terça-feira, 4 de março de 2008

O SINAI E A ACADEMIA: BREVE DIÁLOGO ENTRE A ÉTICA MOSAICA E A PLATÔNICA



INTRODUÇÃO

Há certo debate entre os historiadores da filosofia sobre uma possível influência mosaica nos escritos platônicos. Alguns chegam a atribuir ao fundador da academia o epíteto de “Moisés helenizado”. Seria digna de ser levada a sério tal conclusão? Do lado judaico-cristão pode-se encontrar pensadores famosos como Fílon de Alexandria, Justino, O Mártir e o próprio Orígenes que foram fortes simpatizantes desta teoria. Destes, o primeiro alistado, no desenvolvimento de seu pensamento, empreendeu uma síntese entre a filosofia platônica e o pensamento mosaico.

Historicamente, não há como comprovar um possível contato de Platão com a filosofia judaica, ou com o pensamento mosaico. Apesar de ser digno de nota o fato de Platão ter viajado por quase todo o mundo civilizado da época, tendo chegado até ao Egito. Partindo de tal pressuposto é possível imaginar que o discípulo de Sócrates tenha tomado conhecimento dos escritos de Moisés, mas isto não passa de especulação.

Em virtude desta dificuldade histórica, a tarefa do presente artigo não será a de concluir se houve ou não um contato de Platão com o Pentateuco mosaico, mas, a partir de um estudo comparativo, verificar as semelhanças e divergências entre Moisés e Platão. Através desta análise será possível precisar se Platão pode ser, de fato, considerado o “Moisés helenizado”. Sem dúvidas, realizar uma comparação de todas as idéias dos pensadores em destaque é uma tarefa sobremodo extensa e que não poderia ser realizada em uma pesquisa desta natureza. Em virtude desta amplitude, será abordado aqui apenas o tópico da ética em Moisés e Platão. Ainda assim, a pesquisa terá que ser bastante seletiva no tratamento das questões éticas atinentes aos pensadores mencionados.

Este artigo é parte da monografia “Síntese entre os pensamentos de Moisés e Platão”, escrita pelo autor e apresentada ao Seminário Batista do Cariri, para obtenção do título de bacharel em teologia. As citações bíblicas foram indicadas no corpo do trabalho.


1. A CONSCIÊNCIA MORAL

1.1. Do padrão normativo

Mesmo em uma leitura superficial de A república, fica claro que para Platão o padrão normativo é o Estado. O Estado é superior à própria justiça e à verdade. Para o bem do mesmo, é permitido que os governantes mintam, violem laços familiares e cometam assassinatos. O mestre de Aristóteles defende que “os filhos dos homens inferiores e qualquer outro que seja disforme, deverão ser escondidos em um lugar interdito e oculto, como convém”[1]. Em um outro trecho da mesma obra, assim o filósofo grego se expressa: “Portanto, a causa do maior bem da cidade esta na comunidade entre os familiares, até entre os filhos e esposas”[2]. Já para o profeta hebreu, o padrão normativo é o que Deus determina em sua Palavra. Ao receber a revelação da Lei no monte Sinai, o próprio Moisés relata a exigência divina: “Guarda o que hoje te ordeno” Ex. 34:11. Sendo Deus o padrão normativo, se Ele determina que é errado mentir, segue-se que esta prática será errada, mesmo quando for usada em benefício do Estado. Se Deus se posiciona contra o assassinato (Ex. 20:13) ou contra o adultério (Ex. 20:14), tais práticas devem ser rejeitadas, mesmo que, aparentemente, possam causar algum bem isolado ao Estado. As declarações de “Eu sou o Senhor” se referindo a Deus (Ex. 6:2; 7:17), usadas em contraposição ao politeísmo também transmitem a idéia de que Deus é a regra, o padrão normativo. Nas citações anteriores ficou evidenciado que, para Platão, os fins justificam os meios. Já para Moisés, os fins só justificam os meios quando não se chocam contra Deus, o padrão normativo.
Sendo o Estado O padrão normativo, para o filósofo ateniense, toda transgressão cometida pelos homens, é uma transgressão cometida contra este órgão, em primeira instância. É o que pode ser observado neste fragmento do Críton:

Se desejar que sejas fustigado com vergastas, ou acorrentado, se desejar que vás à guerra para ali verter todo o teu sangue, deves partir sem hesitações, porque este é o teu dever; não deves desobedecer; considerando que, se é ímpio praticar a violência contra o pai e a mãe, é muito mais ímpio praticá-la contra a pátria[3].

