sexta-feira, 26 de setembro de 2008

O DESAFIO DA PREGAÇÃO NA PÓS-MODERNIDADE (Parte 1)

Cedendo lugar ao Pragmatismo

O movimento pragmatista propriamente dito teve origem nos Estados Unidos, no final do século XIX, em torno de quatro figuras fundamentais: Charles Sanders Peirce, William James, Ferdinand Canning Scott Schiller e John Dewey. A orientação pragmatista, contudo, está presente em outras correntes filosóficas. Aparece como tendência no pensamento de Friedrich Nietzsche – em sua teoria sobre a "utilidade e o prejuízo da história para a vida" e na concepção da verdade como "equivalente ao que é útil para a espécie e para sua conservação" – e nos movimentos anti-intelectualistas de Henri Bergson, Maurice Édouard Blondel e Oswald Spengler, já no século XX. A rigor, o pragmatismo americano começou a tomar forma nas reuniões do Clube Metafísico de Boston, que existiu entre 1872 e 1874 e ao qual pertenciam, entre outros, Peirce, James, F. E. Abbot e Chauncey Wright. No entanto, foi só em 1907, com a publicação de uma coleção de preleções intitulada Pragmatismo: Uma Nova Nomenclatura para algumas Velhas formas de Pensar, escritas por William James, que o nome foi dado e moldado à nova filosofia.

A teoria pragmática da verdade sustenta que o critério de verdade está nos efeitos e conseqüências de uma idéia, em sua eficácia, em seu êxito, no que depende, portanto, da concretização dos resultados que se espera obter. Verdadeiro e falso são, portanto, sinônimos de bom e mau, valores lógicos que têm caráter prático e só na prática encontram significado. Aqui temos uma clara rejeição aos absolutos – certo e errado, bem e mal, verdade e erro. O pragmatismo define a verdade como aquilo que é útil, significativo e benéfico. As idéias que não parecem úteis ou relevantes são rejeitadas como sendo falsas, como bem escreveu MacArthur, em seu livro Com Vergonha do Evangelho.

Pois bem, este tipo de filosofia tem adentrado na assim chamada “igreja contemporânea”, onde parece que tudo estar na moda, exceto a pregação bíblica. Rubem Amorese descreve isto muito bem, quando escreveu que o pastor, diante deste quadro e se ele quer seguir o pragmatismo, então precisa estar constantemente atualizado sobre as novas tendências litúrgicas, para poder oferecer aos seus membros o que há de mais moderno e atraente. Em outras palavras, ele precisa manter-se “na crista da onda”, ou seja, se a “onda” é tremer, vamos tremer; se é dente de ouro, vamos possuí-lo; se é palestras sobre marketing; vamos ter várias palestras em busca de técnicas que ajudem no crescimento da igreja; se os jovens gostam de música bem ritmada e pouco compromisso, o caminho então, como um pastor já tem dito: “é o pastor botar um boné na cabeça e transformar o culto num sambão evangélico ou num show de auditório. Hoje, muitos “crentes” (Deus o sabe) querem algo sensacionalista, que possa lhes promover entretenimento, que lhes massageie o ego. È por isso que não poucos pregadores, temem em pregar a palavra tal como ela é, pois temem ofender as pessoas. Então os mesmos estão pregando (quando pregam) uma mensagem sem sabor, e sem o poder e autoridade que vem do alto.

Os membros, deste tipo de igreja, querem pregadores que lhes prometam sucesso e prosperidade. Eles são dirigidos por seus desejos sensuais. Eles querem pular pra cima e pra baixo, correr ao redor e se sentir bem... ou sentir bem acerca de si mesmos. Os ouvintes convidam e entalham os seus próprios pregadores. Se o povo deseja adorar um bezerro, um ministro fazedor de bezerros é facilmente encontrado.

A razão específica porque muitas igrejas contemporâneas abraçam a metodologia pragmática é por que lhes falta qualquer noção da soberania de Deus na salvação dos eleitos. Elas já perderam a confiança no poder de Deus em usar a pregação do evangelho a fim de alcançar incrédulos endurecidos de coração. É por isso que abordam o evangelismo como uma questão de marketing e moldam a sua metodologia de acordo com este.

