quinta-feira, 13 de março de 2008

LOUVAI AO SENHOR: Breve análise do salmo 117

INTRODUÇÃO

No contexto eclesiástico atual vive-se o que poderíamos classificar como a era do entretenimento, cuja característica principal está no uso exagerado do louvor com o propósito de divertir e satisfazer as emoções pessoais. O mais importante quando estão louvando não é se Deus está sendo lembrado, mas, se estão se sentindo felizes e animados. Para os proponentes do chamado entretenimento litúrgico, louvor é mais definido em termos musicais. Entretanto, a música não é usada como um instrumento para o louvor, mas, com a única finalidade de entreter. Os textos bíblicos mais usados para defender e apoiar esta pratica são os salmos.

Quando nos deparamos com esta realidade surgem em nossa mente perguntas como: o que é na verdade o louvor? Como louvar a Deus? Por que louvar a Deus? Qual o propósito do louvor? Será que os participantes do entretenimento podem responder biblicamente todas estas perguntas? Uma tentativa de resposta a estes questionamentos será feita a partir do salmo 117. Sendo assim, o propósito do presente artigo é apresentar um conceito bíblico de louvor, a partir do referido salmo. Por meio dessa análise, será verificado se, biblicamente, há fundamento para pratica do louvor como usado em nossos dias, ou se as pessoas que empregam esse tipo de adoração estão trilhando um caminho que não é bíblico.

1. INTRODUÇÃO AO SALMO

Em alguns manuscritos na língua original do Antigo Testamento (em pelo menos 35) o salmo 117 está ligado ao poema ou salmo anterior (116), já em outros manuscritos está ligado ao salmo seguinte (118). Porém, tanto no texto hebraico como na LXX, o salmo 117 é tratado como um texto à parte, ou seja, o salmo em questão apresenta uma unidade de conteúdo, sem precisar do salmo anterior, ou do seguinte para expressar uma idéia completa.

Os dois versículos que constam no salmo contêm um ato de louvor completo. O primeiro verso, empregando um paralelismo, faz um chamado ao louvor, além de mostrar que Deus deve ser louvado e responder às perguntas: o que é louvor? Quem deve louvar? Esse trecho apresenta ainda uma idéia sobre o propósito do louvor. O segundo verso, que tem forma semelhante, completa o chamado ao louvor, expressando os motivos para o mesmo. De caráter universal, o chamado inclui todas as nações e todos os povos. O conceito de Deus é igualmente grandioso, conforme Sua misericórdia e verdade são destacadas.

Não podemos afirmar com exatidão quem foi o escritor desse salmo, mas o que se pode dizer é que Deus foi o autor, colocando-o na coletânea de cânticos da congregação de Israel, a fim de que a Sua misericórdia e fidelidade fossem motivos de louvor.

2. ANÁLISE DO TEXTO

Tema: Deus deve ser louvado


Já foi dito acima que o assunto abordado no salmo é o louvor ao Senhor, contudo, precisamos observar o que o próprio salmo tem a dizer. A estrutura do salmo nos dá uma indicação de que a idéia central apresentada é o louvor ao SENHOR. Primeiramente, o salmo começa com a expressão “Louvai ao Senhor” e termina coma mesma expressão, só que de forma contraída “Aleluia” (a palavra aleluia é a contração da expressão “louvai ao Senhor”), nos indicando que, aquilo que está entre as duas expressões iguais, está relacionado a elas, ou mesmo descrevendo e completando a idéia expressada por elas. Já que estas duas expressões começam e finalizam o salmo, chamando a atenção do leitor ou cantor, parece-nos que o propósito do escritor é abordar o louvor ao Senhor como o assunto principal do salmo. Além disso, as expressões, “louvai ao Senhor” e “aleluia” estão no modo imperativo, que indica uma orden a ser obedecida. Portanto, diante de tudo isso, resta-nos a conclusão de que o propósito do escritor no salmo 117 é exortar-nos que devemos louvar ao Senhor. Vejamos agora que respostas este salmo nos dará às perguntas feitas acima.