Contrariando o pensamento platônico, Moisés nos mostra que toda transgressão, pecado ou ato de desobediência é uma ofensa direta a Deus. O episódio onde José é assediado pela esposa do Potifar é bastante esclarecedor em relação a este ponto. Diante das investidas desta mulher ele faz o seguinte questionamento: “como, pois, cometeria eu tamanha maldade e pecaria contra Deus?” Gn. 39:9. José, representante do pensamento mosaico assim como Sócrates é representante do platônico, reconhece que seu ato de adultério não é apenas uma atitude de desobediência para com as leis daquele país, ou uma ofensa isolada cometida contra determinada pessoa. Não! Praticar aquele adultério significava cometer uma ofensa contra o próprio Deus. Mesmo tendo a sua dimensão social, o pecado, em primeira instância, é direcionado a Deus. Sendo Ele o padrão normativo, a transgressão viola diretamente a sua determinação. Mesmo quando fere normas sociais, é a Deus que o homem ofende em primeiro lugar. Portanto, para Platão, há mais valor na estrutura impessoal do Estado, já para Moisés, o valor último é o próprio Deus, um ser pessoal.

1.2. Da base ontológica da moralidade
Se em Platão há alguma base ontológica para a moralidade, podemos dizer que esta base está nas chamadas Idéias. É o que fica implícito neste trecho do Fédon: “Pareceu-me desde então indispensável refugiar-me do lado das idéias e procurar ver nelas a verdade das coisas”[4]. Mesmo estando presa ao corpo que é essencialmente mal, a alma tem idéias pálidas de bondade, justiça, piedade, temperança, etc. Isto ocorre porque, em uma existência anterior, a alma teve contato com as idéias perfeitas referentes a estas virtudes no mundo das idéias, o Hiperurânio. Tal conhecimento se dá pelo mecanismo que o fundador da academia denomina reminiscência. É uma espécie de recordação e, “para se ter recordação de alguma coisa é preciso, em um momento qualquer, tê-la aprendido antes”[5]. Em outra passagem da obra citada, Platão é ainda mais elucidativo:

Pois nosso argumento diz respeito agora não apenas ao igual, sobre o que raciocinamos, mas também ao belo em si mesmo, ao bom em si mesmo, ao justo, ao santo e geralmente segundo a minha expressão, a tudo aquilo que é marcado pelo cunho da ‘realidade em si’. De maneira que é para nós uma necessidade ter adquirido o conhecimento de todas estas coisas antes do nosso nascimento[6].

Também neste ponto, a discrepância entre o fundador da academia e o profeta hebreu é gritante. Quando se analisa o pensamento mosaico conclui-se de imediato que Deus é colocado como a base ontológica da moralidade. Assim, o homem é moral não porque participa da idéia, mas porque, de alguma forma, participa da divindade. Ao criar o homem, Moisés destaca que a conclusão enfática de Deus foi que “isso era muito bom” Gn.1:31. Por ter sido criado por Deus, um ser moral, o homem teve imprimido em sua consciência as noções de certo e errado. É o que fica evidenciado no diálogo entre Eva e a serpente (Gn. 3:1-4). Através deste diálogo fica claro que Eva sabia o que podia e o que não podia fazer. Se fosse possível dispor o argumento silogisticamente, uma boa opção seria a seguinte:

- Deus é essencialmente um ser moral (Gn. 18:22-33; Lv. 19:2; Dt. 4:31);
- Ora, Deus criou o homem de acordo com a sua imagem e semelhança (Gn. 1:26,27);
- Logo, o homem é um ser moral (Gn. 4:7).

Alguns, entretanto, poderiam objetar dizendo que a idéia platônica é um equivalente do Deus mosaico e que a reminiscência é apenas uma outra expressão para designar a imagem. Não é preciso ir muito longe para se constatar que tal conclusão é improcedente e sem base documental. A idéia platônica é sobremodo abstrata e indeterminada. De fato, o próprio Platão não chegou a uma conclusão plausível sobre a real natureza das idéias. O Deus mosaico, base ontológica da moralidade do homem, ao contrário, é um Ser pessoal que tem um relacionamento direto com o homem. Além disso, enquanto a reminiscência platônica diz respeito a uma existência anterior da alma antes de animar o corpo, a imagem mosaica refere-se apenas à vida presente que, em Adão começa quando Deus lhe forma a partir do barro e lhe sopra nas narinas o fôlego da vida. Os outros homens, sendo descendentes de Adão, ainda que maculada pelo pecado, herdaram a imagem de Deus Gn. 9:6.
2. ÉTICA E VIRTUDE

