domingo, 30 de março de 2008

A CRISE DA MORALIDADE


INTRODUÇÃO

Não há dúvidas que os reflexos catastróficos da Queda estão presentes em toda a história humana. Em todas as épocas e em todos os lugares e culturas, o homem tem desfrutado do estranho prazer que provém da transgressão. Mesmo esse comportamento sendo inerente à natureza caída e, por disso, estendido a toda a humanidade, não há como negar que a sociedade atual tem usufruído do prazer da transgressão de forma exagerada. O homem está cada vez mais viciado pela quebra dos padrões. Na verdade, a própria Escritura assegura esse caráter pessimista em relação à conduta do homem no mundo. Sendo assim, não é exagerada a afirmação de que vive-se atualmente a crise da moralidade, assunto que será abordado nesse artigo.


1. DEFINIÇÃO DE TERMOS

1.1. Moralidade
Costuma-se ouvir acerca da moralidade cristã, que determinado indivíduo é alguém sem moral e que a corrupção política é imoral, frases que dão uma idéia do sentido dessa palavra. O termo latino moris, de onde se origina a palavra moral significa costume, vontade, uso. Em uma definição clássica, “moral é o conjunto de regras de conduta assumidas pelos indivíduos de um grupo social com a finalidade de organizar as relações interpessoais segundo os valores do bem e do mal”[1]. A moralidade, portanto, norteia comportamentos e decisões. Além disso, a moral apresenta as noções de certo e errado essenciais ao relacionamento humano. Dessa forma, é um erro afirmar ou pensar que determinados indivíduos ou grupos sociais são desprovidos de moral. Mesmo que os critérios e bases morais sejam diferentes, cada indivíduo é dotado de um senso moral. Quando alguém denuncia a injustiça, protesta contra a violência, demonstra solidariedade para com os oprimidos, sofre com uma traição amorosa, para diante de um sinal vermelho, faz oposição ao aborto, à eutanásia e à clonagem humana, destaca o valor do casamento e da família, etc, está dando apenas alguns exemplos desse senso moral. Esse ponto de vista está de acordo com a doutrina cristã, a qual sustenta a moralidade inerente ao homem. Criado de acordo com a imagem e semelhança de Deus, o homem é por natureza um ser moral. Ilógico seria pensar que um Deus essencialmente moral deixaria o gênero humano, a mais perfeita de suas criações, desprovido de moralidade. Se o homem não fosse capaz de escolher o certo e o errado ele, sequer, seria capaz de escolher se seria certo adorar o seu criador, o que seria uma grande contradição e um ato de injustiça. Deus não exige que um cachorro lhe adore, pois sabe que ele não tem senso de moralidade para escolher por esse ato. Se ele exige essa adoração do homem, é porque ele é um ser moral. É bom que se diga que isto vale mesmo para o homem descrente. O texto bíblico mais esclarecedor acerca deste assunto nos foi fornecido pelo apóstolo aos gentios. Falando aos romanos ele afirma:

Quando, pois os gentios que não têm lei, procedem por natureza de conformidade com a lei, não tendo lei, servem de lei para si mesmos;Estes mostram a norma da lei gravada nos seus corações, testemunhando-lhes também a consciência, e os seus pensamentos mutuamente acusando-se ou defendendo-se Rm. 2:14,15.

Nunca é demais acrescentar que Paulo está escrevendo aos romanos, a sociedade mais corrompida da época. Mesmo esta sociedade tão depravada, naufragando na promiscuidade, possuía um senso moral. Ou seja, não é possível usar a desculpa de que eles praticavam o erro porque não sabiam agir corretamente, ao modo platônico. Na verdade, em sentido mais restrito, quando se escolhe o erro já se demonstra esse senso de moralidade.