“Louvai ao SENHOR, vós todos os gentios, louvai-o, todos os povos.”

O que é louvar ao SENHOR?

Existe um adágio popular que diz que “nos pequenos frascos estão os melhores perfumes”, para este salmo podemos dizer que é verdadeiro, pois, sendo tão breve apresenta um conceito completo e profundo acerca do louvor. Não estamos aqui desconsiderando os demais salmos, mas enfatizando a riqueza deste pequeno salmo, que quando entendido dentro de seu propósito nos conduzirá a um louvor correto.

O conceito de louvor que o salmo 117 apresenta responde satisfatoriamente a pergunta sobre o que é o louvor. Primeiramente, o salmista define o louvor ao Senhor quando usa o verbo “louvai”. Este verbo nos dá uma boa indicação do que vem a ser esse louvor apresentado no salmo, pois, segundo o DITAT (Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento) a raiz da expressão (louvai) “conota a idéia de estar sincera e profundamente agradecido e de estar satisfeito em elogiar alguma(s) qualidade(s) superior(es) ou grande(s) feito(s) do objeto da ação”[1]. O verbo pode ser usado no contexto humano, mas o uso mais freqüente diz respeito a Deus, e das 206 vezes que a raiz aparece no Antigo Testamento, quase um terço está nos salmos, e o maior número das vezes em que aparece são imperativos de convocações ao louvor. A freqüência e o modo imperativo enfatizam a necessidade vital de tal ação. Desta parte poderíamos dizer que louvar ao Senhor é uma resposta de gratidão ao uso que Deus faz de Seus atributos sobre a Sua criação. É exatamente esta a idéia que o salmista nos apresenta, pois no verso 2 os atributos de Deus são claros motivos de louvor.

Em segundo lugar, para complementar o conceito de louvor, o salmista usa a expressão (louvai) no tronco “piel” que na língua original do Antigo Testamento indica uma ação com sentido intencional e contínuo. Ao usar este sentido o texto nos fornece pelo menos dois princípios. Primeiramente, quando louvamos estamos conscientes do que estamos fazendo, pois o fazemos intencionalmente. Por conta disso, podemos controlar a maneira como louvamos. Em segundo lugar, o texto também nos fornece o princípio de que devemos louvar a Deus não somente em um momento específico como um culto público, mas em todos os momentos de nossas vidas, pois Deus é continuamente favorável a nós.

Neste ponto é importante fazer algumas observações comparando o conceito de louvor apresentado pelo salmista com o conceito de louvor praticado pelos integrantes do entretenimento.

Queremos destacar primeiramente o uso das “emoções”. Foi dito no início que uma das intenções dos participantes do entretenimento quando estão louvando é satisfazer as emoções pessoais. Temos que admitir a existência de emoções no louvor, contudo, precisamos definir que tipo de emoções o louvor exige, e seu real lugar no mesmo. Na sua essência, louvar é estar profundamente agradecido pela ação favorável de Deus. A gratidão é o sentimento ou a emoção que nos ajuda a lembrar e ver Deus quando louvamos. Portanto, quando alguém usa o louvor a Deus como um meio de sentir-se emocionalmente satisfeito está trilhando num caminho pecaminoso, pois está fazendo de suas emoções um fim em si mesmo, e quem assim age está caminhando em idolatria, pois está ocupando um lugar que pertence a Deus, visto que somente Deus pode ser um fim em si mesmo, por ser o Senhor e Criador de todas as coisas, inclusive das emoções. Devemos louvor a Deus porque estamos satisfeitos com o que Ele é em relação a nós e não para nos sentirmos emocionalmente melhor.