Postado por Elias Lima

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

O REI, O PASTOR E A SULAMITA: ANOTAÇÕES SOBRE O CÂNTICO DA FIDELIDADE

INTRODUÇÃO

Muitas interpretações sobre Cantares já foram realizadas ao longo da história. Os partidários do método alegórico vêem na suposta história de amor entre Salomão e a Sulamita um simbolismo sobre o amor entre Cristo e sua Igreja. O pressuposto que guia essa interpretação é simples: em virtude do seu caráter espiritual, a Bíblia não poderia exaltar a dimensão sensual do amor. Sendo assim, o aparente conteúdo marcado pelo erotismo só poderia ser visto como uma espécie de analogia de uma forma mais elevada de amor. Na verdade, foi esse pressuposto que fez com que o livro de Cantares fosse um dos últimos a ser inserido no cânon do Antigo Testamento. A princípio, ele foi considerado sensual demais para integrar as Santas Escrituras. Esse tipo de interpretação foi predominante no cristianismo medieval, principalmente, por conta da influência dos ideais monásticos. Uma interpretação mais literal afirma que o livro narra de forma poética o relacionamento amoroso entre o rei Salomão e uma jovem identificada como Sulamita. Para o autor desse artigo, a primeira interpretação é absurda e a segunda é incompatível com as informações encontradas no próprio livro. Em outras palavras, a verdadeira história por trás do poema salomônico não se encaixa em nenhuma dessas análises. Para ser franco, por fazer parte do gênero poético, é possível que Cantares não seja baseado em nenhuma história verídica, mas seja apenas fruto da imaginação do poeta que o escreveu. Não obstante, se há uma história por trás do Cântico dos cânticos, ela precisa ser completamente distinta das sugestões apontadas acima. Assim, é necessário que empreendamos uma redescoberta da história que envolve esse clássico poema de amor. Como ponto de partida é preciso que consideremos que existem três personagens na história e não apenas dois como comumente é aceito.

1. A SULAMITA

Uma das questões mais intrigantes no livro diz respeito à identidade de sua protagonista. Ela é designada apenas como Sulamita. Provavelmente, o termo é um adjetivo pátrio, usado para identificar o povo dessa jovem. Assim, ela era chamada Sulamita por ser originária de Sulém. O problema é que em todo o antigo Testamento não há uma única referência a esse povo. Tal fato tem levado alguns estudiosos a sugerir que Sulen seria uma variação de Suném.
Mesmo sendo de origem incerta, o livro apresenta várias informações sobre essa jovem. Que a Sulamita pertencia à nobreza, fica claro pela expressão “filha de príncipe”, a ela dirigida (7:1). Seu colar de pérolas, as substâncias aromáticas com as quais se perfuma e seus trajes requintados também atestam a sua realeza (4:9, 10; 5:3). Além disso, a desejada de Salomão se imagina desfilando em um carruagem diante do seu povo, em uma espécie de cortejo real (6:12), algo inconcebível, não fosse a sua origem nobre. O texto também deixa claro que a Sulamita foi vítima de intrigas criadas por seus irmãos, sendo obrigada por eles a cuidar de vinhas ((1:6). Embora o texto não apresente claramente o que motivou essas intrigas, duas possibilidades podem ser admitidas. Em primeiro lugar, elas podem estar ligadas à sucessão real. O fato da referência ao pai ser omitida ser é uma indicação de que já havia morrido. Se a Sulamita fosse a primogênita, ela poderia casar-se e o trono passaria a seu esposo, o que não seria interessante para os irmãos. Em segundo lugar, pode ser que os irmãos tenham isolado a Sulamita do convício real como uma espécie de punição por algum ato praticado por ela. Talvez em função de um relacionamento com uma pessoa de posição social inferior. Seja como for, o fato é que os irmãos vêem a presença da Sulamita como uma ameaça e querem mantê-la isolada. Só assim poderíamos conceber a idéia de uma princesa trabalhando de sol a sol no árduo trabalho dos vinhedos. Contudo, o texto nos mostra que a Sulamita é retirada desse desgastante trabalho e levada a corte de Salomão (1:4). Provavelmente, para compor o farto harém do monarca israelita. De fato, ela permanecerá nesse lugar durante a maior parte da narrativa. Entretanto, no final do relato nossa protagonista se ausenta do palácio por motivo não esclarecido (6:13), não havendo nenhum indício do seu retorno.