2.1. Das virtudes capitais
Em sua República Platão apresenta várias virtudes, mas fica claro que a justiça é a virtude por excelência. As demais virtudes são divididas de acordo com cada classe. A sabedoria é a virtude própria dos governantes, a coragem, dos guerreiros e temperança, dos trabalhadores. Onde se insere, então, a justiça? A justiça é fundamental, pois é a garantia de que cada classe realizará as suas atividades de acordo com as virtudes que lhe são peculiares. É com base nesta divisão que Platão apresenta o seguinte conceito de justiça, na República: “ora, meu caro amigo, este princípio pode muito bem ser a justiça: o desempenhar cada um a sua função”[7]. Como pode ser observado a justiça tem papel de destaque porque é o elemento que sustenta a diversidade das virtudes dentro da unidade da cidade. De modo que, “uma cidade é justa pelo fato de cada um executar nela a sua tarefa específica, em cada uma das suas três classes”[8].

Em Moisés encontra-se o amor como virtude capital. As outras virtudes, na verdade são conseqüências dele. Isto é bem expresso nos dez mandamentos da Lei mosaica (Ex. 20:1:17), onde o amor a Deus é expressado em uma adoração exclusiva a Ele e o amor ao próximo na preservação da integridade física e moral do mesmo. Em um trecho bastante conhecido, Moisés declara: “Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás, pois, o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda atua força” Dt. 6:4, 5. Assim, pode-se dizer que, para Moisés, o homem é justo porque ama a Deus e ao próximo, e isto vale para as demais virtudes. Não obstante, a divergência entre Moisés e Platão vai além. O primeiro exalta o amor mais não descarta a justiça, já o segundo exalta a justiça e descarta o amor. De certa forma, em Platão, o amor está em oposição ao próprio bem. Idéia confirmada por esse trecho do Fedro:

Quando o desejo, que não é dirigido pela razão, esmaga em nossa alma o desejo do bem e se dirige exclusivamente para o prazer que a beleza promete, e quando ele se lança, com toda força que os desejos intemperantes possuem, o seu poder é irresistível. Esta força todo-poderosa, irresistível, chama-se Eros ou amor[9].

Um pensamento semelhante a este pode ser encontrado no Banquete, onde se lê: “Ora, se a Eros falta beleza, e se o que é belo também é bom, segue-se que a Eros também falta bondade”[10]. Em Moisés, não é possível divorciar amor de justiça ou amor de bondade. Uma vez que estas virtudes são, em primeira instância, atributos de um único Deus, não pode haver contradição entre elas. Amor e justiça caminham de mãos dadas. Um exemplo disto pode ser encontrado na história de Ló já aludida neste artigo. Por um lado Deus demonstra a sua justiça ao punir o pecado, por outro, expressa o seu amor e benevolência no livramento da vida de Ló.

2.2. Da verdade
Para Platão a verdade não é uma virtude indispensável. Ela até pode ser considerada uma regra geral, mas não um padrão absoluto. Por causa disto, há situações em que as pessoas podem recorrer à mentira. De Acordo com o mestre de Aristóteles, “se a alguém compete mentir, é aos chefes da cidade, por causa dos inimigos ou dos cidadãos, para benefício da cidade”[11]. Pode-se constatar nesta passagem que, para Platão, a verdade deve existir apenas para servir a cidade. Ou seja, se existir, aparentemente, algum bem para a cidade superior à verdade ela pode ser descartada prontamente. Para Moisés, uma vez que Deus é a fonte da verdade (23:19), o seu desejo é que os relacionamentos humanos, não importando a classe social, sejam caracterizados pela verdade. O nono mandamento da Lei mosaica afirma: “Não dirás falso testemunho contra o teu próximo” Ex. 20:16. Em Números, o profeta do Sinai reitera este princípio: “não furtareis, nem mentireis, nem usareis de falsidade cada um com o seu próximo” Nm. 19:11. Em suma, embora alguns não concordem com esta conclusão, Platão vê a verdade como uma regra geral, enquanto que Moisés a vê como um padrão absoluto.

2.3. Dos prazeres
Na concepção platônica, uma vez que o corpo é essencialmente mal, uma espécie de prisão que sustenta a alma com seus grilhões enganadores, todos os prazeres ligados a ele devem ser descartados. Fugindo destes prazeres a alma, poderá, enfim, libertar-se de sua prisão e voltar à contemplação das idéias perfeitas. Nas palavras do filho de Ariston, o objetivo do homem deve ser “separar o máximo possível a alma do corpo, habituá-la a recolher-se em si mesma, alheia a qualquer elemento corpóreo, e a permanecer, tanto quanto possível, tanto na vida presente como na futura, inteiramente desligada do corpo como de suas cadeias”[12]. Qualquer elemento corpóreo é, portanto, uma espécie de contaminação para a alma. Para o mestre da academia, aqueles que se deixam levar pelas paixões do corpo são denominados intemperantes, pois estão apegando-se a algo ilusório.

