quarta-feira, 23 de julho de 2008

Jonas, uma radiografia da igreja moderna (1ª Parte)

Jonas, uma radiografia da igreja moderna (1ª Parte)
Jonas 1

Ler Jonas é fazer uma bateria de exames na igreja cristã moderna. O herói do livro lembra bastante as histórias proféticas em 1 e 2 reis que enfocam Elias, Eliseu e outros, contudo deixa a desejar no aspecto da obediência que aqueles demonstraram. O gênero literário pode ser classificado como uma novela ou um conto. Não negamos, contudo, a veracidade e inspiração do livro; apenas cremos que o autor sagrado escolheu essa forma literária para registrar o fato histórico.
Jonas, filho de Amitai 1.1. é certamente uma referência ao profeta do século VIII do reino do norte, descrito de passagem em 2 R 14:25 como um profeta popular que, no contexto do pecado do rei israelita, proclama misericórdia divina e apoio para aquele reino, enquanto Amós nada tinha, exceto criticas, ao seu reinado.
O nome Jonas, filho de amitai, significa “pombo, filho da verdade”. Na bíblia hebraica, essa ave tem duas características: a. afugentada busca refúgio nas montanhas – Ez 7:16, Sl 55:6-8; b. geme e se lamenta quando atormentado – Naum 2:7; Is. 38:14; 59:11.
A história de Jonas começa com a ordem divina de pregar em um país que era considerado inimigo ferrenho de sua pátria. O herói foge para zelar sua honra e seu senso de patriotismo. Deus o encontra no meio de sua fuga e ensina que é impossível esconder-se dEle. A principal preocupação de Deus é com pessoas e não com o nome de um país que era tão mal quanto aquele que não o conhecia.
Deus valoriza a obediência mais que o culto. Em 2 Sm 15:22-23 diz que “obedecer é melhor que sacrificar”. Deus manda adorar, mas também como adorar. Por isso, de nada adianta sacrificar, adorar na igreja, prestar culto e cumprir os regulamentos da religião se o coração não tem disposição para obedecer verdadeiramente as demais ordens dEle.
A maioria dos crentes só obedece a Deus naquilo que não interfere em suas preferências. Se a ordem de Deus passa por cima dos seus interesses então logo descarta. Assim, é comum ver crentes que não vão ao culto porque não gostam “daquele” culto; ou porque já tem atividades demais na igreja ou ainda porque estão muito cansados; Porque não gostam desse ou daquele pastor; Alguns evangelizam somente um tipo de pessoa, pois julgam que outros não podem se converter ou até que não são merecedores da graça de Deus; enfim, há muitas formas de valorizar as preferências acima da ordem de Deus.
Deus deve ser obedecido não levando em consideração o gosto e preferências do homem pecador, mas porque Ele merece ser obedecido. A história de Jonas exemplifica essa verdade.

A descida para o mundo dos mortos.

A ordem divina surpreende o leitor e muito mais o profeta, pois era inédito proclamar uma mensagem ou denúncia a um povo estrangeiro fora das fronteiras israelitas. Jonas é chamado a levantar-se e clamar. Ele por sua vez levanta-se para fugir. Uma relutância típica dos profetas, como Jeremias (1:6) ou Moisés. O que difere dos outros é que sua fuga é da presença do Senhor.
Os profetas eram tidos como criados/mensageiros que deveriam estar na presença do seu senhor (cf. 1 Rs 17:1), Assim como os servos dos reis (e.g. Neemias 2:1-2). Dessa forma a fuga de Jonas é tão ofensiva a Deus.
Nínive e Társis são antípodas/contrastes geográficas. Nínive, a leste é mais tarde a nação que destruiria seu povo – as dez tribos do reino norte. Os assírios eram conhecidos por sua força e crueldade. É a representação do mal antitético à vontade de Deus. Társis ficava em alguma parte do oeste distante e é um lugar onde Javé não é conhecido (Is 66:19). Jonas vê Társis como um refúgio para além do domínio de Javé. Visto que Javé é o criador todo-poderoso, ele situa Társis nos confins do mundo, onde a morte e o caos começam. Para Jonas, Társis pode paradoxalmente representar um lugar agradável e seguro na borda da não-existência.
O narrador descreve a fuga do profeta como uma série de descidas – yarad. Ele desceu a Jope, ao navio e ao fundo do navio. Depois dormiu profundamente, que também tem raiz em yarad. Na sua oração ele descreve seu ingresso no mundo dos mortos – xeol – 2:2-9. A fuga de Jonas da presença de Javé é como uma descida até o mundo inferior.
O termo hebraico yarketei hasefina v 15 – “fundo do navio” – é um contraste como yarketei tsafon ou monte Sião no salmo 48, o refúgio final para Israel contra as nações atacantes. Em Isaias 14:12-19 yarketei é descrito como sendo o poço/abismo onde lúcifer foi jogado – v 15.
Desobedecer a Deus é descer gradativamente ao mundo dos mortos. Lição que foi difícil Jonas compreender, e ainda continua na igreja e no mundo, de modo geral. Milhares de pessoas ainda fazem como Jonas preferem pagar sua passagem e embarcar no expresso yarketei hasefina do que cumprir a vontade estabelecida por Deus.

