quarta-feira, 30 de julho de 2008

POR QUE SOFREMOS?


INTRODUÇÃO

Quando nos deparamos com a dolorosa experiência do sofrimento, este é, sem dúvida, o último questionamento que vem às nossas mentes. Seja a dor física causada por uma enfermidade ou acidente, ou a dor emocional causada pela perda de um ente querido, o que menos queremos é refletir acerca deste assunto. Na maioria das vezes, procuramos encontrar um “bode expiatório”, no qual possamos lançar a culpa pela nossa dor. Deus é sempre o “bode expiatório” predileto das pessoas. “Por que Deus permite que eu passe por este sofrimento”? De uma forma mais filosófica, “como um Deus que é, ao mesmo tempo, sumamente bom e todo-poderoso, pode permitir o sofrimento de suas criaturas?” A aparente impossibilidade de responder a esse questionamento, tem levado alguns à negação da existência de Deus, desde os tempos antigos. Epicuro foi o primeiro a questionar a existência de Deus com base nesse argumento. O sofrimento, aliado a ausência de uma resposta que o justifique, tem levado muitas pessoas ao desespero. A esta altura, talvez o leitor desse artigo faça o seguinte questionamento: “E que sofrimento não conduz ao desespero”? Mesmo sendo difícil, é possível evitar o desespero diante do sofrimento. Em outras palavras, é possível manter o equilíbrio mesmo quando dói. Para isto, é necessário que compreendamos duas verdades básicas acerca do sofrimento.

1. QUEM É O CULPADO PELO NOSSO SOFRIMENTO?

A primeira coisa que precisamos entender é que Deus não é o culpado pelo nosso sofrimento. Um Deus bondoso, jamais poderia alegrar-se com a dor de suas criaturas. A não ser que queiramos acreditar em uma espécie de “deus-escorpião”, que sente prazer em cravar seu peçonhento ferrão em sua fêmea. A Bíblia nos ensina que Deus criou o homem para experimentar a felicidade perpétua, colocando-o em um lugar onde não existia o mal, o sofrimento e a dor. Entretanto, o homem decidiu voluntariamente renunciar a felicidade que Deus lhe propusera ao violar a determinação divina. Sendo assim, o homem é o responsável direto pelo seu próprio sofrimento, foi ele quem rejeitou a sua felicidade (ler Gênesis 3). Mas o que dizer das catástrofes naturais? Na verdade, a maioria das catástrofes naturais são causadas por homens particulares. A natureza reage de forma violenta contra os maus tratos que recebe desses homens. Aquelas catástrofes que não podem ser atribuídas a homens particulares, são atribuídas ao homem em geral por conta do seu pecado. O pecado de Adão, representante da humanidade, também trouxe conseqüências drásticas para o mundo natural, a sua transgressão também afetou o equilíbrio da perfeita natureza criada por Deus. Mas há uma última objeção a essa idéia: o que dizer do sofrimento enquanto um mecanismo divino para a punição dos homens? Na verdade, essa punição é a justiça de Deus em virtude dos atos pecaminosos do homem. Se não concebermos a idéia de um Deus que pune o culpado e inocenta o justo, seríamos também obrigados a suprimir a própria idéia de Deus e a idéia de justiça. Eliminar a idéia de justiça seria ir contra todos os grandes códigos éticos da história. Mas Deus não poderia administrar a sua justiça sem a necessidade do sofrimento? A resposta pode ser afirmativa. Deus poderia exercer sua justiça sem a necessidade do sofrimento em um mundo onde não existisse o pecado. O homem, em sua maldade, não aceita sem resistência a justiça de Deus, e esta tensão é a própria essência do sofrimento. Para usar as palavras de C. S. Lewis, “abdicar de uma vontade própria inflamada e intumescida por anos de usurpação, é um tipo de morte”. Em um mundo onde a vontade do homem pudesse se harmonizar com a divina, Deus poderia exercer sua justiça sem a necessidade de infligir nenhum sofrimento ao homem.

Portanto, é um equívoco atribuir todo o sofrimento humano a Deus, como se ele fosse o monstro malvado dos contos infantis que se diverte em atormentar as criancinhas inocentes. Na verdade, o sofrimento ou é causado pelo homem em sentido particular, ou pelo homem em geral. Os casos em que Deus causa o sofrimento do homem, é uma justa recompensa pelos seus atos.

