sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

SÁTIRA AOS NOVOS (DES)VALORES DA CULTURA CRISTÃ

INTRODUÇÃO

O cristianismo resistiu a muitos ataques ao longo de sua história, travou verdadeiras batalhas com poderes políticos, correntes filosóficas e outras religiões e permaneceu inabalável. Debalde, o rei, o filósofo e o sacerdote tentaram aniquilar a doutrina cristã. Depois de tantas lutas sangrentas, cujo número dos adversários seria impossível precisar, o cristianismo está ameaçado por um inimigo terrivelmente poderoso. Esse adversário, semelhante a um animal enfurecido, demonstra que só aplacará a sua fúria quando pisar as cinzas da doutrina cristã. O poder destrutivo desse inimigo sobrepuja o poder do rei, supera em muito a força do filósofo e a violência do sacerdote. Mesmo estes três poderes conjugados não podem fazer frente ao novo inimigo do cristianismo. Como se vê, o novo opositor não é oriundo dos decretos políticos, não procede dos tratados filosóficos e muito menos do fervor mórbido dos cultos pagãos. Qual a origem desse inimigo? Ele procede da igreja, é sustentado pelas pregações, dogmatizado pelos manuais de teologia e seguido pelo pastor e pelo fiel. Parece absurdo mais o terrível inimigo do cristianismo é o próprio cristianismo. Para ser mais preciso, um cristianismo maldosamente disfarçado de ortodoxo. A arma desse inimigo é uma espécie de transvalorização dos valores cristãos. Nesse artigo, esse termo será atribuído à mudança de um (des)valor em valor.

1. O (DES)VALOR DA COVARDIA INTELECTUAL

Por covardia intelectual deve ser entendido o medo de estabelecer o diálogo entre a doutrina cristã e a cultura e conhecimento extra-bíblicos. Toda covardia é fruto da ilusão, fato que se aplica à covardia intelectual. Essa apostasia perniciosa baseia-se na falsa idéia de que qualquer formação intelectual mais elevada é um apelo à negação da fé. Por esta razão, os chamados “cristãos covardes” anatematizam e pregam o ódio mortífero ao conhecimento extra-bíblico, desprezam qualquer conhecimento que não esteja respaldado por sua teologia de vermes.
Estão completamente equivocados aqueles que pensam que a coragem não é uma virtude cristã. É preciso ser extremamente corajoso para aceitar a doutrina do Mestre e não soçobrar diante da grande responsabilidade que isto representa. Só um corajoso é capaz de colocar a sua própria vida como instrumento de autenticação de sua fé. Para se conhecer também é necessário coragem, principalmente quando o novo conhecimento não coincide com aquilo em que acreditamos. O estranho desperta o assombro, assombro que precede a covardia. Por isso, é preciso coragem, tudo que esta faltando a “nova cultura cristã”. Nas páginas do Novo Testamento, os cristãos são identificados por várias metáforas: ovelha, luz, sal, pedra, águia, árvore, só para alistar alguns exemplos. Não obstante, em nenhuma de suas paginas, a Santa Escritura compara os crentes a tartarugas. Essa figura se aplica muito bem a esses “cristãos covardes”, que vivem escondidos em sua carapaça doutrinária.

Assim, o cristianismo está sendo ameaçado pelo próprio cristianismo: o cristianismo covarde. Estes ditos cristãos temem confrontar a sua fé com a cultura ao seu redor, acreditam que um crente jamais poderá ler uma obra de Paulo Coelho sem se deixar seduzir pelo espiritismo; Harry Potter, então, é uma tentação diabólica; um irmão que ousar ler o Anticristo de Nietzsche poderá até ser disciplinado na igreja; aqueles que ousarem estudar filosofia serão motivos de escândalo para muitos. Afinal, de contas, como dizem alguns, a conversão significa um completo desprezo à cultura mundana e a sabedoria humana afasta o homem de Deus. Curiosamente, foi criado um novo Index librorum prohibitorum[1], agora, pelos protestantes.