O ponto de partida mosaico é totalmente distinto do platônico. Se em Platão o corpo é essencialmente mal, em Moisés o corpo é essencialmente bom. Sendo o corpo do homem uma criação de um Deus bondoso, seria contrário à lógica que ele fosse mal. Em seu relato da criação, Moisés deixa claro que ao criar o homem, na sua dimensão corpórea e espiritual, a sua conclusão foi a de que isso era muito bom. Sendo o homem uma unidade harmônica, obra do Criador, o corpo não pode ser considerado a prisão da alma. O dualismo extremado entre a alma e o corpo presente na filosofia platônica, definitivamente, não é encontrado no pensamento mosaico. Do ponto de partida do profeta hebreu, podemos nos aventurar em outra conclusão que o coloca em clara oposição com o filósofo grego. Se um Deus bondoso criou o homem em sua parte espiritual e corpórea, é sensato pensar que este Deus criou o homem para sentir prazer, caso contrário, seria forçoso admitir um Deus extremamente cruel. Sendo o homem uma unidade, este prazer não se refere apenas à alma, mas também ao corpo. Além disso, é claro em Moisés que o homem criado por Deus, é o homem que busca a satisfação dos desejos que estão mais diretamente relacionados ao corpo. Ele foge da dor (Gn. 14:15), evita a fome (Gn. 12:10), procura saciar a sede (Ex. 17:3), etc. Somente quando se toma como ponto de partida as premissas mosaicas segundo as quais um Deus bondoso é responsável pela parte corpórea do homem, e que esse mesmo Deus criou esse homem para experimentar o prazer em todas as suas dimensões, pode-se evitar um seriíssimo dilema: o de que Deus teria se enganado ao criar um ser contraditório com seus próprios desejos e necessidades. Para solucionar tal paradoxo, Platão precisa admitir que a parte material do homem não criada por um Deus sumamente bom.

2.4. Da disposição para o mal
Para Platão, o homem natural não deseja o mal. A comprovação dessa idéia está no trecho seguinte extraído da República: “Que ninguém nos venha perturbar inadvertidamente, pretendendo que ninguém tem desejo de uma bebida que não seja boa, nem de comida que não seja de boa qualidade. Porque, na verdade, toda a gente tem desejo do que é bom”[13]. Quando o homem comete uma ação má, isto se deve unicamente à sua ignorância. Não há, por conseguinte, uma natureza pecaminosa no homem.

Moisés não descarta o chamado pecado por ignorância, mas ele deixa claro que o homem também deseja o mal. Adão e Eva, como seres livres, escolheram voluntariamente o mal ao desobedecerem à determinação divina. Outro exemplo claro disto pode ser encontrado na história de Caim. Ele já tinha sido advertido por Deus a não cometer qualquer atitude precipitada em relação ao seu irmão. O correto, então, era conter os seus impulsos, ele sabia disso. Mas, conforme observamos na narrativa mosaica, ele preferiu o erro. Em Números, Moisés fala de um homem violando o sábado, logo após o profeta ter anunciado que Deus condenava aquela prática. Muitos outros exemplos encontrados no Pentateuco ainda poderiam ser aludidos.
3. ÉTICA SOCIAL

3.1. Do papel da família

Neste ponto, as discrepâncias entre Moisés e Platão são ainda mais acentuadas. Para o discípulo de Sócrates, as autoridades, para este fim constituídas, deveram tomar conta das crianças que forem nascendo, sejam homens ou mulheres[14].Como pode ser observado, Platão tira a criança do convívio familiar desde o nascimento, algo absurdamente contrário a Moisés. Para este, a família, é uma instituição divina. Na verdade, a primeira sociedade criada por Deus.

3.2. Da educação dos filhos
Na concepção mosaica, os pais são responsáveis pela educação do filho, de transmiti-lo os valores divinos. No clássico texto de Deuteronômio Moisés deixa claro que os pais têm a responsabilidade de inculcar a lei do Senhor nas mentes de seus filhos. Em Platão, a educação das crianças é realizada de forma bastante distinta. Segundo ele, “deve-se pegar os filhos superiores e levá-los para o aprisco, para junto de amas que moram à parte em um bairro da cidade”[15]. Com isso, o laço familiar é violado, em um tipo de educação que mais parece adestramento de animais.