O encontro com um Deus irado

Deus envia uma tormenta. O salmista diz que ele tem ventos em depósitos (135:7). Ele ajunta os ventos em suas mãos (Pv 30:4). A desobediência sempre traz tempestades dentro da alma, da igreja, da família e da nação.
A tempestade prevalece até o ponto de ameaçar a segurança do barco. A tripulação estava alarmada pelo poder da tempestade, mas Jonas era a única pessoa despreocupada (v 5). Eles estavam com medo. Deus fez que grandes homens e o capitão procurassem socorro. Eles clamaram cada um ao seu Deus. Da mesma forma, muitos não lembram de orar até estar numa situação difícil. “Ao seu próprio deus” i.e. deuses dos países, cidades ou tutelares, padroeiro. Todos acreditam em alguma coisa superior, especialmente quando não existe forças físicas para responder ou atender as necessidades concretas (Is 8:19).
A atividade frenética dos marinheiros salienta a inatividade de Jonas. Uma paralisia da fé. Quando argüido da sua atividade ele omite toda a sua confissão de desobediência. A piedade de Jonas em temer Javé é contrastada com a piedade dos marinheiros – v 16. Como é possível escapar do Deus que criou os céus e o mar, embarcando para o alto mar?

O capitão e a tripulação são retratados com bastante simpatia. Em contraste com Jonas eles empregam todos os meios para continuar vivos: oram aos seus deuses, abandonam as cargas, tiram sortes. Sabem que seus destinos estão nas mãos de alguém maior que eles (v 14). Eles fazem de tudo para salvar a vida de Jonas: o capitão manda-o levantar-se, os marinheiros tentam voltar para a terra firme. Ao descrever a morte Jó diz: “jaz porém o homem e não pode levantar-se, os céus se gastariam antes de ele despertar ou ser acordado de seu sono” 14:12; “assim quem desce ao Xeol não subirá jamais. Não voltará para sua casa” 7:9-10. A ordem do capitão ecoa a ordem divina: levanta-te e invoca o teu Deus. Os marinheiros tentam levar o barco para a terra seca, terra dos vivos.

A hora do julgamento.

O mestre do navio chamou Jonas para orar ao seu deus e se preparar para a vida ou para a morte. Aqueles que dormem na tormenta podem bem ser argüido a se justificar.
Levanta-te, clama o teu Deus – a devoção dos descrentes deve impulsionar a igreja orar. Em tempos de desastres públicos a igreja deve buscar o trono da graça para um bem comum.
O capitão do navio falou de um deus e não vários deuses; cada um clamava ao seu próprio deus, mas ele sabia que somente um poderia responder. Enquanto estivessem vivos, havia uma esperança, e enquanto houver esperança haverá uma sala para oração.
Eles resolveram lançar sortes, pois nenhum deles tomava a iniciativa de declarar algo errado que tivesse feito para desagradar o seu deus. Mas cada um suspeitava um do outro. Os criminosos nunca confessam seus crimes até que não vêem mais desculpas! Então a sorte cai sobre o profeta. É muito provável que naquele navio havia pecadores maiores que Jonas, no entanto a tempestade era por causa do profeta.
O aparente cuidado de Jonas pela vida dos marinheiros no verso 12 deve ser contrariado com o desejo inconsciente de Jonas estar descendo para o mundo dos mortos, um afastamento direto e uma descida do cume da vontade de Deus. Deus manda um grande peixe engolir o profeta rebelde. Nunca o verbo engolir possui uma conotação positiva. Coré e seus seguidores foram engolidos pela terra/Xeol, bem como faraó e seus carros pelo mar – Nm 16:28; Ex. 15:12.
Fim do primeiro ato. O herói é jogado ao mar e engolido por um grande peixe. O profeta vai descrever sua experiência como sendo a de ter sido sepultado vivo. O preço da desobediência sempre é alto. O pecado de Jonas levou-o em uma descida para o mundo dos mortos, e é sempre assim, o pecado jamais nos aproxima de Deus.

Leituras sugeridas

Alter, Robert e Kermode, Frank. Guia literário da Bíblia.
Bíblia Hebraica Stuttgartensia.
Henry, Mathew. Mathew Henry´s Commentary on the whole bible. Vol IV.

Pr. Francimar lima

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