponível em <http://www.ebooksbrasil.com/> (Acessado em 15 de novembro de 2007).

5. TEOGNIS. In: Líricos griegos: elegíacos y yambógrafos. Vol. II. Barcelona: Ediciones Alma Máster S. A., 1956. p. 173.

6. DEMÓCRITO. Pré-socráticos I. In: Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973. p. 136.

7. CÍCERO. op. cit. p. 44.

8. Pv. 19:4.

9. CÍCERO. op. cit. p. 21.

10. DEMÓCRITO. op. cit. p. 334.

11. DEMÓCRITO. loc. cit.


Postado por J. Marques

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

O DESAFIO DA PREGAÇÃO NA PÓS-MODERNIDADE (Parte 1)

Cedendo lugar ao Pragmatismo

O movimento pragmatista propriamente dito teve origem nos Estados Unidos, no final do século XIX, em torno de quatro figuras fundamentais: Charles Sanders Peirce, William James, Ferdinand Canning Scott Schiller e John Dewey. A orientação pragmatista, contudo, está presente em outras correntes filosóficas. Aparece como tendência no pensamento de Friedrich Nietzsche – em sua teoria sobre a "utilidade e o prejuízo da história para a vida" e na concepção da verdade como "equivalente ao que é útil para a espécie e para sua conservação" – e nos movimentos anti-intelectualistas de Henri Bergson, Maurice Édouard Blondel e Oswald Spengler, já no século XX. A rigor, o pragmatismo americano começou a tomar forma nas reuniões do Clube Metafísico de Boston, que existiu entre 1872 e 1874 e ao qual pertenciam, entre outros, Peirce, James, F. E. Abbot e Chauncey Wright. No entanto, foi só em 1907, com a publicação de uma coleção de preleções intitulada Pragmatismo: Uma Nova Nomenclatura para algumas Velhas formas de Pensar, escritas por William James, que o nome foi dado e moldado à nova filosofia.

A teoria pragmática da verdade sustenta que o critério de verdade está nos efeitos e conseqüências de uma idéia, em sua eficácia, em seu êxito, no que depende, portanto, da concretização dos resultados que se espera obter. Verdadeiro e falso são, portanto, sinônimos de bom e mau, valores lógicos que têm caráter prático e só na prática encontram significado. Aqui temos uma clara rejeição aos absolutos – certo e errado, bem e mal, verdade e erro. O pragmatismo define a verdade como aquilo que é útil, significativo e benéfico. As idéias que não parecem úteis ou relevantes são rejeitadas como sendo falsas, como bem escreveu MacArthur, em seu livro Com Vergonha do Evangelho.

Pois bem, este tipo de filosofia tem adentrado na assim chamada “igreja contemporânea”, onde parece que tudo estar na moda, exceto a pregação bíblica. Rubem Amorese descreve isto muito bem, quando escreveu que o pastor, diante deste quadro e se ele quer seguir o pragmatismo, então precisa estar constantemente atualizado sobre as novas tendências litúrgicas, para poder oferecer aos seus membros o que há de mais moderno e atraente. Em outras palavras, ele precisa manter-se “na crista da onda”, ou seja, se a “onda” é tremer, vamos tremer; se é dente de ouro, vamos possuí-lo; se é palestras sobre marketing; vamos ter várias palestras em busca de técnicas que ajudem no crescimento da igreja; se os jovens gostam de música bem ritmada e pouco compromisso, o caminho então, como um pastor já tem dito: “é o pastor botar um boné na cabeça e transformar o culto num sambão evangélico ou num show de auditório. Hoje, muitos “crentes” (Deus o sabe) querem algo sensacionalista, que possa lhes promover entretenimento, que lhes massageie o ego. È por isso que não poucos pregadores, temem em pregar a palavra tal como ela é, pois temem ofender as pessoas. Então os mesmos estão pregando (quando pregam) uma mensagem sem sabor, e sem o poder e autoridade que vem do alto.

Os membros, deste tipo de igreja, querem pregadores que lhes prometam sucesso e prosperidade. Eles são dirigidos por seus desejos sensuais. Eles querem pular pra cima e pra baixo, correr ao redor e se sentir bem... ou sentir bem acerca de si mesmos. Os ouvintes convidam e entalham os seus próprios pregadores. Se o povo deseja adorar um bezerro, um ministro fazedor de bezerros é facilmente encontrado.

A razão específica porque muitas igrejas contemporâneas abraçam a metodologia pragmática é por que lhes falta qualquer noção da soberania de Deus na salvação dos eleitos. Elas já perderam a confiança no poder de Deus em usar a pregação do evangelho a fim de alcançar incrédulos endurecidos de coração. É por isso que abordam o evangelismo como uma questão de marketing e moldam a sua metodologia de acordo com este.