2. SALOMÃO
Claramente, Salomão é um dos protagonistas do poema. A maioria das interpretações considera o rei de Israel como sendo o amado da Sulamita. Não obstante, várias evidências podem ser apresentadas para refutar essa posição. Em primeiro lugar, a narrativa parece indicar que a Sulamita se dirige a duas pessoas bem distintas. Ao rei (1:4, 12) e ao seu amado (1:7, 16; 2:8; 3:1; 5:6, 8). No primeiro caso, o tratamento é apenas respeitoso em virtude da posição de autoridade do monarca, no segundo caso, o termo é sempre acompanhado pela intimidade e paixão que movem os amantes.
Em segundo lugar, a Sulamita deixa claro que o seu amado está lhe seguindo às escondidas. Ele contempla a sua amada por trás das paredes de seu aposento e lhe espreita pelas grades (2:9). Claramente, o amado teme ser surpreendido por alguém. Esse temor é tão evidente que em um dos encontros, o amado foge de forma inesperada (5:5, 6). Provavelmente, por medo da guarda que exercia uma vigilância rigorosa sobre o harém real. Se essa pessoa fosse Salomão, não haveria justificativa para tal temor. Na qualidade de rei e esposo da Sulamita, ele poderia se dirigir aos seus aposentos com toda a confiança, sem a necessidade desses encontros furtivos.
Em terceiro lugar, a Sulamita afirma que tem saudade do seu amado (7:8). Isso nos leva a concluir que os amantes estão separados, ou, pelo menos, não podem se encontrar sempre que desejam. Novamente, esse fato não pode ser aplicado a Salomão. Em geral, os haréns reais ficavam bem próximos ao palácio. Sendo assim, o rei de Israel poderia ver a sua amada diariamente e não havia razão para nutrir por ela saudade, esse sentimento que brota unicamente a partir da ausência e do desencontro.
Uma outra evidência pode ser vista no receio da Sulamita em tornar público o seu relacionamento. Ela sabe que poderá ser alvo do repúdio público em virtude da condição inferior de seu amado (8:1). A jovem deseja que seu amado seja semelhante aos seus irmãos, uma outra forma de dizer que gostaria que ele pertencesse à mesma classe social à qual pertencia. Portanto, o relato parece indicar que o amado é de uma posição social inferior, o que não poderia ser aplicado a Salomão.
Em quinto lugar, em uma de suas fugas noturnas para se encontrar com o seu amado, a Sulamita é surpreendida e espancada pelos guardas do murro (5:5-7). Parece absurdo que os guardas ousem espancar uma das esposas do rei, principalmente, se considerarmos que ela está em busca dele. A não ser que o próprio Salomão, sabendo dos encontros entre a Sulamita e seu amado, tivesse ordenado esse tratamento agressivo.
Aqueles que não concordam com essa linha de interpretação, em geral, fazem o seguinte questionamento: como Salomão poderia ter escrito uma história onde ele mesmo é o vilão? Em primeiro lugar, se considerarmos a inspiração divina do livro, somos levados a crer que o escritor humano foi verdadeiro e imparcial ao registrar cada fato, ainda que esses fatos sejam contra a sua pessoa. A Bíblia não é um tipo de biografia encomenda que exalta somente as virtudes dos seus protagonistas. Em segundo lugar, a hipótese do livro ter sido escrito por uma outra pessoa é completamente aceitável. Isso porque o título “Cântico dos cânticos de Salomão” pode indicar que o rei de Israel foi o autor da obra, mas pode também significar que ele foi apenas o personagem central de uma obra escrita por outro autor.