1.2. Crise
Ouve-se bastante, sobre crise político-econômica, crise familiar, crise religiosa, o que, na maioria das vezes, leva a uma negligência em relação a crise-mestra da maioria das crises que assolam a sociedade do século XXI. Trata-se da crise da moralidade, problema que em outros lugares denomina crise de valores. Entre outras definições, o dicionário de língua portuguesa afirma que crise é a “manifestação repentina e violenta da perda de equilíbrio”[2]. Vista sob qualquer perspectiva, a crise é sempre uma anormalidade, uma alteração de um estado inicial. O que importa nesse momento é a crise da moralidade. Sem dúvidas, esse estado patológico da moralidade atual, como será visto mais a frente, é caracterizado por uma aguda perda de equilíbrio. Além disso, esse problema tem um comportamento violento e procura impor-se com agressividade. Não obstante, esse fenômeno não é uma mera mudança repentina. Essa moléstia letal percorreu um longo caminho até chegar ao seu estado metástico. E essa tal fase metástica, o momento mais perigoso da doença moral, já chegou. Os tempos difíceis preditos pelo apóstolo Paulo já começaram.
1.3. Valor
Não se pode falar em moralidade sem se falar em valor e sem uma noção exata da importância dessa palavra. O vocábulo pode se definido como “a propriedade que os objetos têm de produzir satisfação imediata ou de servir de meio para se obter tal satisfação”[3]. Nessa definição é possível perceber dois tipos de valores: os instrumentais e os intrínsecos. Os primeiros são valores empregados na obtenção de outros valores, os segundos são aqueles que têm valor em si mesmos. Um exemplo do primeiro caso pode ser visto em uma pessoa que valoriza comer verduras porque é uma maneira de manter uma vida saudável, mas, se essa pessoa alimenta-se de verduras pelo simples prazer de comê-las, tem-se um exemplo do segundo caso. Partindo da definição acima, pode-se concluir que valorizar algo que não produz nenhuma satisfação, seja ela material ou espiritual, seria uma atitude mais que irracional, pois, até um boi, movido por seu instinto, prefere comer capim em vez de uma pedra. Além disso, partindo da idéia que existem valores superiores e inferiores, permanentes e transitórios, é contrário à ética cristã conceder status a um objeto acima do seu valor devido. As palavras de Jesus a Marta servem para ilustrar essa discussão. Vendo que marta se afadigava nas tarefas domésticas, ao contrário de sua irmã Maria, Jesus disse: “Marta! Marta! Andas inquieta e te preocupas com muitas coisas; mas uma só é necessária. Maria, pois, escolheu a boa parte que não lhe será tirada” Lc. 10:41,42. Não que as tarefas domésticas não tivessem o seu valor, mas, o estar perto de Jesus e aprender a sua palavra, era um valor muito mais elevado. Marta teria todo o resto do tempo para se dedicar a estes afazeres, mas aquele era o momento de preferir a boa parte. A labuta diária, as lidas da casa cessariam, mas o conhecimento de Deus haveria de ser arremessado para os portais da eternidade.


