terça-feira, 28 de outubro de 2008

ORAÇÃO E MISSÕES: Tornando a Oração um Meio Eficaz de Fazer Missões - Parte 1

E percorria Jesus todas as cidades e povoados, ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino e curando toda sorte de doenças e enfermidades. Vendo ele as multidões, compadeceu-se delas, porque estavam aflitas e exaustas como ovelhas que não têm pastor. E, então, se dirigiu a seus discípulos: A seara, na verdade, é grande, mas os trabalhadores são poucos. Rogai, pois, ao Senhor da seara que mande trabalhadores para a sua seara. Mateus 9.35-38

INTRODUÇÃO

Tem sido dito que os três principais meios de fazer missões, conhecidos praticamente em todos os lugares onde o cristianismo tem se estabelecido, são: “ir”, “dar” e “orar”. A grande maioria dos cristãos diz que não tem o chamado de Deus para estar na linha de frente da batalha, ou seja, para “ir” pessoalmente ao campo missionário. Uma boa parte alega que não é munida de recursos financeiros suficientes para “contribuir” com a obra de missões. E muitos se apegam ao meio, segundo eles, mais acessível de fazer missões, que é a “oração”. Fazendo o caminho contrário pode-se dizer que, muitos decidem “orar”, poucos querem “dar”, e a minoria se dispõe a “ir”.

Mas, infelizmente, mesmo que se diz que muitos decidem orar, esta ainda não é a realidade. Pois, atualmente, a falta de oração como um meio de fazer missões tem sido uma das principais causas do fracasso missionário. Durante a história da igreja, a oração serviu de base para muitos avivamentos. E segundo o ensino de Cristo e dos apóstolos, a oração pode ser um meio eficaz de fazer missões. Através de algumas etapas, observe como, então, tornar a oração um meio eficaz de fazer missões.


ORANDO POR OBREIROS

Em Mateus 9.38 (também em Lucas 10.2) encontra-se a mais conhecida e famosa expressão que relaciona a oração com a obra missionária (Rogai, pois, ao Senhor da seara que mande trabalhadores para a sua seara). É importante considerar alguns detalhes deste texto e de seu contexto para sua melhor compreensão. Chama a atenção de qualquer leitor, o fato de Cristo ter se dirigido a seus discípulos com tanta veemência e preocupação, para que eles rogassem por trabalhadores.

Sua preocupação é demonstrada, primeiramente, por ele falar em tom de ordem. A expressão “rogai” usada no texto, por ser um imperativo, indica uma ordem a ser obedecida, uma ordem dada de Senhor para servo, e de Mestre para discípulo. É demonstrada também, pelo significado e a idéia que a expressão “rogai” carrega, que indica uma súplica, uma petição feita por uma pessoa movida por um senso de profunda necessidade.

Jesus demonstra tamanha preocupação, por causa da compaixão, que Ele estava sentido pelas pessoas que via nas cidades e povoados, por onde passava, “ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino e curando toda sorte de doenças e enfermidades”. A palavra compaixão indica que Jesus ficou tão emocionado com a situação daquelas pessoas, que as suas entranhas se moveram.

O porquê da compaixão de Jesus é fornecido pelo próprio texto. Ele se compadece por ver que aquelas pessoas “estavam aflitas e exaustas como ovelhas que não têm pastor”. Cristo descreve a situação daquelas pessoas, através de uma ilustração tirada do contexto rural. Ele as compara a ovelhas que se dispersam e se perdem do rebanho, e por estarem perdidas e sem a presença do seu pastor, ficam aflitas, e a sua aflição faz com que elas percam o sentido de direção, e fiquem cada vez mais perdidas e distantes do rebanho, e as muitas tentativas de voltar, perdendo-se mais ainda, por causa da aflição, resulta em exaustão, que faz com que elas se lancem ao chão, profundamente desesperadas e sem esperança. Com esta descrição, Cristo mostra que a maior necessidade daquelas pessoas não era cura, integração social, acabar com a fome, e etc., mas, a salvação. Geralmente, Cristo usa a ilustração da relação entre ovelha e pastor ou vice versa, para falar de salvação, e neste caso, da necessidade de salvação.

