quinta-feira, 19 de junho de 2008

O CONCEITO DE TEMPO EM ECLESIASTES 3

Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo do sol: Há tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou; tempo de matar e tempo de curar; tempo de derribar e tempo de edificar; tempo de chorar e tempo de rir; tempo de prantear a tempo de saltar de alegria; tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar e tempo de afastar-se de abraçar; tempo de buscar e tempo de perder; tempo de guardar e tempo de deitar fora; tempo de rasgar e tempo de coser; tempo de estar calado e tempo de falar; tempo de amar e tempo de aborrecer; tempo de guerra e tempo de paz (Eclesiastes 3:1-8).


INTRODUÇÃO

Desde que passamos a existir neste mundo vivemos no tempo, mesmo assim, o tempo é uma questão que pouco nos preocupa. Na verdade, a nossa preocupação está direcionada unicamente para os eventos que acontecem nesse tempo. De forma quase paradoxal, a fixação nos eventos não permite que tenhamos tempo para pensar o tempo. Não há dúvida que os eventos acontecem no tempo, mas, às vezes, é preciso deixá-los um pouco de lado para refletir acerca desse importante conceito. Fala-se que o homem é um ser temporal, mas há poucas questões que tão estranhas ao homem como a natureza do tempo. Na verdade, há um paradoxo no que diz respeito ao relacionamento entre o homem e o tempo. O tempo é ao mesmo tempo conhecido e desconhecido para o homem. Estranhamente, ele consegue conciliar dentro de si a vocação para o mistério e a potência do desvelamento. Fala-se que o tempo é passado, presente e futuro, mas não se compreende a natureza da duração, falamos do começo e final do tempo, mas desconhecemos a natureza destes limites, usamos a expressão tempo de Deus sem compreender a relação entre tempo e eternidade. O tempo foi uma preocupação do pregador em seus questionamentos existenciais. Por isso, o sábio procurou entender a sua natureza e o seu sentido na existência humana. Sendo assim, o objetivo desse breve artigo será a discussão do conceito de tempo apresentado pelo pregador no capítulo três de Eclesiastes.

1. CONCEITOS BÁSICOS

1.1. Termos empregados no Antigo Testamento

O Antigo Testamento emprega várias palavras para falara de tempo. O termo zeman é empregado para falar das estações, do movimento sucessivo da natureza, de períodos de tempo previamente determinados, etc. Uma das variações desse termo, zaman, é traduzido como fixo ou determinado. Este é o termo encontrado em Eclesiastes 3. Ri’shá, que aparece apenas em Ex. 36:11, é empregado para falar do tempo em um sentido remoto. Sha’á é o termo empregado para falar de um curto espaço de tempo.

1.2. Definições
Uma das questões que mais tem preocupados os estudiosos é exatamente entender a natureza do tempo. Ao longo da história, os filósofos procuraram compreender e definir o tempo. Platão, filósofo grego do século V a.C. definia o tempo como a imagem móvel da eternidade. Já Aristóteles dizia que o presente é aquilo que separa duas coisas inexistentes: o passado que já deixou de ser e o futuro que ainda não é. Agostinho, um dos maiores pensadores cristãos de todos os tempos como a duração de uma natureza infinita que não pode ser toda simultaneamente Por isso, ele tem a necessidade de fases sucessivas para realizar-se completamente.

2. O CONCEITO DE TEMPO DO PREGADOR

2.1. O tempo enquanto movimento determinado

O mundo é dirigido por leis previamente estabelecidas e a sucessão do tempo obedece a estas leis. Cada evento que acontece no tempo foi determinado a acontecer naquele momento e não em outro. O pregador deixa claro que há alguém exterior ao tempo que o controla e o conduz. Esse alguém só pode ser Deus, visto que, em virtude da sua natureza atemporal, ele é o único que pode controlar o tempo sem ser afetado por ele. O único que não pode ser surpreendido por qualquer evento que aconteça no tempo. Para Deus, todas coisas já existem. Para os seres finitos o real e o potencial são duas modalidades distintas e quase irreconciliáveis de existência, para Deus, entretanto, essa tensão é desfeita. Tudo é real diante Dele.
No versículo 11 do capítulo 3, o pregador parece confirma a determinação do tempo ao afirmar que “tudo fez Deus formoso no seu tempo”. Sendo assim, tudo que acontece em escala temporal, mesmo aquelas coisas aparentemente contraditórias como o sofrimento, a guerra e a morte, não escapam ao controle divino. Deus determinou estas coisas no sentido de que ele decidiu não agir para impedi-las, mesmo tendo o pleno conhecimento de cada uma delas. Para aqueles que acreditam que esse fato representa um insolúvel problema teológico, deve sempre considerar que o pregador está construindo o seu conceito de tempo em um mundo corrompido pelo pecado, onde a existência é cheia de dor, angústia e sofrimento. Neste mundo, os eventos que ocorrem no tempo são tanto bons quanto maus. Alguns poderão taxar de pessimista a visão existencial do pregador. Esse autor, não obstante, prefere denominá-la realista.