2. O (DES)VALOR DA DESONESTIDADE INTELECTUAL


Desonestidade intelectual: eis mais um insulto, mais uma blasfêmia à doutrina do Mestre, mais um (des)valor da cultura cristã atual. Trata-se do desprezo a tudo que é cultura extra-bíblica sem nenhum conhecimento a priori. Em certo sentido, a desonestidade é fruto da covardia. Ao se esconderem em suas carapaças, como tartarugas desprezíveis, esses sepulcros caiados só são capazes de julgar àquilo que é exterior a eles movidos pelo preconceito e pela hipocrisia. Para empregar um pouco de ironia, um pregador diz que a obra de Freud é diabólica sem nunca ter lido um único prefácio do pensador vienense, um outro chama Descartes de anticristo sem saber se o autor do Discurso do método nasceu na França ou nas Guianas holandesas. Esses fraudadores intelectuais, semelhantes a víboras destilando a sua teologia peçonhenta, quando encontram alguém que se diz ateu sem nunca ter lido a Bíblia, ainda têm a petulância de argumentar que tal pessoa está errada ao descartar a fé cristã antes mesmo de conhecê-la. Criticam Nietzsche por ter julgado a doutrina cristã sem um conhecimento a fundo da mesma, mas cometem o mesmo preconceito, a mesma improbidade intelectual em relação ao pensamento do existencialista alemão.

Ah! Como faria bem a esses falsificadores do Evangelho uma pequena dose de cristianismo bíblico! Descobririam espantados que Cristo nunca pregou o ódio ao conhecimento, que essa desonestidade vil nunca foi contada entre as virtudes cristãs. Mas eles que, ao mesmo tempo ostentam uma luz superior, que se vangloriam por serem portadores de revelações sublimes, estão embrutecidos, perdidos no escuro sem fim da indiferença, cegos pelo véu asqueroso da hipocrisia. Julgam-se os únicos cristãos do mundo, mas estão tão distantes de Cristo, e isso justifica a sua desonestidade intelectual.

3. O (DES)VALOR DA ALIENAÇÃO INTELECTUAL

O termo alienação comporta muitos sentidos, principalmente quando analisado em termos filosóficos. No presente artigo este vocábulo será empregado para marcar a atitude radical de fechamento em relação à cultura extra-bíblica. A alienação é o estágio final no processo de transvalorização. Tanto o covarde quanto o desonesto sabem que existe cultura e conhecimento exteriores a ele. Isso pode ser comprovado pelo modo como eles enfrentam essa realidade. O primeiro emprega a arma da fuga e o segundo a arma do disfarce. O alienado, no entanto, perdeu a capacidade de perceber esta exterioridade. Em seu fechamento, ele tornou-se um prisioneiro daquele que considera o único conhecimento que existe.

Em muitos cursos de teologia, se for indagado a um seminarista se ele conhece Dostoievsky, esse estudante perguntará qual o ano do uísque em questão, se quiserem saber a sua opinião sobre Tolstoi, é possível que ele pergunte se o prato é doce ou salgado, se perguntarem se ele já leu alguma obra de Bocage, ele chegará ao cúmulo de confundir o poeta português com uma marca de roupa. Para empregar um neologismo, ele conhece uma única linguagem: o “teologuês. Como se não bastasse, ainda se orgulha de sua segregação cultural, considerando essa apostasia prova de espiritualidade e santidade. Olha para si mesmo como um ser privilegiado, dono de uma sabedoria inefável, acha-se capaz de desvendar todos os mistérios, seja do mundo material ou do mundo espiritual. Os que ousarem romper com o seu paradigma e desprezarem essa infame alienação serão considerados apóstatas, porcos que se deleitam com as alfarrobas do mundo.

CONCLUSÃO

Já é hora de alguém deixar de lado o receio e falar a esses farsantes que são eles os verdadeiros apóstatas da fé cristã, que são eles os inimigos da sã doutrina, os anticristos de quem fala o apóstolo[2]. Já é hora de alguém pisar os seus ovos funestos, antes que eles concebam víboras peçonhentas. Já é hora de destruir esse terrível inimigo e impedir a abominável transvalorização dos valores cristãos. É hora de se proclamar em todos os lugares o desprezo a essa paródia indecente do cristianismo. Mas aquele que ousar realizar tal feito deverá está preparado para enfrentar a fúria de uma multidão de cristãos, de cristãos que conhecem tanto de Cristo quanto um louco conhece as faculdades lógicas.

Notas:

1. “Lista de livros proibidos”. Recurso usado pelo tribunal da Inquisição com a finalidade de deter o avanço do protestantismo.

2. I João 2:18.


Postado por J. Marques

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