Podemos ainda destacar que, com o uso das expressões “ministério de louvor”, “culto de louvorzão” além de outras, muitos têm definido o louvor dentro do limites musicais. Não há dúvidas que a música é um meio de exaltarmos a Deus, expressando nossa gratidão, entretanto, precisamos lembrar que este não é o único meio, e que não se constitui um louvor em si. Não queremos ser injustos deixando de mencionar aqui que o contexto do salmo 117 bem como dos demais é um contexto musical, pois como já foi dito, os salmos são cânticos entoados pela congregação de Israel. Porém, precisamos ter em mente que o ensino contido no salmo 117 com o uso da expressão “louvai” no tronco (“Piel”) indicando uma ação contínua mostra a existência de vários meios para louvarmos a Deus. Não podemos cantar continuamente, mas podemos louvar constantemente. Louvamos a Deus com tudo aquilo que faz lembrar Sua ação graciosa em nós.

Qual o propósito do louvor?

Muito já foi dito acima sobre o propósito do louvor, quando destacamos a idéia de que o louvor deve ser um meio de ver Deus como um fim em si mesmo. O salmista se expressa com ênfase e clareza quando diz que o louvor deve ser ao “Senhor”, tanto no inicio do salmo 117 quanto no final, e na verdade esse é o assunto em pauta. É indispensável neste ponto termos uma definição e compreensão acerca do Senhor a quem dirigimos o louvor. O Senhor em simples definição é aquele que não tendo sido criado por ninguém é auto-existente, que criou todas as coisas, e de quem toda a existência depende. Por ser soberano, e por dependermos dele, o nosso louvor deve ter como propósito ser uma exaltação, um reconhecimento de quem de fato Deus é.

Se o propósito do louvor não for correto, perde-se o seu sentido. Quando alguém, por exemplo, louva a Deus tendo em vista a sua satisfação pessoal, na verdade não é a Deus que ele está louvando, mas a si mesmo. E quando isso acontece, o louvor sai de cena e entra a vanglória. Precisamos louvar com propósito correto, que é exaltar e contemplar a grandeza de Deus, o Senhor.

Quem deve louvar?

O texto do salmo 117:1 diz “Louvai ao SENHOR, vós todos os gentios, louvai-o, todos os povos”. Temos duas expressões, “gentios” que neste contexto pode estar se referindo aos povos que não são judeus, e “povos” que neste caso inclui pessoas de todas as nações, tanto judeus com não-judeus. Neste ponto temos que considerar que este salmo foi escrito e cantado dentro do contexto do povo judeu que era declaradamente o povo de Deus o qual vivia debaixo do cuidado constante de Senhor. Porém, quando o salmista usa as expressões, “gentios” e “povos” está transmitindo abertamente o princípio de que a benção e a salvação de Javé ultrapassaram as fronteiras de Israel. O chamado ao louvor aqui se estende a cada pessoa do mundo, ou pelo menos a pessoas de todas as nações, que parece ser o mais coerente com o restante do contexto ainda a ser tratado.

Acho que seríamos coerentes se mais uma vez declarássemos que o louvor não pode ser definido somente em termos musicais, pois, se o chamado é para todos louvarem, temos que admitir que todos têm a capacidade de louvar, mas nem todos têm a capacidade de cantar. Portanto, todos devem exaltar a brilhante ação do criador sobre sua criação.

“Porque mui grande é a sua misericórdia para conosco, e a fidelidade do SENHOR subsiste para sempre. Aleluia!”

Por que louvar o SENHOR?

A riqueza deste salmo é contemplada à medida que o analisamos. E, quanto mais contemplamos sua riqueza mais ficamos certo de como louvar ao Senhor corretamente. Este conceito correto de louvor nos ajuda a admirar intensamente a Deus. Tendo já adquirido respostas para as perguntas: o que é louvar? Qual o propósito do louvor? E quem deve louvar? Passemos agora a analisar o segundo verso buscando do salmo a resposta para a pergunta: por que louvar, ou qual o verdadeiro motivo do louvor? Até aqui já sabemos que Deus deve ser louvado, visto que somos ordenados a fazer isto, mas qual seria o motivo por que devemos louvar esse Deus?