2. DIAGNÓSTICO DA CRISE

2.1. Causa

Em tom poético, o salmista Davi afirmou: “Tu és o meu Senhor; outro bem não possuo, senão a ti somente” Sl.16:2. Séculos mais tarde, o filósofo cristão Blaise Pascal escreveria em seus Pensamentos que “somente Deus é o verdadeiro bem, e desde que o homem o abandona, é estranho que nada exista na natureza capaz de lhe tomar o lugar”[4]. A crise moral se estabelece quando o homem deixa de considerar Deus o supremo bem e o valor mais elevado na escala da existência. Quando isso acontece, perde-se o referencial, o critério. Sem a sua base, toda a construção da moralidade desmorona. Em uma coisa Nietzsche estava certo: se Deus está morto, também está morto com ele todos os valores cristãos. A propósito, o que leva muitos filósofos e estudiosos em geral a negarem a existência de Deus, não é um problema intelectual, e sim um problema moral. Não é que eles não entendam a necessidade da existência de um Deus como base para a conduta humana, mas o fato de que aceitar a existência desse Deus significaria admitir que as suas vidas estão erradas e que precisam se submeter às normas divinas. Como afirma Agostinho, “nenhum homem diz ‘Deus não existe’ a não ser aquele que tem interesse em que Ele não exista”[5]. Se Deus não existe eu não preciso prestar contas a ninguém no final.
Sem Deus, o homem perde a base absoluta da moral e o critério de julgamento fica sendo o próprio homem. Abraça-se então a filosofia de que “o homem é a medida de todas as coisas”[6]. Todavia,essa filosofia não é coerente e apresenta vários problemas. O principal é que, sendo limitado, o homem não pode ser um padrão absoluto para a moralidade. Partindo unicamente do homem, não se pode falar de um amor infinito, de uma regra universal, de uma santificação plena, etc.
Diante do que foi apresentado, pode-se constatar que a principal causa da crise da moralidade está no fato do homem perder o referencial divino. Esse abandono tem sido mais intenso do que em qualquer outro momento da história. O crescimento das seitas é uma ilusão perniciosa de que o homem está se voltando para Deus. O fato é que, na maioria desses grupos, Deus não é colocado como supremo valor. Além disso, para usar uma idéia de Schaeffer, é preciso identificar qual é o tipo de Deus que eles professam, o Jesus em quem eles depositam sua fé[7].
Muitas pessoas reclamam que a violência tem crescido nas escolas, que os alunos vão para as aulas armados, embriagados e furtam os objetos da própria escola. Entretanto, estão esquecendo que, em muitos estabelecimentos o ensino religioso foi abolido e que à Bíblia não é dado nem o valor que é dado a um livro de história ou de matemática. Eis aí a causa-mestra da crise da moralidade atual: o homem tem voltado às costas aos valores divinos. Como já afirmava Pascal, “sem Jesus Cristo, o homem tem de permanecer no vício e na miséria; com Jesus Cristo, o homem está isento do vício e da miséria. Nele está toda a virtude e toda a nossa felicidade. Fora dele, só há vício, miséria, erros, trevas, morte e desespero”[8].

O conhecido filósofo ateu Michel Onfray, em entrevista recente a revista Veja, deixou claro que para que o homem seja realmente livre, é necessário que Deus não exista. Seguindo o pensamento do seu compatriota Jean Paul Sartre, ele defende que a existência de um Deus absoluto é um insulto à liberdade do homem. No mesmo artigo, Onfray deixa claro qual o sentido da liberdade por ele defendida. Quando indagado acerca de suas atividades em sua chamada universidade popular, ele respondeu: que lhe cabia a responsabilidade de ensinar aos seus alunos uma contra-história da filosofia - atéia, materialista, sensualista, hedonista e anarquista[9]. Este exemplo reforça ainda mais a tese inicial desse artigo: a idéia segundo a qual o homem perde a base da moralidade quando retira Deus do centro. Sem Deus, como ficou evidenciado no exemplo de Onfray, o homem entrega-se ao sensualismo, à imoralidade sexual, aos prazeres descontrolados, ao anarquismo.


2.2. Conseqüências

2.2.1. Hedonismo
O hedonista é aquele que coloca o prazer como medida para a sua felicidade. Mesmo abandonando a Deus, o homem continua buscando a felicidade. Todavia, sem o referencial divino o seu critério se torna a satisfação imediata. Sem base moral adequada o homem se torna amante dos prazeres. Uma das faces mais sombrias desse hedonismo é a perversão sexual, a alienação erótica. A mídia contribui para que o despertar da sexualidade dos jovens seja cada vez mais cedo. Ao ter a sua sexualidade despertada de forma precipitada e vivendo em uma sociedade sem base moral adequada, o jovem passa a ter como alvo de vida a cega satisfação dos seus prazeres. “Ninguém pode negar que o poder de manipulação erótica é tremendo. Ela torna uma sociedade fraca, passiva e sem força de reação”[10]. Na busca desenfreada pela satisfação hedonista, os jovens acabam se tornando escravos de seus próprios desejos. Sem dúvidas, os desejos e prazeres exercem um poder tremendo sobre o nosso comportamento e decisões. É por deterem tal poder que eles precisam ser controlados por normas morais. Afinal de contas, o que seria de uma comunidade onde todos tivessem o desejo de matar e não houvesse uma norma moral proibindo o assassinato? Os desejos não podem ser satisfeitos a qualquer custo. Limites precisam ser estabelecidos. Até mesmo Epicuro, fundador da filosofia hedonista, aconselhava os seus discípulos a distinguirem entre os prazeres em repouso e os prazeres em movimento, optando pelos primeiros[11].