É importante, neste ponto, voltar à ordem dada por Cristo a seus discípulos. Como foi dito, a palavra “rogai” expressa a idéia de clamar, ou orar com súplicas insistentes em caráter de urgência. A ilustração que Cristo usa ao dar a ordem revela o porquê da urgência. Esta ilustração é diferente, mas, o contexto e o propósito são iguais aos da anterior, que mostra a necessidade das pessoas terem um relacionamento de salvação com Deus. Contudo, esta última ilustração acrescenta a informação de que os obreiros sãos os meios pelos quais estas pessoas podem ter esse relacionamento com Deus. É exatamente neste ponto que estar a urgência que Cristo exige de seus discípulos, ao orar por obreiros. Observe os motivos porque este ponto revela urgência.

Primeiramente, porque a seara é grande. Antes mesmo de ordenar a oração urgente, Cristo declara que a seara é grande, na verdade, a expressão “pois” usada logo em seguida à expressão “Rogai” (Rogai, pois...), indica que a ordem é uma conseqüência da declaração de que a seara é grande, dita anteriormente. Quanto maior a seara, maior é a necessidade, e quanto maior a necessidade, maior a urgência.

Além disso, Jesus mostra que, a quantidade de trabalhadores é incompatível com o tamanho da seara. E, portanto, para que os frutos da seara cheguem urgentemente ao Senhor é necessário uma quantidade maior de trabalhadores. A quantidade de pessoas perdidas neste mundo é muito maior do que a quantidade de obreiros pregando o evangelho. E o único meio pelo qual estas pessoas podem desenvolver um relacionamento de salvação com Deus é por meio do evangelho, pregado pelos obreiros. Deus é quem, na verdade, envia os obreiros à seara, por isso, deve-se rogar em caráter de urgência para que ele mande mais obreiros para a sua seara.

O mundo estar perdido, o mundo precisa de Deus, o mundo só pode ter a Deus através do evangelho, o evangelho só pode chegar ao mundo através da pregação dos obreiros, os obreiros só podem pregar se forem enviados (Rm 10:15), só Deus pode enviá-los, mas todos podem rogar para que Deus os envie. Por esta causa, a oração é um meio eficaz de fazer missões.

Entretanto, há muitos cristãos, que não estão dispostos a “ir”, não desejam “contribuir”, e nem se dedicam a “orar”. E, a causa desta falta de envolvimento com a obra missionária dar-se pelos três seguintes motivos: (1) falta de visão da situação das pessoas, não percebem a perdição e necessidade das pessoas; (2) falta de compaixão pela situação das pessoas, estão endurecidos e preocupados consigo mesmos; e (3) falta de identificação com a situação das pessoas, acham que não é problema seu. Contudo, Jesus leva seus seguidores a contemplarem, a se compadecerem e se importarem com a situação calamitosa em que as pessoas se encontram, e sobre tudo, ordena a rogarem para que Deus providencie o meio para a resolução desta situação.

CONCLUSÃO

Finalmente, quando se roga a Deus por obreiros, os principais meios de fazer missões estão envolvidos, pois, um tem que “orar” para outro “ir”, e Deus move outro a “contribuir” para poder enviar. Muitos avivamentos poderiam ser citados como exemplos da eficácia da oração em missões. Muitos outros obreiros foram enviados por Deus quando oravam para Deus enviar. Portanto, comece orando, e Deus pode fazer com que logo esteja intensamente trabalhando. Faça de sua oração um meio eficaz de fazer missões.
Por J. S. Figueiredo

terça-feira, 21 de outubro de 2008

A Justiça de Deus em Habacuque

O que pensamos sobre Deus quando uma série de injustiças acontece? Por que existe tanta corrupção em nosso país? Por que Deus não intervém nesta situação? Deus não está vendo a impunidade crescendo? Por que Deus não intervém na violência que há no Rio de Janeiro? Onde está Deus? Ele não vê tudo isto?