Postado por Elias Lima

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

O REI, O PASTOR E A SULAMITA: ANOTAÇÕES SOBRE O CÂNTICO DA FIDELIDADE

INTRODUÇÃO

Muitas interpretações sobre Cantares já foram realizadas ao longo da história. Os partidários do método alegórico vêem na suposta história de amor entre Salomão e a Sulamita um simbolismo sobre o amor entre Cristo e sua Igreja. O pressuposto que guia essa interpretação é simples: em virtude do seu caráter espiritual, a Bíblia não poderia exaltar a dimensão sensual do amor. Sendo assim, o aparente conteúdo marcado pelo erotismo só poderia ser visto como uma espécie de analogia de uma forma mais elevada de amor. Na verdade, foi esse pressuposto que fez com que o livro de Cantares fosse um dos últimos a ser inserido no cânon do Antigo Testamento. A princípio, ele foi considerado sensual demais para integrar as Santas Escrituras. Esse tipo de interpretação foi predominante no cristianismo medieval, principalmente, por conta da influência dos ideais monásticos. Uma interpretação mais literal afirma que o livro narra de forma poética o relacionamento amoroso entre o rei Salomão e uma jovem identificada como Sulamita. Para o autor desse artigo, a primeira interpretação é absurda e a segunda é incompatível com as informações encontradas no próprio livro. Em outras palavras, a verdadeira história por trás do poema salomônico não se encaixa em nenhuma dessas análises. Para ser franco, por fazer parte do gênero poético, é possível que Cantares não seja baseado em nenhuma história verídica, mas seja apenas fruto da imaginação do poeta que o escreveu. Não obstante, se há uma história por trás do Cântico dos cânticos, ela precisa ser completamente distinta das sugestões apontadas acima. Assim, é necessário que empreendamos uma redescoberta da história que envolve esse clássico poema de amor. Como ponto de partida é preciso que consideremos que existem três personagens na história e não apenas dois como comumente é aceito.

1. A SULAMITA

Uma das questões mais intrigantes no livro diz respeito à identidade de sua protagonista. Ela é designada apenas como Sulamita. Provavelmente, o termo é um adjetivo pátrio, usado para identificar o povo dessa jovem. Assim, ela era chamada Sulamita por ser originária de Sulém. O problema é que em todo o antigo Testamento não há uma única referência a esse povo. Tal fato tem levado alguns estudiosos a sugerir que Sulen seria uma variação de Suném.
Mesmo sendo de origem incerta, o livro apresenta várias informações sobre essa jovem. Que a Sulamita pertencia à nobreza, fica claro pela expressão “filha de príncipe”, a ela dirigida (7:1). Seu colar de pérolas, as substâncias aromáticas com as quais se perfuma e seus trajes requintados também atestam a sua realeza (4:9, 10; 5:3). Além disso, a desejada de Salomão se imagina desfilando em um carruagem diante do seu povo, em uma espécie de cortejo real (6:12), algo inconcebível, não fosse a sua origem nobre. O texto também deixa claro que a Sulamita foi vítima de intrigas criadas por seus irmãos, sendo obrigada por eles a cuidar de vinhas ((1:6). Embora o texto não apresente claramente o que motivou essas intrigas, duas possibilidades podem ser admitidas. Em primeiro lugar, elas podem estar ligadas à sucessão real. O fato da referência ao pai ser omitida ser é uma indicação de que já havia morrido. Se a Sulamita fosse a primogênita, ela poderia casar-se e o trono passaria a seu esposo, o que não seria interessante para os irmãos. Em segundo lugar, pode ser que os irmãos tenham isolado a Sulamita do convício real como uma espécie de punição por algum ato praticado por ela. Talvez em função de um relacionamento com uma pessoa de posição social inferior. Seja como for, o fato é que os irmãos vêem a presença da Sulamita como uma ameaça e querem mantê-la isolada. Só assim poderíamos conceber a idéia de uma princesa trabalhando de sol a sol no árduo trabalho dos vinhedos. Contudo, o texto nos mostra que a Sulamita é retirada desse desgastante trabalho e levada a corte de Salomão (1:4). Provavelmente, para compor o farto harém do monarca israelita. De fato, ela permanecerá nesse lugar durante a maior parte da narrativa. Entretanto, no final do relato nossa protagonista se ausenta do palácio por motivo não esclarecido (6:13), não havendo nenhum indício do seu retorno.