3. O PASTOR
Mais enigmático do que a identidade da Sulamita é a identidade do seu amado. A não ser que o interpretemos como sendo Salomão. Essa posição, contudo, já foi descartada no tópico anterior. O relato apresenta poucas informações sobre esse personagem, nem mesmo o seu nome ou origem são mencionados. Entretanto, os poucos dados que podem ser encontrados no poema são bastante esclarecedores. O amado da Sulamita é um pastor de ovelhas, alguém de uma condição social bastante humilde (1:7; 2:16; 6:2, 3). Esse fato justificaria a não aprovação desse relacionamento amoroso vivenciado por eles. Provavelmente, o amado não morava tão distante do palácio, fato que pode ser deduzido de suas visitas contínuas à sua amada (2:9; 3:4; 5:2). Em trechos da narrativa a coragem do pastor fica evidente. Ele é capaz de enfrentar os maiores perigos para encontrar-se com a Sulamita e sufocar a sua saudade. O pastor consegue ultrapassar até mesmo a forte segurança do palácio. Em um desses encontros a sua ousadia beira o extremo. Ignorando o perigo, ele vai ao quarto de sua princesa no harém real (5:4, 5). No final, a sua coragem será recompensada pela fidelidade de sua amada (8:10).

CONCLUSÃO

A linha de interpretação exposta neste artigo exige que seja dada uma outra temática ao Cântico dos cânticos. É necessário, portanto, que a fidelidade, e não o amor, seja colocada como centro desse livro. Obviamente o amor está presente neste poema. Não obstante, ele funciona apenas como um palco onde a fidelidade conjugal é exaltada. Levando em consideração as circunstâncias, o autor desse artigo ousa afirmar que em Cantares está uma das mais belas histórias sobre a fidelidade em todos os tempos. A Sulamita “foi um muro”. Que honra prestaríamos ao autor do Cântico se compreendêssemos o sentido dessa metáfora.
Postado por J. Marques

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

REFLEXÕES SOBRE UM INSTANTE

Em vão os vivos tentam explicar a morte. Essa companheira perpétua do homem caído só se dá a revelar aqueles a quem toma pela mão. Somente eles podem compreender o mistério da passagem. Nem mesmo as mais profundas sentenças teológicas ou a mais acurada reflexão filosófica, nem mesmo a suma de todo o conhecimento científico poderão traduzir em sua plenitude esse Instante que, ao lado do nascimento, são os únicos onde toda a existência se encontra. Aquele que está vivo tem a capacidade de compreender a vida, o que morre é capaz de compreender a morte, mas é somente quem morre em Cristo que é capaz de compreender a vida a morte e a vida eterna. Quem atravessa os portais da morte seguro pela mão de Cristo, percebe que esta passagem, embora seja dolorosa para os que ficam, é apenas um Instante entre uma vida incompleta e a vida em sua plenitude. Mas por que razão o Criador permitiu a existência desse breve e indesejado intervalo entre as duas modalidades de vida? Provavelmente, para marcar a grandeza da vida futura em relação à vida presente. É como se Ele quisesse mostrar que o breve desencontro confere mais grandeza ao reencontro, como se estivesse a dizer, cada vez que um cântico embala o funeral de um fiel, que era esse tipo de vida que ele desejava para o homem desde a eternidade.

Felizes são aqueles que vivem em Cristo, pois possuem através de sua fé a capacidade de contemplar a eternidade. Entretanto, ainda mais venturosos são aqueles que já morreram em Cristo, pois, transpondo as barreiras da morte, mergulharam na vida plena para a qual Deus os destinou desde a eternidade. O sábio Salomão afirma que Deus plantou a eternidade no coração do homem. Há dentro dele a centelha do infinito. Paradoxalmente, esse pequeno gérmen ganha vida com a morte. O próprio Cristo explora esse paradoxo ao afirmar que o grão de trigo, ao ser lançado na terra, não ganha vida até que tenha morrido. O Mestre fazia referência à sua própria morte.

Para aquele que descansa em Cristo a morte é apenas um Instante. É somente os que ficam, em virtude da separação causada por esse flagelo da existência, que vivem a realidade da morte, são eles que hão de se deparar com a sua realidade a cada dia, através das lembranças sempre presentes do ente querido. A não ser a dor física, cuja intensidade e duração dependem da situação, quem morre em Cristo, não é afetado pelo sofrimento da morte. São os que ficam que terão que conviver com esta experiência dolorosa. A dimensão desse sentimento será proporcional à intensidade dos laços afetivos que prendem as pessoas envolvidas, mas também será aumentado por uma morte em circunstâncias completamente inesperadas. Pensemos no exemplo de um esposo recém-casado que perde a sua companheira em um acidente de automóvel. Certamente, o seu sofrimento será muito superior àquele experimentado por alguém que perde um colega de trabalho, falecido depois de sofrer durante três anos com um câncer no estômago. Mesmo que a esposa tenha morrido em Cristo e que o esposo compartilhe com ela da mesma esperança, o seu sofrimento será indescritível. Para a esposa, a morte foi apenas um Instante entre uma vida incompleta e uma vida plena, entre o tempo e a eternidade, mas para o esposo essa experiência estará sempre presente, até que ele reencontre a sua amada e toda a separação seja desfeita.