A ética cristã condena o hedonismo, o culto desenfreado aos prazeres. Contudo, isso não quer dizer que ela elimina qualquer tipo de prazer. Isto seria um outro extremo, o ascetismo. O cristão pode sentir prazer e buscar a satisfação dos seus desejos dentro dos parâmetros divinos. Caso contrário teríamos que admitir a existência de um Deus cruel que criou o homem fadado ao sofrimento. O homem foi criado para sentir prazer, e o seu prazer último está em Deus. Davi transmite essa idéia, quando declara em um dos seus salmos: “Deleita-te no Senhor, e ele satisfará os desejos do teu coração” Sl. 37:4.

2.2.2. Superficialidade
Já foi afirmado que o mundo atual é descartável: os produtos de consumo, os relacionamentos e os valores possuem prazo de validade, uma prazo bastante curto. Nessa sociedade descartável prevalece a superficialidade. Os relacionamentos interpessoais são aparentes e sem profundidade. Na verdade, essa conseqüência é extremamente lógica. Em uma sociedade sem base absoluta, até mesmo os sentimentos e relacionamentos ficam a mercê dos ventos dos modismos e são desfeitos com a mesma velocidade com que são estabelecidos. Vê-se o crescimento assustador do número de divórcios. Atualmente, de cada dez casais, três conseguem chegar ao quinto ano de casamento, destes, apenas um ultrapassa o décimo ano. Isso é um reflexo da superficialidade atual. Os casais que tem mais de cinqüenta anos junto são hoje considerados peça de museu. Por terem conseguido a façanha, eles têm espaço aberto nos principais programas de televisão. Os telespectadores aplaudem tais casais, mas, na verdade, olham para esses dois velhinhos como um símbolo daquilo que é arcaico e ultrapassado. A verdade é que os relacionamentos amorosos seguem o padrão da superficialidade. “No período de algumas horas, duas pessoas, passam de completos estranhos a ardorosos amantes e a completos estranhos novamente”[12]. Entre os jovens, uma das palavras mais conhecidas é “ficar”. A moda tem tanto sucesso atualmente que o questionamento feito não é: ficar: sim ou não?, mas ficar: quantas vezes por noite? Ou seja, hoje não se questiona mais se essa prática é errada, mas quantas vezes seriam necessárias alguém “ficar” para poder se sentir bem consigo mesmo.

A superficialidade trazida pela crise moral é tão devastadora que a própria igreja tem sido afetada por ela. Hoje é fácil encontrar os crentes que “ficam” na igreja. Esses novos adeptos vão a uma igreja, mas quando ela não está mais satisfazendo os seus desejos, mudam para outra com velocidade. E assim seguem a vida cristã ‘ficando’ de igreja em igreja. O relacionamento desses ditos crentes é tão superficial que eles não possuem qualquer base doutrinária ou identidade denominacional. Se alguém lhes indagar sobre o nome do pastor da última igreja na qual congregaram, não saberão responder. Muitas igrejas, tentando se adaptar a esta onda de superficialidade têm procurado adaptar sua estrutura, programação e mensagem. Com isso, “pregam um Cristo que salva, mas não transforma; que tem poder, mas não convence, que convence, mas não converte”[13]. Muitas igrejas, na verdade, são freqüentadas por pessoas que não têm nenhum compromisso com elas. Quando o pastor começa a falar sobre compromisso, eles já estão em outra.