2.2. O tempo enquanto movimento teleológico
A seqüência do tempo, bem como os eventos que nele ocorrem não são desprovidos de sentido, mesmo quando não compreendemos estes eventos pelas limitações próprias de nossa mente finita. Cada acontecimento tem o seu lugar no tempo, eles não acontecem de forma absurda e isolados do restante da realidade. Mas que sentido ou propósito pode haver em um tempo onde existem a guerra, a dor, o sofrimento e a morte? Em primeiro lugar, deve ser considerado que o pregador não está legitimando estas coisas. Em segundo lugar, como já foi destacado, ele está construindo o seu conceito de tempo tendo como referência um mundo onde todas estas coisas acontecem. Quando se leva em consideração um mundo marcado pelo pecado é plenamente compreensível a existência do mal. O mal contraria a ordem, mas não a elimina por completo. Em outras palavras, mesmo o absurdo do sofrimento, em um mundo criado por um ser bondoso, não é capaz de aniquilar o caráter teleológico do tempo.
Mas o que dizer quando os eventos ocorridos no tempo não fazem sentido para uma pessoa individual, ou para a humanidade como um todo? Em primeiro lugar, é difícil que um acontecimento não faça sentido para o homem em geral. Eventos que eram completamente inexplicáveis a cem anos atrás, hoje são facilmente compreendidos. Em segundo lugar, ainda que um evento fosse completamente sem sentido para toda a humanidade, ainda poderíamos recorrer a um ser infinito e atemporal, que tem todo o tempo diante de si como um eterno presente, e que poderia perfeitamente explicar este evento. Ele saberia explicar esse evento exatamente porque foi quem determinou o seu lugar no tempo.

2.3. O tempo enquanto movimento limitado
O texto apresentado pelo pregador acerca do tempo é ricamente ornamentado por antíteses. O emprego enfático destas figuras de linguagem é bastante sugestivo, pois mostra que os eventos que ocorrem no tempo são caracterizados pelo princípio e pelo fim. O nascimento é o início da existência e a morte o seu fim, o plantio é o início da semeadura e colheita o seu fim, o choro é início do sofrimento e a alegria o final, o abraço é o início do encontro e o afastamento o final, a fala é o início do diálogo e o silêncio o final, e assim por diante. Com o emprego destas figuras, o pregador quer deixar claro que tudo que existe no tempo possui o seu começo e o seu fim, e a razão disso é muito simples: os eventos que ocorrem no tempo possuem começo e fim porque o próprio tempo possui os seus limites. No sentido rigoroso do termo, sem a idéia de limite, seria impossível falar em tempo. Com isso pode-se concluir que houve um ponto em que o tempo não existia e haverá outro quando ele não mais existirá. Antes de Deus criar, o tempo estava dissolvido na eternidade e, quando Deus recriar o mundo, o tempo será novamente incorporado pela eternidade. O homem é uma criação maravilhosa: a única que possui dentro de si o tempo e a eternidade. Para o pregador, o tempo é formado por uma sucessão de evento onde cada um é o limite do outro, e todos estes eventos reunidos formam os limites do próprio tempo.

2.4. O tempo enquanto movimento seqüencial
Imagine um torcedor que tentasse assistir trinta partidas de futebol ao mesmo tempo. Para ele, as partidas estariam acontecendo ao mesmo tempo. Este amontoado de cenas não faria o menor sentido e ele não conseguiria entender completamente nenhuma das partidas. Essa realidade desconexa seria completamente absurda para ele. Agora imagine como a realidade seria confusa se todas as coisas estivessem acontecendo ao mesmo tempo, se não houvesse uma seqüência lógica no tempo para que os eventos se encaixassem cada um em seu lugar. Se ao mesmo tempo em que ela estivesse nascendo, também estivesse morrendo, se ao mesmo tempo em que estivesse feliz, também estivesse triste, se a sua vitória e a sua derrota fossem reduzidas ao um único ato. Sem dúvida, um mundo assim seria completamente absurdo e seria impossível viver nele. De fato, seria difícil até identificarmos a existência do tempo, pois perderíamos a noção do antes e do depois, do princípio e do fim. Para o pregador, o tempo possui seqüência, cada acontecimento se dá em seu momento adequado. Tudo possui o seu tempo determinado. De fato, não há como existir tempo sem eventos acontecendo dentro de uma seqüência logicamente adequada, dentro de um movimento contínuo e seqüencial.

