quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Orando Com Fé!

INTRODUÇÃO

Atualmente são ouvidos os nítidos gritos dos pregadores do evangelho da prosperidade, alegando que muitas pessoas ainda não estão rodeadas de bens porque não têm orado com fé. Para eles a oração com fé é a garantia irrefragável de que tudo o que uma pessoa pede a Deus há de receber. Chegam ainda a dizer que a maioria das enfermidades é resultado da falta de fé.

Pode-se concordar com tudo isso ou o evangelho da prosperidade está sustentada em solo frágil? Na verdade a pergunta a se fazer neste ponto seria Jesus em algum momento de sua vida ensinou acerca disso em discurso direto ou mesmo em alguma situação que tenha passado em sua vida? Quando Cristo falou sobre a relação entre oração e fé foi semelhante ao que é pregado pela prosperidade?

Não há espaço aqui para tratar todos os textos dos quais podem ser tiradas algumas lições acerca do assunto em pauta. Porém, quando se trata da relação entre oração e fé um texto se apresenta de forma brilhante. A narrativa feita pelo evangelista Mateus do diálogo entre Jesus e a mulher cananéia, como tem sido conhecida, apresenta um conceito bem interessante sobre a relação entre oração e fé. Este texto, portanto, pode responder os questionamentos supracitados.


TEXTO BÍBLICO - Mateus 15:21-28

Partindo Jesus dali, retirou-se para os lados de Tiro e Sidom. E eis que uma mulher cananéia, que viera daquelas regiões, clamava: Senhor, Filho de Davi, tem compaixão de mim! Minha filha está horrivelmente endemoninhada. Ele, porém, não lhe respondeu palavra. E os seus discípulos, aproximando-se, rogaram-lhe: Despede-a, pois vem clamando atrás de nós. Mas Jesus respondeu: Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel. Ela, porém, veio e o adorou, dizendo: Senhor, socorre-me! Então, ele, respondendo, disse: Não é bom tomar o pão dos filhos e lançá-lo aos cachorrinhos. Ela, contudo, replicou: Sim, Senhor, porém os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos seus donos. Então, lhe disse Jesus: Ó mulher, grande é a tua fé! Faça-se contigo como queres. E, desde aquele momento, sua filha ficou sã.

Deve haver neste ponto um espaço para a elucidação do texto. Alguém poderia questionar se este texto está realmente falando ou ensinando sobre oração. É certo que o texto fala de fé, e segundo a avaliação do próprio Cristo esta era uma fé grande. Deve-se também desde já ser declarado que não é o propósito do presente artigo expor exaustivamente o texto, mas simplesmente ao ponto de responder os questionamentos feitos no inicio.

A oração é, segundo o conceito bíblico geral, dirigir-se a Deus como um ato de adoração confiando a Ele as necessidades. Não é encontrada no texto em questão a palavra oração, contudo, a idéia, conforme anteriormente definida, é expressamente percebida na atitude da mulher cananéia dirigindo-se veementemente a Cristo, confiando a Ele as suas necessidades e expressando tamanha fé, ao ponto de despertar a admiração do próprio Cristo.

Não há a princípio uma base gramatical para afirmar que o texto aqui se trata de oração. Contudo, também não há necessidade de muito esforço para entender que o texto relata qualificadamente um ato de oração, além disso, deve-se admitir pela leitura do texto que a atitude da mulher cananéia em relação a Cristo é definidamente a atitude de alguém que dirige-se a Deus confiando-lhe suas necessidades, e isto é oração.

Alguém ainda poderia questionar o fato da mulher não ter um relacionamento genuíno com Deus por não pertencer à nação de Israel, “ao povo de Deus”, e, portanto, seu clamor não ser uma oração, pois, segundo o ensino bíblico Deus não ouve a pecadores. Contudo, em relação a isto, alguns fatos precisam ser considerados.

Primeiramente, o fato de uma pessoa não pertencer genuinamente ao povo de Deus não exclui a possibilidade dela orar, aqui não entra em mérito a questão de Deus ouvir ou não, mas a possibilidade da pessoa orar. Quando Deus não ouve (atende) não é porque a pessoa na orou, ou clamou, mas é porque alguma coisa está impedindo que Deus a atenda, no caso, a santidade de Deus repugnando o pecado, e isto, tanto em relação a uma pessoa que não é do povo de Deus, como também em relação a uma pessoa do povo de Deus que está vivendo no erro. Muito ainda poderia ser dito acerca disto, tal como o fato de que é inerente à natureza humana clamar, mesmo sem um íntimo conhecimento, ao Deus que a criou, além de outras questões que o tempo e o propósito não permitem mencionar e analisar.