Pensando um pouco mais no exemplo mencionado acima, por que razão o esposo sofre diante da morte da esposa mesmo sabendo que, em virtude de sua esperança cristã, encontrar-se-ão novamente em um nível de vida incomparavelmente melhor? Não há dúvida que o grau de intimidade e cumplicidade entre os cônjuges, os laços afetivos que os unia e as experiências vividas por eles são causas que ajudam a justificar o despertar desse sentimento. A certeza de que a troca de intimidades e sentimentos não será mais possível, de que o percurso das experiências vividas foi interrompido pela morte e de que os olhares não mais trocarão a cumplicidade própria dos casais, enfim, todo esse turbilhão de imagens projeta-se como uma seta no peito do cônjuge que fica, causando-lhe o mais intenso sofrimento. Não obstante, a principal razão desse sentimento doloroso é muito mais profunda. A razão é que o esposo ainda não conhece a morte enquanto um mero Instante, uma vez que ele ainda não a transpôs o seu limiar. Além disso, como ainda está na vida presente, a vida porvir, mesmo em face de sua esperança inabalável, continua sendo uma promessa à qual ele ainda não vivenciou em sua plenitude.

A esperança, no entanto, será de grande valia para o cônjuge que fica, pois é através dela que Deus lhe dará a cada dia o seu consolo. Enquanto ele viver, a morte de sua esposa existirá e, mesmo com o tempo, causar-lhe-á algum tipo de sofrimento. Por isso, ele precisará constantemente desse alento. Infelizmente, o sofrimento não se extingue por completo até que os dois se reencontrem na eternidade. Entretanto, quanto maior for a fé do cônjuge, maior será a sua capacidade de lidar com a dor da separação e melhor habilitado ele estará para transformar o lado doloroso desse desencontro em um sentimento de expectativa pelo reencontro. Além disso, Deus conceder-lhe-á força e sabedoria para compreender o mais elevado conceito de amor, que consiste na busca do maior bem do seu objeto. Pelo fato de ainda estarmos em um mundo onde existe o sofrimento, a realização desse maior bem nem sempre exclui a tristeza de uma das partes, ou de ambas, fato que ocorrerá em relação ao esposo que perde a sua companheira de todas as horas. Contudo, sustentado por sua fé, ele compreenderá que, embora a vida presente de sua esposa fosse um bem divino, em escala de valores, a vida eterna é um bem incomparavelmente maior. Se foi do agrado do Pai celeste conceder a vida plena à sua esposa naquele momento, ainda que diante de lágrimas, ele o compreenderá e será capaz de dizer como apóstolo Paulo: “Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias, por amor de Cristo. Porque, quando sou fraco, então, é que sou forte”. (II Co. 12:10). Mas de onde ele tira o seu prazer? Do amor de Cristo e da certeza que, diante da eternidade, a morte e a própria vida presente são meros instantes temporais e que, diante dessa nova realidade, todo Instante se perde. Ele sabe, enfim, que, em Cristo, o homem começa a viver quando morre.

Nota: In memorian de Luzivana Fontinele Marinho Freitas à qual, no dia 28 de agosto de 2008, o Senhor concedeu-lhe o dom de compreender a vida, a morte e a eternidade. Além disso, o artigo é uma palavra de consolo para o seu esposo e para todos aqueles que foram privados provisoriamente da sua presença, bem como uma advertência para todos aqueles que pretendem transpor os portais da morte, sem ter a certeza de que isto lhes abrirá o caminho rumo ao trono divino. Agradecemos ao irmão Fandermiller da Cunha Freitas por ter, gentilmente, autorizado a publicação desta reflexão. A nossa oração constante tem sido para que Deus esteja confortando o seu coração, bem como a cada um dos familiares dessa querida irmã.