2.5. O tempo enquanto movimento diversificado
Uma grande diversidade de acontecimentos tem o seu lugar no tempo. Do mesmo modo que seria estranho se todas as coisas estivessem acontecendo ao mesmo tempo, seria desinteressante se apenas o mesmo acontecimento se repetisse indefinidamente no tempo. Em muito pouco ficaríamos entediados com a mesmice e a monotonia transformaria a nossa existência em uma eterna repetição. Pior ainda, se este único acontecimento fosse um fato doloroso, seríamos levados a nos acostumar com o sofrimento e perderíamos a capacidade de contemplar o seu final. O nosso sofrimento seria insuportável se não tivéssemos a certeza de que após o tempo da dor vem o tempo da alegria, que após o tempo da guerra vem o tempo da paz. O tempo é, portanto, um elemento consolador na existência humana marcada pelo sofrimento. Aquele que é capaz de contemplar o tempo em toda a sua dimensão também está apto a projetar o seu sofrimento. Esse movimento, é verdade, não anula a experiência dolorosa, mas torna mais fácil a sua superação.

CONCLUSÃO
Todas estas características do tempo estão relacionadas. Uma vez os acontecimentos que se dão no tempo têm começo e fim, é preciso que haja uma seqüência de eventos no tempo, é preciso que o fim de um seja o início do outro. Disto também se conclui que deve haver diversidade na escala temporal, e se há limites, seqüência e diversidade é impossível que o tempo não tenha propósito. Por fim, se há propósito no tempo, é impossível que não exista um ser fora do tempo que determine tudo que nele acontece, que seja capaz de controlá-lo e faça com que ele caminhe para um fim determinado.
Postado por J. Marques

terça-feira, 10 de junho de 2008

SPURGEON, O CALVINISTA

Spurgeon fora influenciado por sua herança puritana, seu ambiente e sua criação. No entanto, diferente de muitos homens e mulheres que permanecem tão completamente filhos do seu tempo e que praticamente tudo neles pode ser explicado em termos de seu condicionamento cultural, o príncipe dos pregadores pertence àquele grupo seleto que deixa sua marca em seu tempo, que molda seus contemporâneos e exerce uma influência a qual se estende ainda por muitas outras épocas.

A despeito de ter sido um calvinista ferrenho, o grande pregador do Tabernáculo Metropolitano deixava bem claro que usava o termo só por questão de concisão, pois a doutrina chamada “Calvinista”, segundo ele mesmo afirma, não surgiu com Calvino, mas do grande fundador de toda verdade. Ele entendia que o próprio Calvino as tinha aprendido dos escritos de Santo Agostinho e este, sem dúvida alguma, através do Espírito de Deus, de um cuidadoso estudo nos escritos do apóstolo Paulo, o qual, por sua vez, o recebera do Espírito Santo, de Jesus Cristo o grande fundador da dispensação cristã.[1] Portanto, Spurgeon usava o termo não porque concordava com tudo que Calvino tinha dito ou feito, mas porque o grande reformador foi coerente com as doutrinas bíblicas.

O grande pregador batista estava convicto de que não existia na sua época nenhuma outra pessoa que acreditava mais firmemente nas doutrinas da graça do que ele, contudo, gostaria de ser chamado cristão que por qualquer outro nome; mas se alguém lhe perguntasse se ele defendia o ponto de vista doutrinário defendido pela teologia Reformada, ele, sem dúvida alguma, respondia que sim e se regozijava com tal afirmação. Todavia, longe estava do príncipe dos pregadores o imaginar que no céu só haveria cristãos calvinistas, ou que ninguém seria salvo, se não acreditasse naquilo que ele acreditava como calvinista.[2] Spurgeon chega a afirmar em uma de suas pregações que, enquanto detestava muito das doutrinas pregadas por João Wesley, o príncipe dos arminianos, ainda assim tinha por ele uma reverência tal que não tinha por qualquer um outro arminiano; e disse mais a respeito deste: “ele viveu acima do nível normal dos cristãos comuns, e era um daqueles dos quais o mundo não era digno”.[3]

[1] C.H. Spurgeon, Exposition Of The Doctrines Of Grace, p. 4.
[2] C.H. Spurgeon, Sermons On Sovereignty, p. 12.
[3] C.H. Spurgeon, The Metropolitan Tabernacle Pulpit, vol. 10, p. 871.
Postado por Elias Lima