Em segundo lugar, o texto fornece base suficiente para concluir que aquela mulher mesmo não sendo israelita era da nação escolhida, pois acreditava na pessoa de Jesus como o Messias. Ela usa a expressão “Filho de Davi” quando clama, e isto indica que de alguma forma ela acreditava e esperava o cumprimento da promessa messiânica feita a Davi. Além disso, em todas as vezes que ela dirige-se a Cristo usa o título “Senhor” que no entendimento do povo que esperava o cumprimento das promessas messiânicas referia-se a Deus ou Jeová. Crer no Messias, na Bíblia é sinônimo de salvação. Quando Jesus diz “Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel” está falando sobre sua missão imediata, e não sobre a possibilidade da mulher ter ou não um relacionamento de salvação com Deus através do Messias. Talvez alguém possa argumentar que isto é forçar o texto a dizer algo que não é, mas muitos dos leitores deste artigo devem admitir que não são da casa de Israel, contudo, são salvos.

Todos estes fatos revelam que o clamor da mulher constitui-se numa oração dirigida a Deus na pessoa de Jesus Cristo. Mesmo que o escritor bíblico queira enfatizar o desespero da mulher com a expressão “clamava”, que traz a idéia de um grito movido pelo desespero frente a uma profunda necessidade, a maneira como ela dirige-se a Cristo indica um ato de oração.

Porém, repetidos clamores, submissão ao senhorio de Cristo, e a grande fé da mulher, segundo o texto não garantiu que ela imediatamente fosse atendida, nem tão pouco, que recebesse algo além de suas necessidades. Por maior que foi a sua fé, ela não conseguiu manipular a Cristo. E isto responde às colocações feitas inicialmente, de que a oração com fé não é a garantia de que a pessoa estará rodeada de bens, ou prosperará indefinidamente. Na verdade os pregadores da prosperidade têm afirmado estes absurdos por causa da má compreensão da definição de fé que eles têm. Segundo o autor de Hebreus “a fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não vêem”, um pouco mais à frente ele diz que “sem fé é impossível agradar a Deus”, e no mesmo verso ele mostra o motivo “porquanto é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe e que se torna galardoador dos que o buscam”. Diante destas declarações pode-se dizer que a fé é a certeza de que Deus pode fazer o que é impossível, trazendo aquilo que não é, e mostrando aquilo que não se vê. Não é por outro lado a certeza de que a pessoa pode realizar o irrealizável, mas somente Deus pode assim agir. Portanto orar com fé não é orar com a certeza de que se pode realizar determinada obra, mas com a certeza de que Deus pode agir favoravelmente. Contudo por maior que seja a fé, a decisão de ser favorável ainda é de Deus, pois, Deus não é manipulado pela fé, por mais intensa que ela seja.

Diante de tudo disso, uma pergunta deve ser feita para partir para o passo seguinte: quais são, na verdade, os benefícios da fé?


RECONHECENDO A FONTE DO SUPRIMENTO

Ao invés da fé levar a Deus a agir de determinada forma, leva a pessoa que exerce a fé a tomar algumas atitudes. Como já foi dito a fé não manipula a Deus, mas leva a própria pessoa a tomar atitudes importantes e necessárias na oração. Uma dessas atitudes é reconhecer que a única fonte que supre as suas necessidades por mais profundas que sejam é Deus. Jesus admite que a fé daquele mulher era grande exatamente pelo fato de que em momento algum ela duvidou que estivesse clamando à pessoa errada.

O texto mostra claramente que a mulher reconhece que Cristo é o Senhor, aquele que é e que mantém a existência de todas as coisas. Ela dentro da comparação que Cristo faz chama a si mesma de Cachorrinho, demonstrando que tem necessidades que não podem ser supridas por sua própria capacidade, e neste ponto a sua fé mostrou a ela mesma como era incapaz de resolver seus próprios problemas. Por fim ela não para de pedir, porque vê em Cristo o único que pode suprir suas necessidades que de tão profundas levaram-na a gritar. Tudo isto ela fez porque era grande a sua fé.