O segundo verso do salmo começa nos apresentando os motivos por que louvar ao Senhor, primeiramente com a expressão “Porque mui grande é a sua misericórdia para conosco”. Esta expressão “mui grande” também pode ser traduzida como “o que prevalece”. A palavra “misericórdia” é usada em ouras partes do Antigo Testamento para falar da bondade ou da benignidade de Deus. A bondade ou benignidade se refere ao interesse de Deus pelo bem-estar daqueles que Ele ama. Portanto, quando o salmista fala da misericórdia de Deus, está falando, na verdade, da demonstração do amor de Deus. Juntando as expressões “o que prevalece” e “demonstração do amor de Deus” podemos afirmar que o primeiro motivo por que temos que louvar a Deus é porque diante de tudo o que acontece conosco, o que prevalece em nossas vidas é a demonstração do amor de Deus em Sua misericórdia. Expressando-se poeticamente, Jeremias diz que esta misericórdia se renova a cada manhã. Contemplemos todos os dias a misericórdia de Deus sobre nós, e louvemo-lo por isso.

O segundo motivo por que devemos louvar ao Senhor é destacado pelas expressões “a fidelidade do SENHOR subsiste para sempre”. A “fidelidade do Senhor” é aquele atributo de Deus que o revela como verdadeiro e acreditável. Poderíamos dizer que a fidelidade é a garantia de que ele cumprirá as suas promessas. A expressão “subsiste para sempre” é usada pelo salmista só por questão de ênfase, pois se ela não subsistisse para sempre não seria fidelidade.

Porém, ainda nos resta uma pergunta: a quem realmente se aplicam as expressões “misericórdia” e “fidelidade”, no contexto em que tais atributos divinos são motivos, porque todos os povos devem louvar ao Senhor? A reposta a esse pergunta pode ser encontrada na interpretação que Paulo faz desse texto quando cita o verso 1 do salmo 117 em Romanos 15:11. No contexto imediato (Rm.15:8-9) Paulo fala do ministério da circuncisão, e da promessa de salvação feita ao povo de Deus, e no mesmo contexto diz que Cristo foi constituído ministro da circuncisão, também para que os gentios glorifiquem a Deus por causa da sua misericórdia. Então, depois disso, Paulo passa a citar algumas passagens do Antigo Testamento, entre elas (Sl.117:1). Paulo, portanto, cita este verso do salmo para mostrar que todos os povos devem louvar a Deus porque a sua salvação transpondo as fronteiras de Israel se estende a todas as nações. Esse é na verdade um verdadeiro motivo para Louvor ao Senhor. Devemos louvar a Deus porque mesmo em meio a toda esta pecaminosidade a sua salvação prevalece em nossas vidas, e Deus jamais voltará atrás sobre a decisão que Ele tomou de nos salvar.

CONCLUSÃO

A maneira como praticamos o louvor deve estar de acordo com o ensino apresenta nas Escrituras, este pequeno salmo nos forneceu um conceito brilhante acerca do louvor. Com ele aprendemos que louvar é nos expressarmos a Deus em gratidão, aprendemos ainda que o propósito do louvor é exaltar a Sua pessoa, além do fato de que todos os povos devem louvar a Deus porque a Sua salvação se estende a todas as nações. Através deste conceito de louvor apresentado, é possível avaliar quão distante muitos estão do verdadeiro louvor. Somos ordenado a louvar a pessoa certa (Deus), com o propósito correto (exaltar a Deus), pelo motivo correto (a salvação de Deus a nós).

Nota:

1. HARRIS, Laird; ARCHERm Gleason; WALTKE, Bruce. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida nova, 1998. p. 349.
Postado por J. Figueiredo

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