2.2.3. Narcisismo
O narcisismo é qualquer forma de amor próprio centralizado e desenfreado. Sem uma base para a moralidade exterior, o homem volta-se para dentro de si mesmo e encontra no seu individualismo a base para a sua conduta. Tal individualismo é catastrófico, pois “cria uma ilusão de dependência, gerando egoísmo e insensibilidade”[14].

A ética cristã não condena o amor-próprio, e sim o amor-próprio interiorizado, que é o narcisismo. Quando o amor-próprio não é externado a outrem, tem-se uma atitude egoísta. O narcisismo caminha de mãos dadas com a superficialidade. Muitas vezes, determinada pessoa não quer um relacionamento mais profundo com o seu próximo porque não deseja ser participantes das necessidades dele. Prefere estar fechado em seu mundinho particular, preocupando-se apenas com a sua satisfação individual. Mesmo que esta satisfação envolva as realizações mais triviais. Para tais pessoas, o mandamento sobre “levar as cargas uns dos outros (Gl. 6:2), está completamente desatualizado.

2.2.4. Liberalismo comportamental
De acordo com o ditado popular, “quando os pais deixam de ser quadrados, as filhas ficam redondas”[15]. Atualmente, os pais têm ficado cada vez menos quadrados e as filhas estão ficando tão redondas a ponto de “explodirem”. Em uma sociedade sem freio moral, onde tudo é permitido, aqueles que sustentam valores como honestidade, fidelidade, pureza, são considerados espécies em extinção. Uma jovem que chega aos 18 anos virgem é motivo de piada. O jargão contraditório “é proibido proibir”, é a frase predileta da ‘galera’. Tudo isso, em nome de uma suposta liberdade. Os que advogam essa tendência estão esquecendo que liberdade sem parâmetros é depravação moral. Comportamento sem normas é mais que animalesco. “Em nome da liberdade, alguns pretendem defender certas ideologias que comprometem até a própria continuidade da comunidade onde vivem, como a legalização das drogas”[16]. O liberalismo comportamental é tão intenso que hoje, uma adolescente pode chegar sem nenhum pudor ou constrangimento para a sua mãe e dizer: “mãe, estou saindo para ir a um motel com o meu namorado”. A mãe, apenas aconselha: “tudo bem filha, mas não esqueça de usar camisinha, hein!”.

2.2.5. Exaltação do ridículo
Sem o referencial divino, a sociedade perde os padrões de beleza, coerência e organização, passando a valorizar o ridículo, o banal. A música é apenas um dos exemplos desta exaltação. No Brasil, o MC Serginho com sua “eguinha pocotó, ganha disco de ouro, a Tate Quebra-Barraco, com seus refrões agressivos e obscenos é tocada em todas as rádios, os programas de TV que noticiam escândalos e baixarias têm mais audiência do que os noticiários. Parafraseando o título da obra do humanista Erasmo de Roterdã, é um verdadeiro ‘elogio à loucura’, um culto animalesco ao absurdo. O curioso nesse fato é que o homem foge do escândalo da cruz, mas abraça um tipo de escândalo muito pior: um escândalo desprovido de moralidade. Na igreja, a exaltação do ridículo começa com a perda da referência. O culto a Deus é desprovido de ordem é marcado pelo improviso.

2.2.6. Culto ao efêmero
Ao abandonar Deus e seus valores eternos, o homem agarra-se com todas as forças àquilo que é passageiro. Em seu imediatismo, tudo que importa é a satisfação presente e nada mais. Não sabe ele que, buscando a satisfação apenas nas coisas presentes, chegará à mesma conclusão a que chegou Salomão há quase três mil anos atrás: “Considerei todas as obras que fizeram as minhas mãos, como também o trabalho que eu, com fadigas havia feito, e eis que tudo era vaidade e correr atrás do vento, e nenhum proveito havia debaixo do sol” Ec. 2:18.