2. SALOMÃO
Claramente, Salomão é um dos protagonistas do poema. A maioria das interpretações considera o rei de Israel como sendo o amado da Sulamita. Não obstante, várias evidências podem ser apresentadas para refutar essa posição. Em primeiro lugar, a narrativa parece indicar que a Sulamita se dirige a duas pessoas bem distintas. Ao rei (1:4, 12) e ao seu amado (1:7, 16; 2:8; 3:1; 5:6, 8). No primeiro caso, o tratamento é apenas respeitoso em virtude da posição de autoridade do monarca, no segundo caso, o termo é sempre acompanhado pela intimidade e paixão que movem os amantes.
Em segundo lugar, a Sulamita deixa claro que o seu amado está lhe seguindo às escondidas. Ele contempla a sua amada por trás das paredes de seu aposento e lhe espreita pelas grades (2:9). Claramente, o amado teme ser surpreendido por alguém. Esse temor é tão evidente que em um dos encontros, o amado foge de forma inesperada (5:5, 6). Provavelmente, por medo da guarda que exercia uma vigilância rigorosa sobre o harém real. Se essa pessoa fosse Salomão, não haveria justificativa para tal temor. Na qualidade de rei e esposo da Sulamita, ele poderia se dirigir aos seus aposentos com toda a confiança, sem a necessidade desses encontros furtivos.
Em terceiro lugar, a Sulamita afirma que tem saudade do seu amado (7:8). Isso nos leva a concluir que os amantes estão separados, ou, pelo menos, não podem se encontrar sempre que desejam. Novamente, esse fato não pode ser aplicado a Salomão. Em geral, os haréns reais ficavam bem próximos ao palácio. Sendo assim, o rei de Israel poderia ver a sua amada diariamente e não havia razão para nutrir por ela saudade, esse sentimento que brota unicamente a partir da ausência e do desencontro.
Uma outra evidência pode ser vista no receio da Sulamita em tornar público o seu relacionamento. Ela sabe que poderá ser alvo do repúdio público em virtude da condição inferior de seu amado (8:1). A jovem deseja que seu amado seja semelhante aos seus irmãos, uma outra forma de dizer que gostaria que ele pertencesse à mesma classe social à qual pertencia. Portanto, o relato parece indicar que o amado é de uma posição social inferior, o que não poderia ser aplicado a Salomão.
Em quinto lugar, em uma de suas fugas noturnas para se encontrar com o seu amado, a Sulamita é surpreendida e espancada pelos guardas do murro (5:5-7). Parece absurdo que os guardas ousem espancar uma das esposas do rei, principalmente, se considerarmos que ela está em busca dele. A não ser que o próprio Salomão, sabendo dos encontros entre a Sulamita e seu amado, tivesse ordenado esse tratamento agressivo.
Aqueles que não concordam com essa linha de interpretação, em geral, fazem o seguinte questionamento: como Salomão poderia ter escrito uma história onde ele mesmo é o vilão? Em primeiro lugar, se considerarmos a inspiração divina do livro, somos levados a crer que o escritor humano foi verdadeiro e imparcial ao registrar cada fato, ainda que esses fatos sejam contra a sua pessoa. A Bíblia não é um tipo de biografia encomenda que exalta somente as virtudes dos seus protagonistas. Em segundo lugar, a hipótese do livro ter sido escrito por uma outra pessoa é completamente aceitável. Isso porque o título “Cântico dos cânticos de Salomão” pode indicar que o rei de Israel foi o autor da obra, mas pode também significar que ele foi apenas o personagem central de uma obra escrita por outro autor.

3. O PASTOR
Mais enigmático do que a identidade da Sulamita é a identidade do seu amado. A não ser que o interpretemos como sendo Salomão. Essa posição, contudo, já foi descartada no tópico anterior. O relato apresenta poucas informações sobre esse personagem, nem mesmo o seu nome ou origem são mencionados. Entretanto, os poucos dados que podem ser encontrados no poema são bastante esclarecedores. O amado da Sulamita é um pastor de ovelhas, alguém de uma condição social bastante humilde (1:7; 2:16; 6:2, 3). Esse fato justificaria a não aprovação desse relacionamento amoroso vivenciado por eles. Provavelmente, o amado não morava tão distante do palácio, fato que pode ser deduzido de suas visitas contínuas à sua amada (2:9; 3:4; 5:2). Em trechos da narrativa a coragem do pastor fica evidente. Ele é capaz de enfrentar os maiores perigos para encontrar-se com a Sulamita e sufocar a sua saudade. O pastor consegue ultrapassar até mesmo a forte segurança do palácio. Em um desses encontros a sua ousadia beira o extremo. Ignorando o perigo, ele vai ao quarto de sua princesa no harém real (5:4, 5). No final, a sua coragem será recompensada pela fidelidade de sua amada (8:10).

CONCLUSÃO

A linha de interpretação exposta neste artigo exige que seja dada uma outra temática ao Cântico dos cânticos. É necessário, portanto, que a fidelidade, e não o amor, seja colocada como centro desse livro. Obviamente o amor está presente neste poema. Não obstante, ele funciona apenas como um palco onde a fidelidade conjugal é exaltada. Levando em consideração as circunstâncias, o autor desse artigo ousa afirmar que em Cantares está uma das mais belas histórias sobre a fidelidade em todos os tempos. A Sulamita “foi um muro”. Que honra prestaríamos ao autor do Cântico se compreendêssemos o sentido dessa metáfora.
Postado por J. Marques