3.3. Do matrimônio
Platão acredita que os casamentos devem ser arranjados e promovidos pelo Estado. Tal manipulação, segundo ele mesmo afirma, deve ocorrer a fim de que os melhores homens se casem com as melhores mulheres. É o que pode ser confirmado na passagem a seguir:

E aqueles dentre os jovens que forem valentes no combate ou em qualquer outro lugar, deve dar-lhes, entre outras honrarias e prêmios, liberdade mais ampla de se unirem às mulheres, a fim de que se haja o pretexto para se gerar o maior número possível de filhos de homens dessa qualidade[16].

Já em Moisés, percebe-se que à liderança cabe apenas o papel de prescrever leis que tornem o casamento lícito. Cada homem é, portanto, responsável por escolher a sua própria esposa (Gn. 2:24; Dt. 24:1-4), embora acontecessem situações onde a havia a interferência da família. Contudo, a discordância mosaico-platônica vai além nesse ponto, uma vez que o filósofo grego afirma que “a lei permitirá uniões entre irmãos e irmãs se a tiragem de sorte se inclinar para este lado e se a Pítia[17] aprovar”[18]. Moisés, por sua vez, não admite o casamento entre parentes próximos, principalmente entre irmãos. Conforme Levítico 18, os casamentos seguintes são considerados ilícitos: pai com filha, mãe com filho, irmão com irmã, avó com neto, sobrinho com tia, sogro com nora, cunhados, etc.

CONCLUSÃO

Depois dessa breve análise, só é possível uma conclusão: a de que não há qualquer comunhão entre o Sinai e a Academia. Infelizmente, muitos pensadores cristãos não perceberam a distância entre Platão e Moisés. Justino, o Mártir, por exemplo, afirmou que o platonismo em pouco diferia do cristianismo. Clemente de Alexandria foi além, chegando a defender que a filosofia platônica havia sido uma espécie de testamento para os gregos. Na verdade, o sangue fétido do platonismo penetrou nas veias do cristianismo desde muito cedo, apodrecendo boa parte da teologia cristã. Para ser mais exato, esse líquido putrefato ainda não foi expelido da doutrina cristã. Mas ele precisa ser extraído, sob a pena destruir a essência da ética cristã. Não que seja impossível o relacionamento entre teologia e filosofia, entre fé e razão. A questão é que não há filosofia mais anti-mosaica, e, consequentemente, mais anticristã do que o platonismo.


NOTAS:

1. PLATÃO. A República. São Paulo: Martin Claret, 2001. p. 155.

2. PLATÃO. op. cit. p. 159.

3. PLATÃO. Criton. In: Os pensadores. São Paulo: Nova cultural, 2004. p. 110.

4. PLATÃO. Fédon: diálogo sobre a alma e a morte de Sócrates. São Paulo: Martin Claret, 2002. p. 81.

5. PLATÃO. op. cit. p. 40.

6. PLATÃO. op. cit. p. 44.

7. PLATÃO. A República. p.128.

8. PLATÃO. op. cit. p. 138.

9. PLATÃO. Fedro. São Paulo: Martin Claret, 2001. p. 70.

10. PLATÃO. Banquete. São Paulo: Martin Claret, 2001. p.140.

11. PLATÃO. A República. p. 78.

12. PLATÃO. Fédon. p. 31.

13. PLATÃO. A República. p.133.

14. Platão. op. cit. p. 175.

15. PLATÃO. op. cit. 103.

16. PLATÃO. op. cit. p. 156.

17. Sacerdotisa de Apolo que pronunciava oráculos em Delfos.

18. PLATÃO. op. cit. p. 156.


Postado por J. Marques









2 comentários:

Edna Tania A. G. disse...

bom dia Pr. Elias.

Muito bom o conteúdo do blogge. Gostaria de saber se o irmão recebeu o meu email. Nele faço convite para uma conferencias em minha igreja. o meu imail é gomes-valdir@ig.com.br - caso o irmão tenha deletado, procure no lixo da sua caixa que deve está por lá.

Preciso da resposta do irmão com um pouco de urgencia.

Deus te abençoe e guarde.
Pr. Valdir Gomes - João Pessoa, Pb.

Elias Lima disse...

Olá Pr. Valdir, desculpe a demora em responder este comentário. Quanto ao convite feito, aceitei e se Deus quiser estaremos lá.

Deus vos abençoe