2. POR QUE DEUS PERMITE O SOFRIMENTO?

Se Deus não é o responsável pelo sofrimento, por que Ele permite a sua existência? E ainda, por que pessoas aparentemente tão boas passam por sofrimentos tão terríveis? Para respondermos a estas perguntas podemos recorrer ao exemplo do apóstolo Paulo. Até mesmo o grande missionário cristão teve que se deparar com a dolorosa experiência do sofrimento (II Coríntios 12:7-10). Diante da sua dor, a qual ele denomina “espinho na carne”, em um primeiro momento, o apóstolo roga ao Senhor que o liberte de seu sofrimento. Não obstante, Deus faz com que Paulo entenda o propósito daquele sofrimento. Se um Deus justo e bom permite o sofrimento, é lógico pensar que ele tem um propósito para essa experiência dolorosa. No episódio do apóstolo é possível alistar pelo menos quatro propósitos divinos diante do sofrimento.

2.1. Para conservar sua humildade

Em primeiro lugar, Deus permitiu que Paulo vivenciasse aquele estado doloroso para conservar a sua humildade, para que ele não se ensoberbecesse. Conforme o relato bíblico, Paulo havia tido uma visão singular da glória divina. em suas palavras, ele havia sido arrebatado até o terceiro céu. A excelência do conhecimento do qual ele desfrutara poderia despertar a sua soberba, o apóstolo poderia se considerar o mais exaltado de todos os homens por ter experimentado essa magnífica revelação. Sabendo disso, Deus lhe concedeu um espinho na carne, um sofrimento para conservá-lo humilde.

Isto é válido ainda hoje. Deus permite o sofrimento na vida de muitas pessoas para que elas possam reconhecer a sua soberba. Soberba que está, principalmente, no ato de desprezar o autor da vida eterna e viver como se Ele não existisse. Deus deseja que sejamos humildes, reconhecendo a fragilidade de nossa existência e a necessidade de buscarmos e dependermos Dele.

2.2. Por causa da sua graça suficiente

Diz-se que um homem é justo se ele comete atos de justiça, que ele é amoroso porque pratica ações que expressam amor, que é gracioso porque é possível ver em suas ações traços que expressam essa virtude. Ou seja, não é possível atribuir ao homem nenhuma dessas virtudes sem que antes ele tenha praticado ações que possam comprová-las. Esse princípio não se aplica a Deus, uma vez que ele é justo-em-si, amororoso-em-si, gracioso-em-si. Para resumir em uma expressão, Ele é o todo-virtuoso-em-si. Isso significa que Deus é gracioso antes mesmo de praticar qualquer ato gracioso para com o homem, ou para com qualquer outro ser criado. Para ser ainda mais preciso, Ele é gracioso mesmo quando concede o contrário daquilo que o homem lhe pede. O grande problema é que muitos acreditam em uma falsa imagem de Deus: a imagem do deus-de-circo, o deus-palhaço que procura unicamente divertir a platéia, um deus que faz tudo para provocar o riso dos ouvintes. Para sustentar a histeria das gargalhadas, ele cede a todos os apelos do público. Guiados por essa imagem enganosa, muitos são levados a renunciar o em-si de Deus. Só conseguem associar a idéia do deus-bom ao recebimento de determinados benefícios. Elas são incapazes de contemplar o Deus que é, pois a imagem do Deus que dá lhes ofuscou a visibilidade espiritual. Na verdade, eles estão mais preocupados com a dádiva do que com o doador. Com isso, a graça suficiente transforma-se em graça providente.

O exemplo do apóstolo é singularmente instrutivo. Ele nos faz repensar o Deus-em-si, o Deus suficientemente gracioso, mesmo antes de nos conceder qualquer dádiva, ainda quando nos concede o contrário daquilo que lhe pedimos. Infelizmente, para muitos, a graça de Deus só é bastante quando aparece na companhia de um benefício visível, um benefício que possa despertar o riso.

2.3. Por causa do seu aperfeiçoamento

Deus permitiu o sofrimento do apóstolo visando o seu próprio aperfeiçoamento. Mas um Deus que nos aperfeiçoa por meio da dor, não é um Deus cruel, um sádico que se deleita com o sofrimento dos outros? Certamente, a análise desse questionamento demanda muito mais tempo em virtude de sua complexidade. Seja como for, a sua resposta é negativa. Lembremo-nos que Deus não é o responsável direto pelo sofrimento, além disso, a lição que ele tem a nos ensinar é superior ao próprio sofrimento. No exemplo de Paulo, o apóstolo aprendeu que a sua força estava em reconhecer a sua fraqueza. Ao reconhecer a sua fraqueza, ele percebe a necessidade de pôr sua dependência e confiança unicamente em Deus. Se Deus é bondoso como acreditamos e permite o sofrimento em nossas vidas, com certeza, ele tem uma lição bastante elevada a nos ensinar. Quando descobrirmos isto, a nossa reação diante do sofrimento será diferente.