O profeta Habacuque, há mais de 2600 anos atrás, já tinha na ponta da língua estas perguntas. Onde está Deus para julgar a maldade, injustiças e corrupção? Por que Ele, que é justo, não julga a nação de Judá pelo seu pecado?
Texto: Hc.1:1-4 O oráculo que o profeta Habacuque viu. Até quando Senhor, clamarei eu, e tu não escutarás? ou gritarei a ti: Violência! e não salvarás? Por que razão me fazes ver a iniqüidade, e a opressão? Pois a destruição e a violência estão diante de mim; há também contendas, e o litígio é suscitado. Por esta causa a lei se afrouxa, e a justiça nunca se manifesta; porque o ímpio cerca o justo, de sorte que a justiça é pervertida.”

Habacuque, primeiro queixa-se da demora de Deus em ouvi-lo. (vs.2- “Até quando...?”) Nesta queixa, ele mostra que a violência é notória. Por que Deus não intervém em socorro ao seu profeta quando este clamar em meio a tanta violência?
Sua queixa é: por que Deus não o poupa de tanta opressão, destruição, contendas e litígio, agindo justamente contra os responsáveis por estes males? (vs.3 )

O profeta se queixa também do aumento da pecaminosidade por causa do enfraquecimento da lei, tendo em vista a justiça não prevalecer em seus dias. “A justiça nunca se manifesta”. Se a justiça não vence, os homens continuarão a cometer injustiças, pois nada poderá detê-los. Podemos entender isto quando vemos alguém realmente culpado por um delito sendo inocentado pelo que deveria ser justiça. Quanta decepção sentimos quando vemos políticos verdadeiramente corruptos não serem condenados pelos seus atos. Quando os demais políticos virem que a justiça não lhes alcança, a corrupção se torna ainda pior, e o país num caos total.
Será que Deus não julga as injustiças? Como pode um Deus justo permitir a injustiça?

I - Habacuque lamenta que seu Deus justo não castiga o pecado em Judá.

Será que Deus não castiga mesmo todo pecado? Deixaria Deus o seu profeta duvidando de Sua justiça?

II - Deus responde à queixa do profeta, afirmando que punirá, através dos babilônios, os pecados de seu povo (1:5-6). (Deus fará justiça a Judá através dos babilônios )

Esta obra divina parecerá impossível para muitos- “...vós não crereis, quando vos for contada”
Deus, como Soberano, levanta e abate as nações (vs.6). Todas estão sob o seu governo. Os caldeus serão a vara da disciplina de Deus ao Seu povo.

Habacuque reconhece a soberania divina (1:12 ), mas não entende outra coisa:

III- Como um Deus justo usa a Babilônia ímpia e ateísta, para punir uma nação mais justa, como Judá? (vs. 13). “...por que, pois, toleras os que procedem perfidamente e te calas quando o perverso devora aquele que é mais justo do que ele?”

Diferente de sua impaciência na primeira pergunta, Habacuque agora espera diligentemente, como um vigia, pela resposta divina ( 2:1).

Deus responde ao profeta, dizendo que (IV) os Babilônios também serão punidos pelos seus pecados 2:2-5. Esta era uma promessa divina, na qual deveriam confiar todos aqueles que a lessem (vs.2-4). “...mas o justo viverá pela sua fé.” (vs.4b)

Cinco “ais”, ou juízos, são pronunciados contra a Babilônia (6-19).

- Ela é condenada por acumular riquezas que não são suas (7, 9).
- Também é condenada pela libertinagem, ou seja, o modo imoral de usufruir da liberdade (15)
- Por último, os caldeus são condenados pela sua idolatria (18-19).
- A mensagem de Habacuque servia de alerta para seus ouvintes em Judá, pois muitos estavam vivendo infielmente, em arrogância e soberba e todo tipo de pecado. Lembre-se que esta foi sua primeira queixa.

- Depois de ouvir a resposta de Deus, o profeta que outrora estava angustiado de ver tantos pecados em sua nação, agora está alarmado em saber que o seu Deus há de intervir naquilo tudo, de uma forma que estava, em primeira instância, distante de sua compreensão. Habacuque ora ao SENHOR, pedindo-lhe mais uma vez que, como na peregrinação dos filhos de Israel pelo deserto, mostre os Seus maravilhosos feitos contra seus inimigos. O profeta vai aguardar em silêncio pelo dia de juízo que virá contra os babilônios (3:16).