A lição que pode ser tirada deste ponto é que a oração com fé leva o homem a reconhecer que Deus é o único que pode realizar o que humanamente é impossível, que somente Deus é a fonte do suprimento de toda e qualquer necessidade, e que Deus é “Tudo” e o homem é nada, Deus é forte e o homem é fraco, Deus é Todo Poderoso e o homem é tão impotente qual um cachorrinho indefeso.


PERSEVERANDO FRENTE AO DESESTÍMULO

Outro benefício da fé na oração é levar a pessoa a perseverar frente aos desestímulos. Jesus admira a fé da mulher cananéia também pelo fato dela ter perseverado no seu clamor mesmo diante de suas desencorajadoras colocações. Primeiramente, diante do clamor que exaltava a sua pessoa, Jesus guardou silencio, talvez para mostrar que se ela desistisse após pedir uma única vez, não era verdadeira a expressão de louvor que saiu de seus lábios. Fé pequena e coração endurecido levam as pessoas a desistirem de clamar por suas necessidades. Quando a pessoa desiste mostra que tudo o que ela fez durante a primeira tentativa era apenas um ato de hipocrisia e não uma demonstração de fé. Se a mulher tivesse desistido frente ao silêncio de Cristo, se constataria que o louvor acompanhado do clamor não era verdadeiro. Em segundo lugar Ele diz “Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel”, isto já seria motivo suficiente para uma pessoa de fé minúscula interromper o seu clamor, o que não foi o caso com a mulher cananéia. Muito pode ser dito acerca desta sua atitude, mas para o propósito fica em foco o fato dela não ter desistido mesmo ouvindo o que não queria ouvir, mas adorou a Cristo. Por fim, Jesus ainda diz “Não é bom tomar o pão dos filhos e lançá-lo aos cachorrinhos”, ao que a mulher acha resposta. Jesus já sabia da grandeza da fé dela , mas faz estas provas para que ela revelasse o quanto confiava no poder de Deus e nele esperava sem desistir.

As coisas não param por aí, no meio do que Cristo falou também aparecem no cenário os discípulos, que querendo livrar-se dos importunos clamores da mulher mandam Cristo despedi-la. Contudo mesmo diante disto ela não desistiu. A aplicação destes fatos fica por conta, é claro, de cada leitor, mas o principio é que aquele que ora com fé não desiste, porém, persevera frente ao desestímulo.


RECEBENDO O SUFICIENTE PARA AS NECESSIDADES

O terceiro e último beneficio da oração com fé é reconhecer que o aquilo que Deus dá é suficiente para suprir as necessidades, por mais profundas que sejam. No diálogo com Jesus a mulher reconhece que aquilo que o Senhor desse, mesmo que fossem as migalhas, para ela era suficiente. Ela não está depreciando o que Deus dá, quando denomina de migalhas. Pelo contrário, visto que ela reconhecia estar na posição de um cachorrinho, as migalhas eram tudo do que ela precisava. É logo em seguida à declaração de que as migalhas lhes seriam suficientes que Jesus elogia a intensidade de sua fé.

A grandeza da fé não estar em viver rodeado de bens, mas em viver com todas as necessidades supridas. As pessoas que oram com fé reconhecendo que mesmo o pouco é suficiente para suas necessidades, e por isso pedem o pouco, terão tudo o que necessitam. Muitos bens não é sinal de muita fé, e sim muitas necessidades supridas.


CONCLUSÃO

Finalmente, orar com fé é levar a si mesmo a confiar indefinidamente no poder e na bondade de Deus, reconhecendo-O como única fonte de seu suprimento, perseverando frente ao desestímulo, e reconhecendo que o que recebe é suficiente para o suprimento de todas as necessidades. Ore com fé e leve-se para mais perto de Deus.
J. S. Figueiredo

2 comentários:

Anônimo disse...

Pr. Figueirêdo,

Parabens meu irmão. O artigo é bem pertinente para os nossos dias.

Marcelo Fonsêca disse...

Ao ler este artigo fico a pensar:
Quantas vezes oramos com tanta fé, para adquirir um bem material. Não que seja errado. Mas onde fica a nossa oração em relação as coisas espirituais?
Que Deus nos abençoe.