sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

BREVE REFLEXÃO SOBRE O ANO PASSADO

E a vida eterna é esta: que conheçam a Ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo a quem enviaste. Jo. 17:3

Quando for arrancada do calendário na parede a última página, quando o relógio, em sua cadência monótona, completar o seu último giro, quando os fogos ecoarem nos céus e produzirem um espetáculo multicor, quando as mãos se apertarem e os corpos trocarem o seu calor, então, o ano presente será confrontado com o seu final. Nostalgicamente, ele será depositado na imobilidade do passado e juntar-se-á aos outros anos passados, semelhante a um defunto que é recolhido à inércia e frialdade da terra. Ele também habitará na companhia silente dos anos cadavélicos, dois anos que em seu presente brilharam como uma chama tênue.

Quando o último instante for rasgado como um véu, o ano presente estará confinado à memória daqueles que dele quiserem lembrar. Será recordado com desprezo ou ternura, com remorso ou saudade, com decepção ou encanto. A verdade é que ele será uma espécie de fantasma a ocupar as nossas divagações noturnas, nada, além disso. Desejaremos que essa pálida sombra se perpetue nas encruzilhadas íngremes de nossa memória ou que desapareça por completo. Infelizmente, nada do que pudermos desejar mudará aquilo que ele foi para nós. No exato momento em que o ano presente se transforma em ano passado, o homem perde o seu controle sobre ele. De fato, é ele que passa a exercer controle sobre o homem. Quando estava diante de nós poderíamos dominá-lo, agora, distante, ele nos domina.

Pobre ano presente que agora não passa de ano passado. Talvez, a única coisa que o conforte seja a certeza de que o mesmo destino inexorável aguarda o ano futuro. Um dia ele também será depositado no insaciável sepulcro das eras e transformar-se-á em ano passado. Será tragado pelo abismo silencioso do tempo, essa imagem móvel da eternidade, como dizia Platão.

Mas, é possível romper essa realidade assombrosa e impedir que o ano passado seja apenas ano passado. Para aqueles que se dedicaram ao conhecimento, principalmente, o conhecimento das coisas divinas, cada ano passado possui a virtude do infinito. Certamente, para muitos que se ocuparam apenas com trivialidades, o ano passado será apenas ano passado. Não para aqueles que consagraram todo o seu ser à descoberta dos mistérios celestes, para aqueles que tentaram romper o véu do desconhecido. Para estes, o ano passado nem poderá ser considerado como tal. Ele é uma centelha da eternidade que se mostrou na dimensão do tempo. Nessa diminuta fração da existência tal homem foi capaz de perceber a plenitude do eterno, pois soube trilhar o caminho do infinito.

O homem do tempo, poderíamos também chamá-lo homem do imediato, transforma o que existe de eterno nele em uma modalidade do tempo. Para ele existe apenas o passado, o presente e o futuro, que será presente e perder-se-á nas encruzilhadas silenciosas do passado. Esse pobre homem não consegue encontrar a relação entre estas três as dimensões nem possui a virtude para transformá-las em eternidade. Por isso, no instante da passagem, se for sincero com sua própria existência, a única coisa que ele tem a fazer é lamentar o ano passado. A eterna e insaciável incompletude causar-lhe-á angústia e decepção, a estranha sensação de uma existência incompleta. A passagem é o instante em que ele será confrontado com a falta de sentido e propósito em sua vida.

O homem da eternidade, por outro lado, vive o eterno ainda que esteja confinado às dimensões do tempo. Ele possui a virtude para transformar o passado em presente, em futuro, em eterno. Diferente da maioria dos homens, ele aprendeu a dominar os anos, sejam presentes sejam passados. Ele não teme a imagem fantasmagórica que ficará em sua mente quando o ano presente silenciar. Por fim, no instante da passagem, nada ele tem a lamentar, apenas será tomado por certa tristeza ao ver que para muitas pessoas o ano que finda será apenas ano passado, uma espécie de fantasma que irá assombrar as noites de seus anos futuros.


Postado por J. Marques

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