- Nesta oração, Habacuque demonstra a sua fé e alegria no SENHOR, quando declara que ainda que as circunstâncias sejam desfavoráveis, ele continuará exultando no Deus de sua salvação.

O que este pequeno livro pode nos ensinar? Grandes lições!

° O diário de Habacuque nos ensina que Deus está atuante na sua criação. Ele não está de olhos fechados para as injustiças que ocorrem. Como um Deus justo, Ele preparou, da sua forma, um meio para punir todos quantos vivem em pecado. Com isto, não há necessidade de desespero quando vemos injustiças, nem muito menos de descrença na atuação divina.

° A segunda lição que este livro nos dá é que devemos ter cuidado com a forma como andamos. Nem os pecados de Judá e nem os da Babilônia passaram despercebidos diante de Deus. Ambos foram punidos. Quando pecamos, devemos buscar o arrependimento e andar em fidelidade com Deus.

° Por fim, aprendemos com Habacuque que, apesar das circunstâncias desfavoráveis, o justo- o que vive pela fé- pode alegrar-se no Deus de sua Salvação (3:18). Da próxima vez que se encontrar em dificuldades, lembre-se desta verdade.

Conclusão: Quem poderia imaginar que um livro de nome tão estranho, Habacuque, pudesse responder a uma pergunta tão conhecida? Deus pune todos quantos vivem na prática do pecado, independentemente do tempo e da forma empregada. Duvida disto? Então, continue vivendo na prática do pecado, e mais cedo ou mais tarde, de uma forma ou de outra, experimentarás a justiça divina.


Postado por José Roberto

terça-feira, 14 de outubro de 2008

O DESAFIO DA PREGAÇÃO NA PÓS-MODERNIDADE (parte 2)

Cedendo lugar ao Experimentalismo

O pressuposto filosófico do catolicismo é que a igreja detém a verdade. Graças a Deus, a Reforma tirou este pressuposto e o colocou na Bíblia, ou seja, a Bíblia detém a verdade, interpretada pelo crente regenerado pelo Espírito Santo. Sendo desta forma, Roma deixou de ter a palavra final em matéria de interpretação. Só que esta postura tem sido mudada pelo experimentalismo, que tem pulverizado a interpretação, colocando a palavra final não mais na Bíblia, mas no crente, isto é, o crente detém a verdade. A qual, não mais vem da Bíblia, e sim, através de sonhos e interpretações na base de “o Senhor me revelou”. Há aqueles que não se importam para o que a Bíblia diz, pois, segundo as mesmas, elas conversam pessoalmente com Jesus. Em seus cultos não há mais espaço para a pregação da palavra, pois cada um tem um “Testemunho” ou uma “revelação” que recebera a noite anterior, e assim se dá mais importância e valor às experiências do que na Palavra de Deus propriamente dita. A diversidade de interpretações, até mesmo aquelas aberrações, partem da seguinte frase: “O Espírito me falou” ou “Deus me revelou”, essas são expressões comuns para que os ouvintes não tenham dúvidas nenhuma de que tal “irmão”, de fato, teve uma revelação. Os que defendem este tipo de comportamento, dizem que Deus ainda se revela a nós da mesma forma como Ele fazia no Novo e Velho Testamento, ou seja, através de sonhos, visões, revelações e até por manifestações miraculosas do Espírito Santo.

Nada nas Escrituras indica que as coisas que aconteceram na era dos profetas e apóstolos deveriam ocorrer em eras subseqüentes. Nem a Bíblia exorta o crente a buscar manifestações miraculosas do Espírito Santo. Em todas as epístolas neotestamentares, há apenas cinco ordens relacionadas aos crentes e ao Espírito Santo, as quais são:

1. “ não apagueis o Espírito” (I Tes. 5:19)
2. “Andai no Espírito” (Gl. 5:25)
3. “Orai no Espírito” (Judas 20)
4. “Enchei-vos do Espírito” (Ef:5:18)
5. “Não entristeçais o Espírito” (Ef. 4:30)