No amor do Eterno:

Elias Lima
Francimar
J. Marques
J. Roberto
J. Figueiredo

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

ENSAIO SOBRE O ESQUECIDO CÂNTICO DA VINHA

“Teve Salomão setecentas mulheres princesas e trezentas concubinas” I Re. 11:3.

A Sulamita foi uma das princesas de Salomão. Na verdade, ela foi praticamente obrigada a aceitar essa condição. Com toda a sua grandeza e fama, o filho de Davi conquistou muitas mulheres. Não obstante, aquela a qual ele mais amou, não foi capaz de conquistá-la. Mas por que razão Salomão não pôde conquistar o coração dessa princesa? Simplesmente porque ela já o havia entregado a outro. O felizardo era um jovem pastor a quem ela amava com todas as suas forças e com quem tinha feito juras de amor eterno. O primeiro encontro entre o filho de Davi e a Sulamita foi em uma vinha onde esta trabalhava. O rei de Israel ficou encantado com a beleza quase angelical daquela jovem e amou-a desde o primeiro encontro. Com seu olhar envolvente a Sulamita arrebatou o coração de Salomão. Mas o que fazia uma princesa trabalhando arduamente em um vinhedo?

“Os filhos de minha mãe se indignaram contra mim e me puseram por guarda de vinhas, a vinha, porém, que me pertence não a guardei” Ct. 1:6.

A nossa heroína havia sido forçada por seus irmãos a realizar essa tarefa desgastante depois que o seu romance com um pobre pastor de ovelhas havia sido descoberto. O trabalho era ao mesmo tempo uma punição e uma forma dos irmãos exercerem uma vigilância sobre a jovem, considerando que os vinhedos reais eram guardados de forma bastante rigorosa. Quem tentasse penetrá-los, poderia ser surpreendido pela guarda. Com essa medida, os irmãos pretendiam separar a Sulamita do seu amado, em virtude do abismo social que separava os amantes. O romance não se adequava às convenções sociais da época. A medida não surtiu efeito, pois os jovens, movidos por sua paixão, continuaram a se encontrar e a embalar o seu amor à sombra das videiras. A cada pôr-do-sol, os jovens se encontravam e, sentados sobre as folhagens do vinhedo (1:16), prometiam fidelidade ao outro. Entretanto, tramas sem fim espreitavam o caminho dos amantes, a fim de colocar à prova a resistência do seu amor.

“O rei me introduziu nas suas recâmaras” Ct. 1:4.

Sabendo que a Sulamita ainda continuava a se encontrar às escondidas com seu pastor e percebendo que Salomão ficara encantado com a sua beleza, os irmãos resolveram entregá-la ao rei de Israel em uma espécie de acerto diplomático. Com isso, além de colocarem fim ao romance proibido entre ela e o tal pastor, garantiam uma aliança com o poderoso monarca de Israel. Assim, a contragosto, a nossa heroína foi levada à corte, ficando confinada ao harém real. Agora os amantes estavam separados. A lembrança dos encontros amorosos entre as árvores do vinhedo acalentava a dolorosa saudade que agora os consumia em silêncio (7:10). Contudo, mesmo a despeito da distância física, as suas almas continuavam unidas, e os jovens começaram a maquinar estratagemas a fim de que seu amor não fosse derrotado. Movidos pela paixão e pela fidelidade mútua, os dois estavam dispostos a enfrentar os maiores perigos para continuarem juntos.

“As muitas águas não poderiam apagar o amor, nem os rios afogá-lo; ainda que alguém desse todos os bens de sua casa pelo amor, seria de todo desprezado” Ct. 8:7.

Salomão teve inúmeras mulheres, mas por nenhuma ele nutriu um sentimento tão profundo como a paixão arrebatadora que sentiu pela Sulamita. Mas logo o rei de Israel começou a perceber que aquele sentimento não era recíproco. Maior que a indiferença com a qual a jovem lhe tratava era apenas a tristeza expressa em seus lábios. A dolorosa separação havia furtado o sorriso radiante da Sulamita e a todos era evidente a sua infelicidade. O rei de Israel tentou de todas as formas conquistar o amor da bela moça. Ofertou-lhe os presentes mais preciosos, tudo aquilo que o dinheiro podia comprar ele ofereceu à sua amada. Mas tudo foi em vão. O amor dessa bela jovem não tinha preço. Ela já tinha oferecido gratuitamente ao seu pastor. O rei promoveu uma grande festa para todos os nobres da corte e exigiu que a Sulamita se assentasse ao seu lado (1:12). Certamente, todas as mulheres de Salomão gostariam de ter recebido essa honraria. Mas nem mesmo esse reconhecimento público foi capaz de mudar o coração da princesa. O seu amor era tão forte que ela seria capaz de rejeitar até mesmo toda a fortuna do rei de Israel e toda a glória que isso poderia acarretar.