O filósofo Francês Gilles Lipovetsky, autor do livro Império do efêmero, usa a expressão hiper-modernidade para classificar a fase atual da sociedade. Nessa fase, “os planos de carreira, projetos de família e tudo que visava uma escala racional rumo ao porvir, foram substituídos pelo culto ao presente”[17]. Novamente, a lógica dessa conseqüência é simples. Se Deus não existe e não é necessário prestar contas a ninguém, para empregar uma expressão paulina, “comamos e bebamos porque amanhã morreremos”. Só resta ao homem aproveitar o presente.

A sociedade em crise deixa de considerar as coisas passageiras não podem trazer uma satisfação plena. Salomão afirma que “Deus plantou a eternidade no coração do homem”. Tendo a fagulha do infinito, o homem não pode se satisfazer plenamente com o efêmero. O soneto denominado A semente do ser ilustra essa questão de forma poética:

Plantou Deus o eterno no humano,
Para nele o efêmero não bastar,
Inda que lhe transborde como o mar,
Tudo é vento, aflição e desengano.

O supremo bem não pode achar
No momento volátil e insano,
Desfaz-se tudo em dia, mês e ano,
E outro tudo recebe o seu lugar.

Esta fome do todo em nós perdura,
Sensação de infinita incompletude,
Sempre estamos de algo à procura.

A medida do efêmero nos ilude,
O seu tudo, seu nada prefigura,
No extenso está sua finitude]18].


2.2.7. Conformismo
A idéia de que tudo é permitido tem levado a sociedade atual para o precipício do conformismo. Em nome da aceitação das diferenças individuais, acaba-se aceitando as idéias mais absurdas e contraditórias. Há muito pouco tempo, ninguém ousava defender a legalização das drogas. Atualmente, isso não representa nenhuma novidade. Muitos programas de televisão fazem apologia às drogas abertamente. As propagandas em defesa da oficialização do aborto não são menos freqüentes.

O pluralismo religioso colabora indiretamente com este conformismo. Cada um tem a sua verdade, mas como estas verdades não são respaldadas em princípios divinos, acaba-se chegando à conclusão de que a verdade de determinada pessoa é tão limitada quanto a do seu companheiro. Conclusão: cada um é levado a aceitar passivamente a suposta verdade do outro. Se cada um tem a sua verdade, não existe verdade absoluta, pois uma limita a outra.

2.2.8. Cultura do exagero
Camilo Vannuchi, tendo como base Lipovetsky afirma que “na era atual, princípios como individualismo e mercantilização da vida levaram à cultura do exagero. Não basta ser ou ter muito. O que vale é o conceito do hiper”[19]. Como profetizou o apóstolo Paulo, o homem atual tem cada vez mais perdido o equilíbrio. Sem equilíbrio, exatamente porque não tem base moral adequada, ele se entrega aos extremismos religiosos, sociais e profissionais. A cultura do exagero conta com a ajuda incondicional da publicidade, do marketing e vende ilusões à uma sociedade alienada. Na análise de Lipovetsky, “a cultura do excesso é isso: as coisas parecem verdadeiras, mas são exageradas. São bolhas que, se a gente colocar um alfinete, estouram[20].
Bombardeados por essa cultura do excesso e sem base moral sólida, o homem é levado a pensar que o necessário não é mais suficiente, ele já não se satisfaz com o básico. Em virtude disso, está sempre em uma corrida angustiante em busca do esbanjamento. Isso porque nesta sociedade, o exagero, mais do que garantia de status é uma questão de identidade. Um bom exemplo disso é o caso dos aparelhos celulares. A maioria das pessoas está sempre em busca de um que garanta mais vantagens, mesmo que a única vantagem da qual elas desfrutem seja a origem e recebimento de chamadas. Mas, como todos no grupo já têm a novidade, elas não querem perder a identidade com o grupo.