Como se pode ver, não há no Novo Testamento nenhuma ordem para buscar visões, revelações ou milagres miraculosos do Espírito Santo. Não estou dizendo que o Espírito Santo não realiza nenhum feito miraculoso, Ele o faz, e o maior deles é convencer o mundo do pecado, da justiça e do juízo, e fazendo isto, muitas almas têm sido miraculosamente salvas da perdição eterna. É claro que há pessoas que foram e ainda são curadas pelo poder de Deus, mas o que se ver nestes lugares são coisas que vão contrárias a palavra de Deus, e a pregação de Sua palavra está cada vez mais sendo esquecida nos púlpitos das igrejas.

Bem falou Lutero quando escreveu, a quase quinhentos anos atrás: “Quão horrível é ser um pastor e pregador e não pregar a palavra que é o maior e único dever e obrigação. Quão sério será para eles prestar contas por muitas almas que devem perecer pela falta de pregação na igreja”.

Temos que ter muito cuidado para que não caiamos neste perigo: o de dá margem para essas coisas em nossas igrejas em detrimento da Palavra.
Postado por Elias Lima

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

DISCURSO SOBRE A AMIZADE I: DO PRINCÍPIO DA CONSTÂNCIA[1]


“Em todo tempo ama o amigo e na angústia se faz o irmão”[2], afirma o sábio em um dos seus provérbios, ressaltando a importância do princípio da constância para a amizade. A passagem não é uma ordenança para que alguém ame seu amigo, mas uma constatação de que o amigo ama em todo tempo. Em outras palavras, o texto deixa claro que é a constância que caracteriza a verdadeira amizade. Os que são verdadeiramente amigos se comprazem com a perpetuação desse laço que os une. A amizade possui dentro de si o impulso para a durabilidade. Sendo assim, o tempo não representa um problema para ela. Pelo contrário, ele serve para fortalecer e trazer maturidade ao relacionamento. C. S. Lewis tem razão ao afirmar que a amizade é o mais humano dos amores. Entretanto, ele deixou de notar o seu caráter paradoxal. Ao mesmo tempo em que conserva uma vívida dimensão humana, ela também é dotada de um caráter divino. Estranhamente, ela pode ser definida como mais humano e o mais divino dos amores. Por conta desse segundo distintivo, de todos, ela é o que possui maior propensão para a durabilidade. Em outras palavras, a amizade é a forma de amor que mais se relaciona com o princípio da constância. A Afeição, dado o seu caráter simples, é tendencioso a desaparecer diante de amores mais complexos, o Eros está ligado ao apetite sexual, de natureza bastante instável. Além disso, ele não terá lugar na nova criação, fato que pode ser notado em relação à Caridade. Para que a caridade exista é necessário que existam pessoas carentes, algo inconcebível em um mundo renovado e habitado por seres perfeitos.

A relação entre a constância e amizade justifica-se pela própria origem dessa última. Ela é o mais primordial de todos os amores. De fato, não seria exagero afirmar que era um misto de amizade e comunhão que marcava o relacionamento entre as pessoas da Trindade na eternidade. Antes de Deus criar o mundo, essa era a única forma de amor que existia. O amor entre as pessoas da Trindade não poderia ser a Afeição porque essa forma de amor é comumente dispensada a um objeto inferior. Além disso, quem o dispensa, dispensa-o em uma medida inferior aquela que dedica a si mesmo, algo inconcebível para Deus. Também não poderia ser o Eros, uma vez que seria absurdo que Deus fosse dotado de apetite sexual. Além disso, excetuando a encarnação de Cristo, as pessoas da Trindade não possuem corpos materiais. Por fim, esse amor não poderia ser a Caridade, já que este exige um objeto carente, e seria igualmente absurdo que um Deus onipotente tivesse carência de qualquer coisa. Assim, nutrir uma amizade sincera por alguém significa nutrir o mais primordial de todos os amores, o amor que esteve em Deus desde a eternidade, significa se afetado pela única forma de amor que possui uma centelha do infinito dentro de si. Isto não significa que a amizade entre os homens não esteja sujeita aos maiores revezes e conflitos. Deve sempre ser lembrado que é só em um ser infinito que a constância se transforma em imutabilidade. Além disso, são homens imperfeitos vivendo em um mundo marcado pelo pecado que vivenciam esse tipo de amor. Nesse ponto, o conselho deixado por C. S. Lewis é salutar. Nas suas palavras, “a amizade é até mesmo angélica, por assim dizer. Mas o homem precisa estar triplamente protegido pela humildade para comer o pão dos anjos sem risco”[3]. É justamente por ser uma das formas mais elevadas de amor que a amizade possui exigências mais rigorosas. Exigências que só podem ser cumpridas em sua plenitude em um mundo de seres perfeitos. O que não significa que a amizade não deva ser buscada a cada instante neste mundo imperfeito.