Dentro da ética cristã, só se faz forte aquele que antes se faz fraco. Em outras palavras, o forte é aquele que reconhece a sua fraqueza. Quando pensamos em personagens bíblicos que possam tipificar a força e o poder, nos vêm à mente nomes como Davi, que destruiu o gigante Golias com sua funda, ou Sansão, aquele que matou mil filisteus com uma queixada de jumento. Dificilmente pensamos em José. O preferido de Jacó não foi um guerreiro poderoso, não afugentou exércitos inimigos, não há relatos que ele tenha enfrentado gigantes, ou destruído leões com as próprias mãos. Talvez a cena mais marcante que conservamos dele é aquela em que ele está fugindo com medo de uma única mulher. No entanto, esse frágil rapaz é uma expressão muito mais completa do homem forte. Davi não reconheceu a sua fraqueza e cometeu crimes terríveis, Sansão cometeu o mesmo erro e foi destruído. Mas José permaneceu firme porque reconheceu a sua fraqueza.

2.4. Por causa da sua felicidade

Deus permitiu que o apóstolo vivenciasse o sofrimento visando a sua felicidade, seu contentamento. Não seria contraditório associar a felicidade ao sofrimento? Se considerarmos que existem vários graus de prazeres, vários tipos de felicidade, a resposta é negativa. Há prazeres de duração permanente e prazeres de duração momentânea. Estes últimos são, quase sempre, falsos prazeres que, quando desfrutados, nos impedem de desfrutar prazeres superiores. O próprio Epicuro reconhecia esta verdade ao distinguir os prazeres em repouso dos prazeres em movimento. Para o filósofo grego, era necessário evitar os primeiros para desfrutar da segunda classe de prazeres. Para muitas pessoas, o sono das primeiras horas da manhã é algo extremamente prazeroso. Contudo, uma pessoa que foi aconselhada pelo médico a realizar caminhadas matinais, terá que abrir mão desse prazer em virtude de um prazer maior que é a sua saúde.

Entretanto, a questão nem sempre é tão simples como no exemplo acima. Há muitas pessoas que desejam desfrutar os prazeres inferiores. Quando a sua vontade não é satisfeita, elas sofrerão pela não satisfação desse anseio. Elas não conseguem perceber que a não satisfação de um determinado prazer, embora traga um sofrimento momentâneo, será o caminho para que ele desfrute de prazeres muito mais elevados. Fato que aumenta ainda mais o seu sofrimento. De um sofrimento momentâneo, Deus pode criar uma felicidade permanente. Foi reconhecendo esta verdade tão profunda que o apóstolo declarou: “pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas angústias”. Mas esta não é uma atitude masoquista da parte de Paulo? Seria, se a fonte da felicidade do apóstolo fosse o sofrimento. Entretanto, ele mesmo reconhece que a fonte da sua felicidade é o amor de Cristo. Ou seja, ele não se compraz com o sofrimento, mas no sofrimento. Esta é, sem dúvida, uma grande verdade: por mais contraditório que possa parecer, é possível ser feliz mesmo em meio ao sofrimento. Temos dificuldade de aceitar esta verdade porque a cultura do prazer, na qual vivemos, imprimiu em nós a falsa idéia de que a felicidade é a ausência de todo e qualquer sofrimento. Movidos por um hedonismo barato somos levados a conceber o estado de felicidade como uma antítese absoluta do sofrimento. Mas essa é uma questão que poderá ser desenvolvida em uma outra oportunidade.

CONCLUSÃO

Vivemos em um mundo onde o sofrimento é uma realidade. Mas temos um Deus bondoso, um Deus que age mesmo diante do sofrimento, podendo transformá-lo em bem para o homem. Infelizmente, o próprio bem também é um conceito que tem sido bastante deturpado. O fato é que precisamos confiar em Deus, confiar mesmo quando dói. Quando isto acontece, até podemos ser feridos pelo sofrimento, mas jamais seremos feridos pelo desespero.


* Nota: O leitor desse artigo perceberá sem maiores esforços que ele não apresenta um estudo detalhado sobre as várias modalidades de sofrimento existentes no mundo. Na verdade, o objetivo do autor era apenas fazer algumas considerações muito gerais sobre o assunto. Quem desejar uma discussão mais aprofundada sobre o tema, poderá consultar a obra O problema do sofrimento de C. S. Lewis, publicada pela editora Vida.
Postado por J. Marques

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