“Mal os deixei, encontrei logo o amado da minha alma; agarrei-me a ele e não o deixei ir embora, até que o fiz entrar em casa de minha mãe e na recâmara daquela que me concebeu” Ct. 3:4.

O pastor não havia esquecido a Sulamita. Todas as noites ele circulava pelos arredores do palácio em busca da sua amada e, cada vez que a jovem percebia a presença dele, o seu coração se enchia de alegria e esperança. Ela era tomada de um desejo quase incontrolável de correr para os seus braços, ainda que para isso tivesse que pular as altas muralhas do palácio. Em uma noite, sabendo que seu amado estava à sua espera, a Sulamita resolveu correr o risco para desfrutar de um encontro com ele fora das muralhas do castelo. Para conseguir passar pela guarda que vigiava a entrada do palácio, a jovem precisava de uma boa desculpa. Afirmou que estava à procura do seu amado. Certamente, os guardas pensaram que ela estava se referindo a Salomão, por isso, permitiram a sua passagem tranquilamente. Mas ao chegar fora dos muros, a Sulamita percebeu com tristeza que o seu pastor não estava mais ali. Provavelmente, fugira temendo ser descoberto pelos guardas. A jovem saiu à procura do seu amado, encontrando-o em seguida. Naquela noite, embalados pelo amor, os jovens sufocaram a saudade e reataram o laço de fidelidade que os unia.

“Encontraram-me os guardas que rondavam pela cidade, espancaram-me e feriram-me; tiraram-me o manto os guardas do muro” Ct. 5:7.

Depois do primeiro encontro, a Sulamita sempre encontrava uma forma de sair dos seus aposentos no harém real para encontrar-se com o seu pastor. Os encontros entre os jovens começaram a se tornar mais freqüentes, até que Salomão os descobriu. Tentando surpreender os amantes, o rei reforçou a segurança no harém e nos arredores do palácio e ordenou que a jovem fosse punida com violência e o pastor fosse morto, caso fossem flagrados em seus encontros furtivos. Um dia a Sulamita não compareceu ao local habitual de encontro no horário determinado, fato que preocupou o seu pastor. À medida que o tempo passava e ela não chegava, aumentava a ansiedade do jovem. Então, em uma atitude ousada, dessas que só podem ser justificadas por um ardente amor, ele resolveu ultrapassar as muralhas do castelo e ir até os aposentos da sua amada no harém. A batida do pastor na porta logo foi percebida por ela, mas o barulho também chamou a atenção dos guardas e o jovem teve que fugir para não ser surpreendido e morto. Quando a Sulamita saiu dos seus aposentos, exalando o seu perfume, o seu pastor já se retirara. Quase desesperada, ela foi ao local de sempre para tentar encontrá-lo, contudo, no caminho, foi surpreendida pelos guardas do muro. A jovem foi ferida, espancada e levada acorrentada à presença de Salomão (5:2-8). Mesmo a despeito de sua indiferença e sabendo que o seu coração pertencia a outro, o grande rei de Israel continuava cada vez mais fascinado por aquela bela princesa. O rei estava enfurecido, afinal de contas, aquela a quem ele tanto amava, dedicava todo o seu amor a um humilde pastor. Salomão não conseguia aceitar que uma princesa rejeitasse a companhia de um rei para se entregar a um homem do povo. Mas o filho de Davi ainda conservava lapsos da sabedoria divina e decidiu agir com misericórdia em relação à Sulamita. Mais que isso, percebendo que ela era sua prisioneira e não sua esposa, resolveu deixá-la livre.

“Volta, volta, ó Sulamita, volta, volta para que nós te contemplemos” Ct. 1:13.