O princípio da constância apresentado no provérbio de Salomão nos mostra que a verdadeira amizade resiste ao tempo. Mas também é claro no texto que ela resiste à adversidade. A expressão “na angústia se faz o irmão” parece confirmar esse fato. Novamente, a adversidade não destrói as verdadeiras amizades. Na verdade, o texto deixa explícito que ela serve para fortalecer e intensificar o laço entre amigos. O amigo que participa dos momentos de angústia de outrem se torna mais e mais familiar. É na adversidade que as amizades têm a sua veracidade comprovada. Esse é um ensinamento social antiqüíssimo. “É a tempestade que comprova a resistência dos barcos”, diziam os antigos gregos para se referir à amizade. Um outro adágio de natureza incerta, repetido por Cícero em seu Diálogo, afirmava que “não é possível dizer que duas pessoas são amigas, sem que antes elas tenham comido muitos alqueires de sal”[4].

A importância que os escritores antigos deram à constância na amizade pode ser vista nas inúmeras críticas tecidas aos falsos amigos. Teognis, por exemplo, afirmou que poucos são os amigos que estão dispostos a enfrentar situação de perigo por seu companheiro, e que tenham animo para tomar parte tanto dos seus bens quanto dos seus males[5]. Demócrito acrescenta que, “na fortuna, é fácil encontrar um amigo, mas no infortúnio é a coisa mais difícil”[6]. Epiteto emprega a metáfora de dois cães para criticar a falta de constância nas amizades. Segundo ele, dois cães parecem os melhores amigos do mundo, até que um osso é lançado no meio deles. Assim, é a amizade entre muitas pessoas. Demonstram ser amigas, mas quando surge qualquer motivo de disputa entre elas, transformam-se nos maiores inimigos. “Um pouco de ouro serve para mostrar como é frágil a amizade de alguns”[7], afirma Cícero em seu Diálogo. No livro de Provérbios, a crítica em relação às amizades inconstantes também está presente. Segundo as palavras do sábio, “as riquezas multiplicam os amigos, mas, ao pobre, o seu próprio amigo o deixa”[8]. Embora as críticas sejam diversas, o seu objetivo é apenas um: mostrar a importância do princípio da constância no relacionamento entre amigos.

O sofrimento de um dos amigos torna amizade mais sensível. Não há dúvida que os momentos de alegria servem para estabelecer vínculos de amizade, mas é nos momentos turbulentos que esses laços são postos à prova e fortalecidos. A dor aproxima os amigos. A razão disso é bastante simples. Como a amizade caracteriza-se por uma identificação, os amigos vêem no sofrimento de outrem o seu próprio sofrimento. Como Cícero costumava afirmar, “o verdadeiro amigo vê o outro como uma imagem de si mesmo”[9]. Quando a amizade é sincera, a dor de um amigo sempre afeta seu companheiro. É por esta razão que os verdadeiros amigos, diante da adversidade e do sofrimento, sempre demonstram prontidão para aliviar a dor do seu companheiro. Eles sabem que aliviar a dor do outro, de alguma forma, significa aliviar a sua própria. Mas esse princípio possui uma outra implicação, uma implicação bastante confrontadora. Não é amigo aquele que não sente as fibras nervosas perturbadas, a voz tremular, o peito apertado e a angústia invadindo seu ser diante da adversidade do seu companheiro. Os amigos se encontram um no outro, principalmente no momento da angústia. Certamente, esse princípio tirará o sono de muitos cristãos sinceros. É possível que muitos tenham que reduzir pela metade a sua lista de amigos. Descobrirão com certa frustração que muitos daqueles que eles consideravam amigos íntimos não passam de meros conhecidos, para empregar o sentido coloquial do termo. Assim, o sofrimento funciona como uma espécie de prova para a amizade. Deixar o amigo sozinho na dor é um sinal claro de reprovação. Mas é possível estar com o amigo e não estar com sua dor, é possível estar em sua angústia, mas não estar com sua angústia. Esta é uma reprovação não menos criticável que a anterior. Tanto a fuga quanto a simulação atentam contra a constância da amizade, e, por conseguinte, desvirtuam a essência do mais primordial dos amores.