Sem moralidade adequada o homem perde o equilíbrio. O cristão deve dizer não à cultura do exagero, tendo como base vários princípios bíblicos. Em primeiro lugar, a Bíblia ensina a importância da simplicidade e de se viver de acordo com as necessidades (Mt. 6:11). Afinal é contra a moral cristã, alguém esbanjar, enquanto outras pessoas, às vezes na própria igreja, estão passando necessidades. As palavras de Tiago se aplicam muito bem a este princípio: “Pedis, e não recebeis por que pedis mal, para esbanjardes em vossos prazeres” Tg. 4:3. Um outro princípio que vai contra a cultura do exagero está no fato da Bíblia exortar o cristão a ter uma vida equilibrada. De fato, um dos frutos do Espírito é o domínio próprio Gl.6:23. Há ainda o princípio da prudência e do discernimento. O discípulo de Cristo tem o dever de “observar todas as coisas e reter o que é bom” I Ts. 5:21.

2.3. Cura
A cura adequada de uma epidemia não se dá a partir das conseqüências que ela apresenta, e sim a partir de suas causas. Esse princípio aplica-se à crise da moralidade, essa epidemia infecciosa. É preciso, portanto, que a sociedade coloque Deus como referencial e como base absoluta de moralidade, pois é exatamente por não aceitar esse fato que esta sociedade está caminhando para o caos moral. Se isso não acontecer, não adianta melhorar as estruturas sociais, mudar os sistemas políticos, investir na educação. Sem o referencial divino todos estes esforços serão debalde. A maldade humana decorrente de sua Queda não pode ser desconsiderada. O homem é perverso e, sem Deus, dá vazão aos sentimentos mais baixos e repugnantes.


CONCLUSÃO

Diante do que foi apresentado, não nos iludamos. O crente fiel – redundância proposital – terá cada vez mais dificuldade para viver de acordo com as normas divinas, no meio de uma sociedade corrupta e sem moralidade adequada. Aliás, o próprio Jesus disse aos seus discípulos: “no mundo passareis por aflições”. Mas ele tem o consolo que é dado por Jesus aos seus discípulos: “tende bom ânimo, pois eu venci o mundo”. Portanto, ele não deve ceder às pressões desta sociedade que, por desprezar o referencial divino, está marchando para o caos de valores.


NOTAS:

1. ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Temas de filosofia. 2. ed. rev. São Paulo: Moderna, 1998. p.117.

2. SOARES, Armando. Moderníssimo dicionário brasileiro. São Paulo: Angelotti LTDA. p. 300.

3. YOUNG, Waren C. Un enfoque cristiano a la filosofía. Grand Rapids: Mundo hispano, 1979. p.164.

4. PASCAL, Blaise. Pensamentos. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. p. 133.

5. AGOSTINHO apud SAYÃO, Luiz. Cabeças feitas: filosofia prática para cristãos. 3. ed. São Paulo: Hagnos, 2001. p. 55.

6. PROATÁGORAS apud MONDIN, Batistta. Curso de filosofia. vol. 1. São Paulo: Paulus, 1982. P. 95.

7. SCHAEFFER, Francis A. O Deus que se revela. São Paulo: Cultura cristã, 2002. Passim.

8. PASCAL, Blaise. op. cit. p. 153.

9. ONFRAY, Michel. ad. tempora.

10. SAYÃO, Luiz. op. cit. p. 46

11. Epicuro. Antologia de textos. (Versão para ebook). Disponível em <
www.ebooksbrasil.com> (Acessado em 22 de setembro de 2007).

12. AMORESE, Rubem. Icabode: Da mente de Cristo à consciência moderna. Viçosa: Ultimato, 1998. p.120.

13. AMORESE, Rubem. op. cit. p. 134.

14. SAYÃO, Luiz. loc. cit.

15. ad. tempora.

16. SAYÃO, Luiz. op. cit. p. 42.

17. LIPOVETSKY, Gilles apud VANNUCHI, Camilo. A sociedade do excesso. Revista Isto é, 19 e agosto de 2004. p. 61.

18. MARQUES, José Lopes. Razão, fé e sensibilidade. Ananindeua: SEIFA, 2007. p. 30. (Não publicado).

19. VANNUCHI, Camilo. loc. cit.

20. LIPOVETSKY, Gilles apud VANNUVHI, Camilo. op. cit. p. 63.
Postado por J. Marques

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