quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

LIÇÕES SOBRE O AMOR EM CANTARES: A IDENTIFICAÇÃO

O texto de Cantares 8:6,7, comumente citado em convites de casamento e em cerimônias nupciais, é aquele que melhor define a natureza do amor conjugal em toda a Escritura. Apenas nesse texto são encontrados três os elementos indispensáveis à compreensão do sentido do Eros, termo empregado por C. S. Lewis para identificar o amor conjugal.

O amor conjugal é, antes de tudo, um laço que implica em identificação entre os amantes. Salomão recorre à metáfora do selo para falar da identificação que o amor produz nos cônjuges. Também conhecido como sinete, o selo é empregado desde tempos remotos para indicar a autenticidade de um documento ou mensagem, comprovando assim a identificação entre ela e seu emissor. O selo era uma espécie de confirmação pública de que ele era responsável pelo conteúdo emitido. O exemplo bastante claro dessa prática no Antigo Testamento pode ser encontrado no episódio da morte de Nabote. Nesta ocasião, a rainha Jezabel envia cartas aos anciãos e nobres de Israel, selando-as com o sinete de Acabe (II Re. 21:8). Na Antiguidade, era comum os reis e nobres usarem como selo os seus próprios anéis. Quando os servos eram enviados, por exemplo, a transmitir uma mensagem de seus senhores, eles costumavam levar os anéis para confirmar a identidade entre este comunicado e o seu suposto emissor. Com a presença do anel ninguém ousaria questionar a autenticidade daquela mensagem.

O autor do Cântico recorre à figura do selo exatamente para falar da identificação que existe no amor conjugal. Essa identificação é tão profunda que o sábio extravasa na aplicação da metáfora. O selo não é colocado apenas sobre o braço, mas sobre o coração. O braço, provavelmente um sinônimo poético para mão, representa o componente físico, já o coração, enquanto núcleo da afetividade humana, aplica-se ao elemento espiritual. Isso comprova que há no amor conjugal uma dupla identificação: interna e externa. Para utilizar outros termos, uma identificação espiritual e física ao mesmo tempo. O amor conjugal vai do simples apetite físico ou sexual ao mais elevado prazer espiritual. Sem a identificação física o Eros se transforma em sadismo e sem a identificação espiritual ele se converte em auto-erotismo. Amar é, portanto, identificar-se com a pessoa amada, é desejar que os outros nos vejam através dela. De uma forma misteriosa, o amante utiliza a amada como uma espécie de selo em seu próprio corpo, e o mesmo faz a amada em relação ao amante.

Algumas pessoas costumam empregar um princípio da física segundo o qual os opostos se atraem para falar do amor conjugal. Na verdade, o grande mérito do amor não está em atrair os amantes, mas em manter unidos aqueles que por ele são atraídos, e isso só é possível por meio da identificação. A simples oposição pode ser empregada como força atrativa, mas também pode ser empregada como instrumento de separação. Sem a identificação, portanto, o atrito vira conflito e a oposição vira separação. Isso serve como uma espécie de conselho para aqueles que pretendem partilhar o amor conjugal. É preciso que eles busquem pessoas com as quais possam estabelecer um vínculo de identidade. Se há algum casal que já está partilhando do amor conjugal e não consegue encontrar identificação entre ele e a pessoa amada, ele precisa descobrir o mais rápido possível algo que lhe identifique com a pessoa amada, caso contrário o seu relacionamento estará ameaçado.

O princípio da identificação tem implicações bastante sérias para o relacionamento entre os casais. Em primeiro lugar, ele ensina que aquele que ama desejará sempre associar-se publicamente à pessoa amada. Há uma prática muito comum entre casais de namorados que consiste em imprimir em blusas a foto da pessoa amada. Esta foto é quase sempre acompanhada por frases poéticas e declarações amorosas. O namorado sente-se feliz e até um pouco orgulhoso em poder trajar esta roupa. É como se ele quisesse declarar a todos que está ligado a essa pessoa, que se identifica com ela. A foto da pessoa amada é usada como uma espécie de selo. Infelizmente, esta prática não é vista com a mesma freqüência entre pessoas casadas. Entre casais que já ultrapassaram os dez anos de casamento, a foto da pessoa amada é geralmente substituída pela foto dos filhos. Essa é uma das primeiras evidências que o vínculo de identificação que marca o amor conjugal está se perdendo. No último estágio dessa tendência danosa, o cônjuge sentirá vergonha de associar-se ao seu companheiro, evitará, por exemplo, passear com ela em ambientes públicos ou apresentá-la aos amigos de trabalho. Casais que chegaram a este estágio certamente desconhecem que o amor conjugal é marcado pela identidade entre os amantes. Não sabem que aqueles que são envolvidos por esse sentimento sublime desejarão ardorosamente publicar para todos a sua ligação com a pessoa amada. Desculpem-me a franqueza e o rigor das palavras, mas há muitos esposos que tratam as suas esposas como prostitutas. Não no sentido de que pagam para possuir seus corpos, mas no sentido de que se envergonham dela e querem mantê-las escondidas, ficam embaraçados sempre que precisam comparecer em público com elas. Que fique bastante claro: em um relacionamento dessa natureza os cônjuges desconhecem a essência do amor conjugal, desconhecem o poder desse laço de identificação que une os amantes.

Em segundo lugar, o princípio da identificação implica em valorização. Aquele que ama vê a pessoa amada como algo precioso. Essa consciência muda drasticamente o tratamento dos casais entre si. Para recorrer a uma analogia, que mulher, possuindo um colar de pérolas, desejará que ele fique sempre guardado? Na verdade, ela desejará mostrar a todos a sua joia valiosa, por isso, costuma usá-la em ocasiões importantes. Durante a festa, sempre que as pessoas olham para ela e ficam extasiadas com a beleza do seu colar, ela se sente orgulhosa por ser dona de tal joia. Além disso, ela cuidará do seu colar com todo o empenho, considerando que ele é algo precioso para ela. Essa comparação ilustra bem a ideia do amor conjugal. Quem ama vê a pessoa amada com uma joia preciosa. Por esta razão, cuidará dela com todo empenho e dedicação e ficará feliz sempre que as pessoas puderem perceber que eles se pertencem, que estão indissoluvelmente unidos pelo amor, sentir-se-á importante porque pertence a amada e amada lhe pertence.

Por fim, deve ser acrescentado que é o princípio da identificação que garante a unidade do relacionamento conjugal. Somente por meio dele a metáfora “tornar-se uma só carne”, utilizada para representar o casamento, ganha vida. Sem ele pode ser que haja um ajuntamento entre duas pessoas, nunca a sublime e misteriosa unificação conjugal. Eis a razão porque muitos casais estão vivendo sérias crises conjugais: não é que eles sejam incapazes de amar, a razão é que eles desconhecem as implicações do princípio de identificação que caracteriza o amor.



Postado por J.Marques

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