Certamente, alguns poderão dizer que a incapacidade de fazer amigos representa o maior perigo para a amizade. O próprio Demócrito já afirmava que “não merece viver quem não tem um só amigo”[10]. Contudo, essa opinião admite objeção. É possível afirmar que esse não representa o maior perigo para a amizade. De fato, a incapacidade para fazer amigos nem representa um problema para a amizade, uma vez que esta ainda não existe. Para ser mais preciso, ela representa um problema muito mais para a natureza social do homem do que para a amizade em si. Sendo assim, o maior perigo para a amizade não é a incapacidade para fazer amigos, mas a incapacidade de conservá-los. Certamente, o indivíduo que procura isolar-se do convívio social comete uma atitude digna de censura. Todavia, aquele que não é capaz de manter nenhum amigo, comete um ato não menos desprezível. No fundo, é menos censurável não querer usufruir da amizade do que desfrutá-la sem querer levar em consideração os princípios que a regem. Na república da amizade, o bárbaro afastado é menos danoso do que o cidadão rebelde. Para citar novamente Demócrito, “aquele a quem os amigos a toda sorte não perduram, tem temperamento difícil”[11].

Há pessoas que encontram as justificativas mais banais para finalizar uma amizade. Algumas por que descobriram que o amigo traja roupas diferentes, outras porque perceberam que ele não gosta do seu programa favorito. Levados por essas trivialidades, tais pessoas não conseguem manter um relacionamento por mais de uma semana. Alegam problema de temperamento ou dizem que foram vítimas de intrigas. O fato é que elas desconhecem a natureza da verdadeira amizade. Já foi falado que a amizade possui um caráter paradoxal. Ela é, ao mesmo tempo, o mais humano e o mais divino dos amores. Contudo, ela comporta uma outra ambigüidade. Ela é igualmente marcada pela semelhança e pela diferença. Ela comporta a semelhança porque não é possível existir amizade sem uma identificação entre os amigos. Não obstante, em virtude da natureza individual de cada amigo, ela admite igualmente a diferença. A amizade é, portanto, uma relação de identificação que admite a contrariedade. De fato, na amizade verdadeira, até mesmo a contrariedade gera a harmonia. Os que deixam de considerar esse princípio fundamental são aqueles que não estão preocupados em conservar seus amigos e usam estranhos argumentos para justificar sua falta.


Notas:

1. Esse artigo é uma adaptação de uma monografia intitulada Considerações sobre a amizade em Provérbios. Foram selecionados os pontos essenciais desse trabalho, que serão publicados em quatro postagens no blog ARETE5.

2. Pv. 17:17.

3. LEWIS, C. S. Os quatro amores. São Paulo: Martins Fontes, 2005. 123.

4. CÍCERO. Diálogo sobre a amizade. (Versão para ebook). Disponível em <http://www.ebooksbrasil.com/> (Acessado em 15 de novembro de 2007).

5. TEOGNIS. In: Líricos griegos: elegíacos y yambógrafos. Vol. II. Barcelona: Ediciones Alma Máster S. A., 1956. p. 173.

6. DEMÓCRITO. Pré-socráticos I. In: Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973. p. 136.

7. CÍCERO. op. cit. p. 44.

8. Pv. 19:4.

9. CÍCERO. op. cit. p. 21.

10. DEMÓCRITO. op. cit. p. 334.

11. DEMÓCRITO. loc. cit.


Postado por J. Marques