A Sulamita ainda permaneceu no harém por algum tempo, mas ela não era mais vigiada, pois Salomão lhe concedera liberdade. Com esse gesto, o rei de Israel tentava uma última estratégia para ganhar o coração de sua amada. Entretanto, ele conhecia o risco que corria com essa medida. Poderia ser que o coração da Sulamita fosse tocado por esse gesto nobre da parte do rei, mas ela também poderia empregar a sua liberdade para fugir do palácio e se entregar definitivamente ao seu amado. O que Salomão temia não demorou a acontecer. Em uma noite em que o rei não se encontrava no palácio - tinha ido visitar a rainha de Sabá -, a Sulamita saiu do palácio para não mais voltar e foi ao encontro do seu amado. Ao ser comunicado da fuga de sua amada ao seu retorno, o desespero do rei de Israel foi tremendo. Recolheu-se ao seu leito e não apareceu em público durante dias. Durante muito tempo a dor da perda consumia os seus pensamentos, fato comprovado em uma canção que ele compôs dedicada a sua amada. O título dessa canção, “Volta, volta, ó Sulamita”, era uma súplica comovente do rei para que sua amada retornasse e ele pudesse contemplá-la novamente.

“Eu sou um muro, e os meus seios como suas torres; sendo eu assim, fui tida por digna da confiança do meu amado” Ct. 8:10.

A Sulamita saiu do palácio e correu para os braços do seu amado para saciar o amor há muito sufocado. O reencontro no jardim foi emocionante e os beijos não queriam ter fim, pois o próprio amor que os movia era interminável. Tendo por testemunhas as romeiras e as cabras que pastavam próximo, o pastou exaltou em versos líricos a fidelidade inabalável de sua amada. “Jardim fechado és tu, minha irmã, noiva minha, manancial recluso, fonte selada”, sussurrou o jovem ao ouvido da Sulamita (4:12), demonstrando que, mesmo diante de todas as investidas de Salomão, ela conservara a sua pureza. “Vem depressa, amado meu, faze-te semelhante ao gamo ou ao filho da gazela, que saltam sobre os montes aromáticos” (8:14), a princesa respondeu ao seu amado. Os dois dormiram abraçados sobre a relva e, pela manhã, o pastor colheu figos, passas, maçãs, mel e leite para alimentar a sua amada.

“Teve Salomão uma vinha em Baal-Hamom; entregou-a a uns guardas, e cada um lhe trazia pelo seu fruto mil peças de prata” Ct. 8:11.

Salomão jamais esqueceu a Sulamita, o rosto angelical dessa jovem que ele encontrara entre as videiras jamais saiu de sua mente. Tamanha era a fixação por ela que o rei de Israel resolveu plantar uma vinha bem próximo onde encontrara a sua amada pela primeira vez. Para ali ele sempre ia a fim de lamentar a ausência daquela a qual ele mais amou. Todas as tardes, o rei caminhava solitário por entre as videiras e se imaginava compartilhando com a Sulamita aquelas doces uvas. Diz uma antiga tradição que em seu leito de morte o grande rei de Israel rogou a presença da Sulamita para que o seu belo rosto fosse a última imagem contemplada por ele em vida. A jovem atendeu ao pedido de Salomão e o rei descansou feliz. O seu corpo foi sepultado na vinha, bem perto onde ele vira a Sulamita pela primeira vez.

* Nota explicativa: À primeira vista, o leitor poderá considerar esse artigo tanto pretensioso quanto fictício, uma vez que ele contraria a interpretação de Cantares usualmente aceita: a tradicional idéia do rei Salomão e sua amada Sulamita. Na verdade, o autor sempre considerou essa posição problemática à luz do conteúdo do livro. Ela deixava muitas questões sem respostas. Esse fato serviu de motivação para a busca de uma proposta alternativa. Assim, embora alguns possam considerar essa interpretação fantasiosa, deve ser acrescentado que ela é fruto de um estudo bastante rigoroso, baseado nos dados da obra. Em artigos posteriores, o autor publicará um resumo dessa análise. Por hora, o seu objetivo é apenas desafiar os leitores a mergulharem no Cântico dos cânticos e analisarem o seu conteúdo sem idéias pré-concebidas. Na verdade, se os leitores não compactuarem com seu pensamento, mas forem incitados ao estudo criterioso do livro, o autor terá alcançado o seu principal objetivo.
Postado por J. Marques