sexta-feira, 12 de setembro de 2008

REFLEXÕES SOBRE UM INSTANTE

Em vão os vivos tentam explicar a morte. Essa companheira perpétua do homem caído só se dá a revelar aqueles a quem toma pela mão. Somente eles podem compreender o mistério da passagem. Nem mesmo as mais profundas sentenças teológicas ou a mais acurada reflexão filosófica, nem mesmo a suma de todo o conhecimento científico poderão traduzir em sua plenitude esse Instante que, ao lado do nascimento, são os únicos onde toda a existência se encontra. Aquele que está vivo tem a capacidade de compreender a vida, o que morre é capaz de compreender a morte, mas é somente quem morre em Cristo que é capaz de compreender a vida a morte e a vida eterna. Quem atravessa os portais da morte seguro pela mão de Cristo, percebe que esta passagem, embora seja dolorosa para os que ficam, é apenas um Instante entre uma vida incompleta e a vida em sua plenitude. Mas por que razão o Criador permitiu a existência desse breve e indesejado intervalo entre as duas modalidades de vida? Provavelmente, para marcar a grandeza da vida futura em relação à vida presente. É como se Ele quisesse mostrar que o breve desencontro confere mais grandeza ao reencontro, como se estivesse a dizer, cada vez que um cântico embala o funeral de um fiel, que era esse tipo de vida que ele desejava para o homem desde a eternidade.

Felizes são aqueles que vivem em Cristo, pois possuem através de sua fé a capacidade de contemplar a eternidade. Entretanto, ainda mais venturosos são aqueles que já morreram em Cristo, pois, transpondo as barreiras da morte, mergulharam na vida plena para a qual Deus os destinou desde a eternidade. O sábio Salomão afirma que Deus plantou a eternidade no coração do homem. Há dentro dele a centelha do infinito. Paradoxalmente, esse pequeno gérmen ganha vida com a morte. O próprio Cristo explora esse paradoxo ao afirmar que o grão de trigo, ao ser lançado na terra, não ganha vida até que tenha morrido. O Mestre fazia referência à sua própria morte.

Para aquele que descansa em Cristo a morte é apenas um Instante. É somente os que ficam, em virtude da separação causada por esse flagelo da existência, que vivem a realidade da morte, são eles que hão de se deparar com a sua realidade a cada dia, através das lembranças sempre presentes do ente querido. A não ser a dor física, cuja intensidade e duração dependem da situação, quem morre em Cristo, não é afetado pelo sofrimento da morte. São os que ficam que terão que conviver com esta experiência dolorosa. A dimensão desse sentimento será proporcional à intensidade dos laços afetivos que prendem as pessoas envolvidas, mas também será aumentado por uma morte em circunstâncias completamente inesperadas. Pensemos no exemplo de um esposo recém-casado que perde a sua companheira em um acidente de automóvel. Certamente, o seu sofrimento será muito superior àquele experimentado por alguém que perde um colega de trabalho, falecido depois de sofrer durante três anos com um câncer no estômago. Mesmo que a esposa tenha morrido em Cristo e que o esposo compartilhe com ela da mesma esperança, o seu sofrimento será indescritível. Para a esposa, a morte foi apenas um Instante entre uma vida incompleta e uma vida plena, entre o tempo e a eternidade, mas para o esposo essa experiência estará sempre presente, até que ele reencontre a sua amada e toda a separação seja desfeita.

Pensando um pouco mais no exemplo mencionado acima, por que razão o esposo sofre diante da morte da esposa mesmo sabendo que, em virtude de sua esperança cristã, encontrar-se-ão novamente em um nível de vida incomparavelmente melhor? Não há dúvida que o grau de intimidade e cumplicidade entre os cônjuges, os laços afetivos que os unia e as experiências vividas por eles são causas que ajudam a justificar o despertar desse sentimento. A certeza de que a troca de intimidades e sentimentos não será mais possível, de que o percurso das experiências vividas foi interrompido pela morte e de que os olhares não mais trocarão a cumplicidade própria dos casais, enfim, todo esse turbilhão de imagens projeta-se como uma seta no peito do cônjuge que fica, causando-lhe o mais intenso sofrimento. Não obstante, a principal razão desse sentimento doloroso é muito mais profunda. A razão é que o esposo ainda não conhece a morte enquanto um mero Instante, uma vez que ele ainda não a transpôs o seu limiar. Além disso, como ainda está na vida presente, a vida porvir, mesmo em face de sua esperança inabalável, continua sendo uma promessa à qual ele ainda não vivenciou em sua plenitude.

A esperança, no entanto, será de grande valia para o cônjuge que fica, pois é através dela que Deus lhe dará a cada dia o seu consolo. Enquanto ele viver, a morte de sua esposa existirá e, mesmo com o tempo, causar-lhe-á algum tipo de sofrimento. Por isso, ele precisará constantemente desse alento. Infelizmente, o sofrimento não se extingue por completo até que os dois se reencontrem na eternidade. Entretanto, quanto maior for a fé do cônjuge, maior será a sua capacidade de lidar com a dor da separação e melhor habilitado ele estará para transformar o lado doloroso desse desencontro em um sentimento de expectativa pelo reencontro. Além disso, Deus conceder-lhe-á força e sabedoria para compreender o mais elevado conceito de amor, que consiste na busca do maior bem do seu objeto. Pelo fato de ainda estarmos em um mundo onde existe o sofrimento, a realização desse maior bem nem sempre exclui a tristeza de uma das partes, ou de ambas, fato que ocorrerá em relação ao esposo que perde a sua companheira de todas as horas. Contudo, sustentado por sua fé, ele compreenderá que, embora a vida presente de sua esposa fosse um bem divino, em escala de valores, a vida eterna é um bem incomparavelmente maior. Se foi do agrado do Pai celeste conceder a vida plena à sua esposa naquele momento, ainda que diante de lágrimas, ele o compreenderá e será capaz de dizer como apóstolo Paulo: “Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias, por amor de Cristo. Porque, quando sou fraco, então, é que sou forte”. (II Co. 12:10). Mas de onde ele tira o seu prazer? Do amor de Cristo e da certeza que, diante da eternidade, a morte e a própria vida presente são meros instantes temporais e que, diante dessa nova realidade, todo Instante se perde. Ele sabe, enfim, que, em Cristo, o homem começa a viver quando morre.

Nota: In memorian de Luzivana Fontinele Marinho Freitas à qual, no dia 28 de agosto de 2008, o Senhor concedeu-lhe o dom de compreender a vida, a morte e a eternidade. Além disso, o artigo é uma palavra de consolo para o seu esposo e para todos aqueles que foram privados provisoriamente da sua presença, bem como uma advertência para todos aqueles que pretendem transpor os portais da morte, sem ter a certeza de que isto lhes abrirá o caminho rumo ao trono divino. Agradecemos ao irmão Fandermiller da Cunha Freitas por ter, gentilmente, autorizado a publicação desta reflexão. A nossa oração constante tem sido para que Deus esteja confortando o seu coração, bem como a cada um dos familiares dessa querida irmã.


No amor do Eterno:

Elias Lima
Francimar
J. Marques
J. Roberto
J. Figueiredo

Um comentário:

Ir.lima disse...

que Deus ilumine ess trabalho,continue em frente.